A tradição não é dada por direito de
herança, e, se a quiser, é preciso muito trabalho para obtê-la.
“Geração sem memória”
Há tempos
queria fazer um artigo sobre este tema. Escrevi vários, mas ainda não tinha
analisado bem a nova geração Escoteira. Em um artigo li que a psicóloga
norte-americana Hara E. Mannara escreveu criticando a forma frouxa como os pais
daquele país estão criando os filhos, formando uma geração de cidadãos
apáticos, indiferentes, alienados, e sem compromissos com nada. No Brasil,
palestras e artigos acadêmicos também vêm alertando para os efeitos da educação
chamada por alguns de “pós-moderna”. Educadores mais ‘à direita’ criticam os
pais por criarem uma geração sem compromisso com os valores do lar, da família,
da tradição cultural local e do país. Outros não poupam críticas aos efeitos da
educação geradora de pessoas individualistas, consumistas, sem gosto pela
leitura, sem atitude crítica, desinteressada para transformar o mundo. Poderia
me aprofundar por aí, mas o meu tema é outro - “Escotismo”.
Sempre me
perguntei por que a nova geração Escoteira não se preocupa com os valores do passado
e com as tradições e quase nunca os adultos que hoje participam ativamente não
dão sinal de preocupação e fatos importantes são sempre relegados ao segundo
plano. São poucos os velhos escoteiros que um dia aprenderam tudo isto e vem à
tona para tentar alterar ou mostrar que os rumos tomados estão conduzindo a um
caminho sem volta. O escotismo com sua disciplina, suas leis, e uma promessa
que fica firme na mente de todos nós, nos conduz muitas vezes a não questionar
e aceitamos com submissão tudo que nos chega às mãos pelos nossos dirigentes, instrutores
e chefes. Os nossos costumes e crenças do passado, não mais estão sendo
passados de uma geração para outra. Ainda bem que mantemos uma série de
vantagens que nos traz a alegria de saber que ainda somos um movimento oriundo
das ideias e valores de Baden Powell (BP). Infelizmente alguns já dizem e o
chamam de ultrapassado e cada um ao seu modo analisa suas crenças dentro de uma
metodologia moderna. Um dia desses um desses novos formadores me disse que
Baden Powell (BP) é oriundo de uma Inglaterra colonialista e sua formação
militar pode ser considerada retrógrada hoje em dia. O que esperar dos seus
alunos no futuro e os jovens? Quem sabe estão surgindo novos BP da época moderna?
Tentando
rememorar ou compreender tudo isto, juntei diversos fatos e não sei se eles são
peças importantes nesta mudança de comportamento. No passado, nos cursos de
formação, os dirigentes faziam questão de estar devidamente uniformizados,
exigindo dos alunos se postarem de maneira tal que seus jovens os seguiriam em
tudo que fizessem. Não se via nenhum deles mal uniformizados. As normas de
condutas eram levadas a sério e o que determinava o POR era sagrado. Sem
polemizar não acontece o mesmo hoje. Não importa qual uniforme. Em fotos se vê
diversos escotistas e até dirigentes que se pelo menos apresentassem com garbo
poderia até servir como um exemplo a ser seguido. Ver um IM trajado
inadequadamente na frente dos alunos ou dos jovens ficará marcado na memória e
nunca no futuro isto será contestado quando ele for dar exemplo em sua sessão
escoteira. Claro, será aceito como moderno.
De geração
em geração, as mudanças foram sendo implantadas e acreditando-se nas suas boas
intenções foram absorvidas sem nenhuma contestação. Aceitaram-se todas as
mudanças acreditando que seriam para melhor. Um Escotista ou dirigente com uma camiseta e
um lenço, short e de sandálias havaianas agora é um o exemplo a ser seguido.
Muitos defendiam e defendem tal tipo de apresentação pessoal. Moderno eles
dizem. Barato dizem outros. Mas acho graça, pois só jovens classe média estão
se uniformizando assim. O exemplo maior foi dado no Jamboree onde a maioria de
jovens com boas condições financeiras estarão presentes. Outro exemplo foi dado
de um Escotista, sem meias só de tênis branco, mas com uma bermuda azul, lenço
de Gilwell recebe em solenidade oficial uma condecoração por elevados serviços
prestados ao escotismo. Errado isto? Para a nova geração não. Estão aprendendo
assim.
Quando se
conversa sobre tradições, existem diversas ramificações que não dão de maneira
nenhuma um caminho para se chegar a um consenso. Afinal o que é uma tradição
para alguém que não a viveu, não teve quem lhe passasse os seus valores de uma
organização tão importante como a nossa? Alguns definem que a tradição é tudo
aquilo que foi incorporado ao estilo de vida de um grupo especifico e que foi
mantido e repetido através dos tempos conferindo-lhe um aspecto cultural. Claro
para manter precisa-se de um conjunto de hábitos e tendências, pois sem isto se
perde o equilíbrio das forças que lhe deram origens. Quando um Chefe Escoteiro
ou uma Chefe de Lobinhos novatos aprendem que se faz assim, ela ou ele
desconhece o passado e aceita normalmente o que lhe foi transmitido. Estão
começando agora.
Quando
comento sobre atividades aventureiras, grandes jornadas, acampamentos e
reuniões dentro dos padrões ensinados em Gilwell Park, monitores bem
adestrados, diversos escotistas me contradizem dizendo que tudo isto está no
novo programa e me dão explicações que não condizem com a realidade. A sua
maneira acham e prosseguem acreditando que o escotismo hoje caminha para a
modernidade, que nossos dirigentes fazem grandes pesquisas e tudo que é
alterado é feito de maneira a dar maior grandiosidade ao movimento, pois a
ideia geral é que no passado tudo isto estava estagnado e precisava ser
modificado. Interessante. A atividade de campo que mais vejo é de jogar os
jovens na lama, em luta de scalps ou brincadeiras divertidas. Ou então um
comando Crow feito sem muita aventura, com uma fila enorme esperando sua vez.
