Êste é um artigo do blog http://chefeosvaldo.blogspot.com que contam historias de um Velho Escoteiro. Republiquei aqui devido ao tema que pode interessar a muitos leitores deste blog.
“Às vezes pensamos que os defeitos atrapalham, mas na verdade eles ajudam a crescer”.
Não sei por que, mas eu gosto de domingos. Diz a minha esposa
que é para conversar e filar a “boia” na casa do "Velho" Escoteiro.
Pode ser. Mas é o dia que levanto tarde, viro o relógio ao contrário, e durmo a
mais não poder. Disse o nosso fundador que quem dorme pouco vive mais. Prefiro
viver menos. Risos. Mas quem como eu cedo madruga de segunda a sábado merece. Afinal
depois de dormir tanto, tomar um belo café e ir para a casa do
"Velho" onde a Vovó se esmera em um esplendido almoço? E depois ir
para a “sala grande” sentar no meu banquinho de três pés e tirar um belo
cochilo ao som de Wendell, Chopin, e tantos outros que me deliciam nestas
lindas tardes que passo com o "Velho". E depois não vai faltar meu
aprendizado Escoteiro. Pena que muitos não têm esta possibilidade de aprender
com aqueles que têm experiência. E olhem, conheço vários que não dão o menor
valor.
“Às vezes pensamos que os defeitos atrapalham, mas na verdade eles ajudam a crescer”.
As saborosas dicas do "Velho" Chefe Escoteiro – Fasc.
73
Aquele domingo foi demais. A Vovó preparou um feijão tropeiro a
mineira de tirar o folego. Como comi meu Deus! E ainda arrisquei com uma
“gelada” no ponto. Lá estava eu depois do almoço a tirar meu cochilo e o
"Velho" sempre me surpreendendo. A música começou a jorrar de
mansinho e logo vi que era “A Fiandeira” de Villa-Lobos, ou melhor, Heitor
Villa-Lobos, o maior compositor brasileiro de todos os tempos. Ficou conhecido
por elevar o espírito nacionalista em suas
músicas mesclando elementos do folclore, de cantos populares e da cultura
indígena brasileira. Sempre foi envolvido com a música desde criança e com o
passar dos anos sua paixão só fez aumentar e a cada vez mais envolver seu país
em suas composições. Heitor levou a música Brasileira a ser conhecida e
admirada em diversas partes do mundo e é referência para todos aqueles que são
envolvidos com a música e suas sensações.
Minha alegria não durou muito. O
"Velho" e seu maldito “pigarro” (desde que parou de fumar seu
indefectível cachimbo tornou-se um vicio seu pigarro) logo me acordou e me
olhava como se eu fosse uma alma do outro mundo. – Como você ronca eim? Parece
um daqueles tratores da Caterpillar um D-8 ou um D-12 quebrando pedras. Tive
que rir com sua maneira de falar. Eu sabia que não roncava. Ficamos ali a
sorrir um para o outro. Eu porque tinha nele um amor como se fosse meu pai e
ele, e ele, bem ele eu não sei, mas acho que gostava muito de mim, pois afinal
era o único que o visitava e o fiz como um amigo. "Velho"! Perguntei.
Tenho notado que as ideias de programas para muitos de nós na tropa não estão
muito claras. Você tem algumas digas para que eu possa passar para os meus
amigos de tropa?
Ele fechou os olhos pequenos, azuis como o
fundo do mar (estou filosofando) e me disse – Dicas? Quem sabe tenho? Acho que
muitos estão esquecendo que o escotismo é feito no final de semana. Duas ou
três horas e acabou a reunião. Portanto é um movimento semanal. O intervalo de
uma semana a outra desanima a escoteirada. Aparecem na escola ou à noite com
seus amigos tantos programas que o nosso tem de se desdobrar para motivá-los. Existe
uma preocupação com o novo programa de etapas e junto uma parafernália que
aprendem nos cursos e que muitas vezes mais atrapalham que ajudam. Claro tem
muitos que por não terem vivencia Escoteira se perdem e ficam sem noção do que
programar. Sabe que se eu fosse "Chefe" Escoteiro hoje o que faria?
