“Viva a cada dia na sua plenitude, os problemas de ontem estão
escritos na areia, varridos fora da existência pela própria mão de Deus”. As
coisas do futuro que nossos corações possam temer podem ser resolvidas, todas,
quando amanhã estiver aqui da nossa vida inteira, apenas estas horas – as horas
de hoje.
O profissional Escoteiro e Projeto 2.000 – fasc. 74
"Velho" vou ficar mais de um mês fora. A empresa me mandou
para uma cidade no estado do Maranhão, pois abriram uma nova filial e tenho de
organizar o setor de manutenção. – O "Velho" me olhou com aqueles
olhos azuis, nada zombeteiros, mas mesmo assim disse – Ótimo, graças a Deus.
Vou ficar livre de você por um bom tempo! Quem sabe gosta de lá e não volta
nunca mais? – Gosto do "Velho". Muito. Amo como se fosse meu pai e
sabia que suas palavras eram de tristeza pela minha ausência. O "Velho" como a adivinhar o que eu
pensava pela primeira vez me surpreendeu. – Olhe ele disse, vais fazer uma
tremenda falta. Aprendi a gostar de você de sua maneira de ver o escotismo e
hoje o considero um grande Chefe Escoteiro. Gostaria de ter tido um filho como
você. Vê se não demora. Não sei quanto tempo ainda tenho nestas minhas horas
extras que faço aqui na terra. Não irei embora sem me despedir de você!
Danado de
"Velho". Pegava-me assim sem mais nem menos com esta declaração. Deu
vontade de levantar do meu banquinho de três pés e abraçá-lo. Forte. Dar um
beijo em sua face e dizer a ele – "Velho", eu amo você como se fosse
meu pai! Mas sabia que não poderia fazer isto. Ele não gostava. Nem com os
netos e sua filha. Até ri no dia que a Vovó deu nele um beijo gostoso na boca.
Ele ficou vermelho, sorriu de leve, não disse nada, pois a Vovó ele respeitava.
Bem eu tinha um assunto que gostaria de falar com ele antes de partir. Ele
também sabia que eu queria fazer alguma pergunta. O som da vitrola antiga
tocava baixinho Thais: Meditation com Gheorghe Zamfir. Linda. Como toca este
moço com sua flauta mágica.
Sabe
"Velho", ontem sem querer participei da reunião da diretoria do grupo
Escoteiro, e eles discutiram sobre a diferença de um Escoteiro profissional e a
de um profissional escoteiro. Alguém deu a ideia de quem sabe o grupo ter um.
Já falamos muito sobre isto e para dizer a verdade eu mesmo fiquei em dúvida.
Nunca vi em nenhum grupo um profissional assim. Já vi pessoas que trabalham na
sede Escoteira. Mas sempre como administrativos. Você tem conhecimento sobre
isto? – O "Velho" balançou a cabeça concordando. Escutou os acordes
finais de Zamfir, me olhou com aqueles olhos azuis e os cabelos brancos caindo
sobre a testa e ficou a pensar.
- Para lhe ser
sincero, falou o "Velho", acredito que nosso movimento poderia ter
dado um salto bem maior em quantidade e qualidade se tivéssemos nos preocupado
mais com os profissionais escoteiros. Veja bem, entendo como profissional
Escoteiro alguém com uma função específica em um órgão Escoteiro, para
desenvolver programas de expansão, proselitismo, arrecadação de fundos, e ser
um contato entre os grupos escoteiros entre si, seja distrito, região, direção
nacional ou mesmo um Grupo Escoteiro. Estou, a saber, que há poucos meses nosso
órgão máximo contratou um profissional. Ótimo. Quanto tempo ficaram sem ele. Nunca
é tarde para começar.
Veja bem, estamos
falando de um profissional Escoteiro e não um Escoteiro profissional. Acredito
que este último está fora de cogitação por enquanto. Ele existe na Boy Scout
dos Estados Unidos. Trata-se de um técnico Escoteiro e trabalha como
profissional conforme é solicitado nos estados e em grupos. Chega a ponto de
alguém contratá-lo para organizar uma tropa, fazer um acampamento, preparar
chefes escoteiros, substituir chefes em férias ou viagem enfim múltiplas
funções. Aqui acredito que eles irão demorar em existir. Agora bem diferente do
Profissional Escoteiro. Sua função é outra. Para isto deve ser bem treinado,
pois irá lidar na comunidade em busca de apoio financeiro e apoio logístico.