Isto é que é modernidade? Bem muitos jovens sempre dizem que adoram isto. E se
dessem o verdadeiro escotismo para eles?
Procurem
achar fotos ou artigos sobre atividades escoteiras ao ar livre. Acampamentos,
jornadas, excursões, ou mesmo atividades aventureiras. Difícil. As fotos que
vejo são de promessas, chefes em cursos, encontros nacionais e assim por
diante. De vez em quando aparece uma ou outra, mas em menor número. Quando se
fala em tradição todos em pensamento pensam sempre no uniforme Escoteiro. Mas
não é somente ele o importante. Mudamos muito desde que veio para o Brasil.
(alguém sabe quem trouxe o escotismo para o Brasil? Os nomes? Como tudo
começou?) No novo programa para jovens ali se comenta muito sobre o passado,
sobre o que cada um deve saber, e assim a nova geração vai assimilando,
aprendendo o que está escrito e o que seria importante para manter um pouco das
tradições vão sendo delegadas ao segundo plano.
Como discutir
o passado e o presente para quem não vivenciou ou tem conhecimentos concretos
do que foi? Lembro e não esqueço que até a vinda das moças ao movimento, era
comum encontrar na maioria dos grupos, tropas com quatro patrulhas, com seis ou
sete membros cada uma e a maioria postando duas ou três estrelas de atividade
(de metal, as mais lindas). Sempre em cada Patrulha três ou quatro segundas
classes e um ou dois primeiras classes. Nas alcateias o mesmo acontecia.
Matilhas em número de quatro, completas, a maioria com as estrelas de
atividades, muitos primeira estrela um grande número de segundas estrelas. E
hoje? Mudaram tudo. Para melhor dizem. Vieram as moças. Sou totalmente a favor.
Mas o que houve? Misturaram tudo e agora o que se vê é duas ou três matilhas
mistas, duas ou três patrulhas mistas e assim por diante. Onde foi parar os
rapazes que saíram? Porque saíram? O que houve? Não era para ter aumentado as
tropas e alcateias por grupos com o advindo da coeducação? Porque esta média
anual de membros por grupo se mantem?
Porque não
mantiveram o que era um orgulho para os jovens, tais como as estrelas de metal,
a segunda e primeira classe as eficiências Sênior e claro sem considerar a
segunda e primeira estrela? Se o programa estava ultrapassado era só adaptar ao
existente sem mudar as etapas de classe. Claro, são unânimes em dizer que eles
não querem mais isto. Quem disse? Quem pesquisou? Seria capaz de apostar que se
dessem oportunidade aos jovens de vivenciarem um pouco do passado se
esqueceriam do presente. Perdemos milhares de jovens. Os meninos estão
abandonando o escotismo mais rápido que as meninas. Elas se sobressaem mais. Por
quê? Não quero entrar agora nesta polemica, mas o Sistema de Patrulhas se torna
difícil quando as patrulhas são mistas. Um dia entro nesta seara. Mas existem
outros motivos para o abandono. Poderia enumerar aqui, mas fica para outro
artigo.
Um amigo
escreveu um dia em uma discussão sobre uniformização que salvo ocasiões
especiais, todos os trajes e uniformes foram mudados unilateralmente pela
direção, sem opinião daqueles que o usariam: Jovens e adultos. Continua ele –
Se de verdade o escotismo pretende formar cidadãos, deveríamos começar
ensinando jovens a lutarem por uma democracia, a terem visão crítica e a não
serem mera massa de manobra. Diz ele que discutir cores e modelos a essa altura
do campeonato é não querer enxergar a manobra não muito honesta dessas decisões
que tem visto nestes últimos anos, que pecam pela falta de transparência e por
ir dentro ao que entendemos por escotismo. Declino-me a dizer seu nome, pois
sei que ser oposição no escotismo no Brasil não é saudável. Amigos que
terminaram a IM não recebem e alguns as condecorações que tinham direito idem e
em alguns estados são admoestados e com ameaças de julgamento em uma Comissão
de Ética. Risos. Casos isolados, mas existem.
Dificilmente
teremos uma geração que irá lembrar-se do passado. Não vivenciaram, não foram
informados e a maneira disciplinar dos nossos dirigentes é informativa,
objetiva e ditatorial. Sem direito a réplicas. Dizer que temos órgãos onde
podemos nos dirigir quem conhece sabe que é uma utopia. Dizia Albert Einstein
que além das aptidões e das qualidades herdadas, é a tradição que faz de nós
aquilo que somos. E eu, até quando não sofrerei admoestações por não concordar
com tudo? Não sei e não me importa. Minha luta é que o escotismo cresça, dentro
das fileiras da UEB, pois não vou procurar outra organização.
Muitos que me leem
não irão concordar. Fazem parte da nova geração. Um direito. BP dizia que
devemos enxergar além da ponta do nariz e penso que muitos deveriam pelo menos
se perguntar: - Este é o caminho? 70.000 mil na década de 80 e o mesmo hoje?
Jovens entrando e saindo sem pelo menos ficar um ano em atividade. Será isto
que queremos?
Não se mede o valor de um homem pelas
suas roupas ou pelos bens que possui, o verdadeiro valor do homem é o seu
caráter, suas ideias e a nobreza dos seus ideais.