Tudo muito simples. Nada complicado. Primeiro trabalhar com os monitores.
Ninguém consegue nada sem eles. Teria uma dedicação exclusiva na formação deles
e com isto eu tenho certeza teria um bom sistema de patrulhas funcionando.
Primordial também é conhecer individualmente a cada membro da tropa.
Veja você, eu chegaria à sede e iriamos passar
uma tarde treinando o passo Escoteiro e o passo duplo. Acredito que todos sabem
o que é isto. Veja o orgulho do Escoteiro em saber que seu passo duplo é
perfeito. E porque não outra tarde e quem sabe um domingo inteiro no campo
treinando semáforas, Morse (tudo preparado antes com as patrulhas na semana) e
depois fazer uma competição de sinaleiros? Olhe quase não ficaria na sede.
Mesmo em um sábado iria para um local gostoso, e ali treinar pistas. Nada de
sinaizinhos de patas tenras. Você já procurou um local onde pudesse treinar e
seguir pegadas de animais ou não? Saber qual o peso e altura de quem passou por
ali? Quais os tipos diferenciados de pegadas? Ensinar como seguir uma pista
simples, com marcação “secreta” criada pela Patrulha onde só ela sabe seguir a
pista? Um local limpo, água para molhar o chão e programa resolvido.
Tem tantas coisas “gostosas” que se poderia
fazer que tenho certeza a escoteirada ia vibrar. Um bom jogo de cordas, subindo
e descendo, de uma árvore a outra, uma boa competição do “Caminho do Tarzan”. Quem
consegue assar uma batata doce em primeiro lugar (fazer fogo, e claro saber
como fazer brasas se não ela vai tostar e nunca vai assar) tudo isto através do
sistema de patrulhas? Está na hora de mudar, chega do tal pão do caçador. Todo
mundo faz e já cansou. Pensou em passar uma tarde inteira, até o escurecer,
tentando identificar os pássaros em um bosque, seu habitat, seu canto (sempre
se encontra um pai expert no assunto). E porque não pescar? Sabia que nenhum
Escoteiro deve ir para o campo sem ter um pequeno bornal na mochila com
pequenos apetrechos de pesca? Um cabo, (nylon), dois anzóis pequenos e medios,
uma chumbada pequena e pronto. Tudo acondicionado em uma latinha com tampa.
Comer lambaris fritos, uma delicia!
Que tal uma reunião exclusiva para aprender a
ler mapas, fazer um esboço de Gilwell? Aprender a identificar os pontos
cardeais, colaterais, subs-colaterais, azimute, graus e tudo feito por
patrulhas se possível com bussolas Silva ou Prismáticas? Dizem que a bússola Starter 123
da Silva é uma
excelente escolha aos iniciantes no universo da orientação, não sei. E a cada
sábado um novo programa simples, já pensou uma tarde inteira preparando uma
corrida de bigas com boas amarras paralelas, quadradas, tripés e porque não
muitas costuras de arremate? Todos fazendo simultaneamente por Patrulha?
"Velho"! Quantas ideias! Sabe que
nunca pensei assim? - O
"Velho" me olhou, piscou os olhos e disse – Porque hoje nos cursos se
preocupam com um programa fixo, dizendo ser moderno mais adequado ao método
educacional, sem aberturas ou se existem não ensinam como atingir a motivação
da escoteirada. Da um sono enorme os programas de hoje. Tudo na base da Sigla –
BOICJ – Risos, não sabe? É o inicio dos programas – Bandeira, oração, inspeção,
chamada e jogo. Eu chamo de “boicote a bons programas” E depois? Lá vem um
adestramento, uma palestra, um jogo novamente, quem sabe uma canção e lá está o
pobre do "Chefe" Escoteiro a esticar o braço, fazendo sinais e a
escoteirada bocejando, olhando para os lados e pensando – O que estou fazendo aqui?