Eles também são
muito úteis com bons programa de expansão do escotismo. Isto falta para que
nosso escotismo dê um grande salto, principalmente por reconhecimento das
autoridades municipais, estaduais e federais. Impossível para amadores
executarem esta tarefa. Vou lhe contar uma história que aconteceu comigo a
muitos e muitos anos atrás. Recebemos a visita de um antigo profissional já
conhecido do CIE (Conselho Interamericano de Escotismo) hoje mais conhecido
como Oficina Scout Interamericana. Não sei se realmente se chama assim, mas
isto não importa. Não me lembro agora do nome do profissional que nos visitou.
Eu já o conhecia de outras visitas com outras finalidades. Uma pessoa muito
simpática e quando vinha ao Brasil parecia pisar em ovos. Mais tarde explico por
que.
Seus lideres
conseguiram em vários países através de uma grande campanha financeira e até
com boa ajuda da BSA, uma quantia razoável para a expansão do escotismo na América
do sul. Foi feito um plano que chamaram de Projeto 2.000. Um plano simples, mas
eficaz. Deu certo em vários países menos aqui no Brasil. Vamos a ele –
Contrata-se um Profissional Escoteiro que em principio deve conhecer bem o
escotismo, paga-se um bom salário (acho que hoje seria por volta de dois mil e
quinhentos dólares) No contrato ele receberia integral no primeiro ano, setenta
por cento no segundo e no terceiro só trinta por cento. Após o quarto ano a
verba seria suspensa. Ele continuaria como profissional, mas teria que fazer
seu próprio salário.
Enfim, O projeto
consistia em escolher uma área, que seria denominado distrito e o profissional
iria allí desenvolver o escotismo com objetivo de em menos de três anos ter dois
mil escoteiros. Nota-se que a área não poderia ter nenhum grupo. O próprio
Profissional do CIE iria treinar os profissionais escolhidos no Brasil, pois o
projeto iria abranger mais de oito estados brasileiros. Ele o profissional iria
aprender como manter contatos e se relacionar com fábricas, igrejas, comércios,
empresas diversas, enfim a seara para desenvolver o escotismo na área. Ele
seria responsável para arrumar sedes, chefes, diretorias e principalmente os
meios necessários para prover todas as necessidades do Grupo Escoteiro no seu
início. Depois a diretoria seria a responsável. Pensava-se que cada grupo
Escoteiro teria por volta de cem membros. Portanto teria de ser organizado mais
de 20 grupos. De toda arrecadação que
conseguisse na comunidade, teria uma porcentagem para suprir seu salário, seu
escritório e futuramente auxiliares.
Um grande plano.
Foi-nos passado que deu certo em muitos países. Se desse certo no Brasil
teríamos em três anos mais dezesseis mil escoteiros desta vez em grupos bem
organizados e estruturados. Mas o plano não iria parar por aí. A própria UEB
daria prosseguimento em outros estados e a expansão nos demais estados onde foi
implantado. Belo Plano. Belo mas no papel. Aí começaram as dificuldades. Chefes
Escoteiros com ciúmes do profissional. Trabalho inteiramente diferente, mas os
chefes não viam isso. Muitos desempregados ou mal pagos assistiam com criticas
o desenrolar do Projeto. O Distrital da área achava que o outro profissional
era pago e ele não. Muitas vezes dizia que era preterido pela região me razão
do outro. Vários amigos escoteiros sem
condições insistindo para serem escolhidos. Os ciúmes e dúvidas também chegaram
à direção regional. Algumas delas achavam que o profissional do CIE era mais
importante e a palavra final nunca eram deles.
Finalmente soube
que dois estados aceitaram. Em um atingiu-se parcialmente o desejado no outro se
extinguiu em menos de um ano. A índole do Chefe escoteiro em nosso país se firma
muito no servir e muitos não sabem discernir entre o profissional e o Chefe
Escoteiro voluntário. Veja bem, soube
que a BSA (sempre ela, mas é nosso referencial) tem centenas de profissionais
Escoteiros e também muitos Escoteiros Profissionais. São designados para todos
os distritos nos estados e o resultado é surpreendente. Nunca teria os cinco
milhões que hoje possuem de membros se não fossem o trabalho dos profissionais
escoteiros e olhe, estão lutando para em dez anos chegarem aos trinta milhões
de escoteiros! Lá se faz um trabalho sério.
Difícil no Brasil
pensar assim. Somos leigos neste assunto. Vou lhe dar outro exemplo. A muitos e
muitos anos atrás um estado no Brasil através do seu presidente contratou um
Profissional Escoteiro com experiência em outros países. Como o Presidente era
pessoa bem relacionada e um profissional experiente na comunidade e em suas
empresas o sucesso não se fez esperar. Combinou-se com ele (o profissional) uma
porcentagem em todas as arrecadações e se não me engando era coisa de dez por
cento. Ele conseguiu tanto dinheiro que os dez por cento se transformou numa
fábula de salário. Daí para os ciúmes, desavenças (ele passou também a
colaborar como técnico em cursos) foi um passo. Eu mesmo fui visitá-lo uma vez.
Recebeu-me muito bem e me ofereceu um uísque importado. Um absurdo na mente dos
voluntários escoteiros. Quando foi eleita nova diretoria mandaram-no embora.
Como dizem por aí, o leite secou. A região empobreceu.
Na década de
sessenta e setenta, um Profissional da UEB deu grande contribuição para o
desenvolvimento Escoteiro no Brasil. Ficou muitos anos, pois era uma pessoa bem
relacionada e amiga. Deu enorme contribuição para a formação de muitos
escotistas em vários estados brasileiros onde aplicou cursos e palestras
diversas. Com exceção do novo Profissional contratado pela UEB recentemente, há
muitos anos não temos ninguém nesta seara. Claro, as leis trabalhistas no
Brasil muitas vezes prejudicam em muito a contratação de um profissional. Não
sei das regiões, mas acredito que nenhuma possui um profissional Escoteiro como
se espera. Nada a comparar com funcionários executivos dos escritórios locais.
Agora veja bem,
já pensou se cada grupo tivesse um? Não precisava ser um alto executivo. Mas deveria
ser alguém bem treinado para se sair bem em suas funções. Quais? Acho que deveria
ter boa escolaridade e melhor se fosse curso superior. Trabalhar no comercial
local da sua comunidade em busca de sócios, colaboradores e doadores ao Grupo
Escoteiro. Já pensou? Mas quanto ele receberia? Salário seria impossível.
Nenhum grupo teria condições de pagar um profissional assim. Mas e se lhe
dessem vinte por cento de tudo que conseguisse? Será que os grupos topariam?
Mesmo? Acredita nisto? E se amanhã ou depois ele conseguisse arrecadar mais de trezentos
mil por ano? Muito? Menos? E ele ficaria com vinte por cento?
Claro que haveria
gritos, sussurros, reclamações, pois dificilmente a maioria dos escotistas dos
grupos escoteiros no Brasil atingem um salário como o executivo iria receber. E
depois até onde ele iria? Conseguido os valores programados poderia abrir um
escritório seu ou ficaria no próprio grupo? E o Diretor Técnico? Os
Presidentes? Passariam a exigir dele como exigem do voluntário? Ouve uma época
que a UEB desenvolveu um Curso de Profissional Escoteiro. Não conheci o
curriculum do curso. Os resultados foram pífios. Não sei se deram continuidade.
Muitos senões, muitos ventos a favor. O "Velho" parou de falar. Para
mim seria um tema que achava deveria ser obrigatório em todos os órgãos
escoteiros. Nunca seriamos nada em termos de quantidade e qualidade para
comparar a tantos outros países sem bons profissionais escoteiros em número
razoável atuando em todo Brasil.
Nenhum plano de
expansão teria êxito sem eles. Não sei o que estão fazendo, quais os planos, objetivos,
mas seria bom que todos pensassem a respeito. Um profissional hoje é um pingo d’água
no oceano. Tomei um café rapidamente e me despedi do "Velho". Um
abraço afetuoso e fraternal. "Velho"! Eu disse, eu voltarei! O
"Velho" riu, mas vi em seus olhos pequena gotas de lagrimas
escondidas. Desci as escadas sem olhar para trás. A lua enorme mostrava toda
sua força provando que Deus existe. Um vento frio e gostoso soprava em uma
brisa leve e intermitente. Um profissional Escoteiro será que eu poderia ser
um? Risos. Acho que não. Os jovens são meus preferidos. Um mês e quinze dias
sem ver o "Velho". Meu coração ia aguentar?
“Siga tranquilamente, entre a inquietude e a pressa,
lembrando-se de que há sempre paz no silêncio”. Tanto quanto possível sem se
humilhar, mantenha boas relações com todas as pessoas. Fale a sua verdade mansa
e claramente e ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes, pois
eles também têm sua própria história.