E todos ficam torcendo para aquilo terminar e voltarem para suas casas, pois lá
eles podem inventar e aqui não. Aqui ninguém os consulta o que querem o que
está ruim, como melhorar.
- O "Velho" continuou – Mas porque
não cantar? Quem sabe uma competição inter-patrulhas da melhor canção Escoteira
interpretada e claro de uma maneira agradável aos ouvidos? Outra com cada
Patrulha criando uma nova canção. E escolher a melhor com um júri formado pelos
próprios escoteiros? Olhe, tem tantas coisas que você pode fazer para motivar,
dando um escotismo mais técnico mesmo que você não conheça as técnicas
escoteiras. Já disse uma vez que a melhor maneira de aprender é junto aos
monitores e afinal quantos estão fazendo isto? Quantos estão reunindo em dias
alternados, fazendo excursões, acampamentos com seus monitores e subs? Garanto
que os que assim fazem não têm problemas de escoteiros desanimados. Reuniões
nos padrões hoje, com esta crença de que os tempos são outros, que agora a
internet rouba os meninos das reuniões, para mim é balela. Agora perguntar a
ele sua preferencia não adianta. Se ele não vivenciou o passado como escolher?
- Chame seus assistentes, diga que vai mudar,
não espalhe aos quatro ventos o que vai fazer. Faça. Olhe nos olhos dos
escoteiros e depois diga para você mesmo se valeu a pena mudar. Passe uma
reunião inteira com eles a afiar uma ferramenta, olear, manter e acondicionar
sem perigos de acidentes. Ensinar a dobrar uma barraca, ensinar a manter uma
intendência de Patrulha dentro dos padrões, e até dizer, quem quer ser o
Escriba da Patrulha? O Cozinheiro? O Aguadeiro? O Enfermeiro? O Intendente? O
Faz tudo? Não ria, é verdade, poucas tropas tem nas patrulhas a divisão de
trabalho. É tão bom ver o sorriso de uma jovem ou de um jovem Escoteiro quando
vê que o programa mudou. Que agora eles vão sair mais para o campo, que não vão
ficar presos naquela rotina de sede. Você já levou seus escoteiros a noite,
para um local descampado, onde não existem casas, levou algumas lonas, deitaram
na relva sobre elas e você e seus monitores a olharem para o céu e identificar
as estrelas? As constelações? Por acaso não seria interessante ir toda a tropa
uma tarde ao cinema? Assistir um filme que eles escolheram? Passear no shopping
com todos eles? Meu Deus! Que marketing você iria alcançar para seu grupo. Claro
uma preparação é importante. Já dizia BP que devemos sair de nossa rotina para
alargar nossa mente. Saia mesmo da rotina que faz hoje.
- Portanto meu amigo esqueça as duas ou três
horas que vai passar com eles. Elas não são nada. Se você não aproveitar agora
não adianta reclamar que os jovens estão desanimados, que estão desistindo.
Faça programas com atrativos. Existem centenas. Esqueça aquele programa que é
repetitivo em toda reunião. Inverta os valores, inverta a sequencia. Nosso
fundador já dizia que nosso método é fazer acontecer ao ar livre. Saia desta
rotina. Não existem cidades no Brasil onde não se pode fazer um bom escotismo
no campo. Olhe, ouve uma época que tirávamos um domingo por mês, eu e alguns
assistentes, íamos passear em estradas secundárias, a pé ou de automóvel a
procura de bons locais de acampamento. Pergunta aqui, ali, fazendo amizades e
sempre descobrimos belos locais que até hoje estão marcados na memória. E os
Pais? Fale com eles, darão excelentes sugestões.
Mas é preciso saber manter estes locais.
Respeitar normas, deixar sempre limpo, agradar ao caseiro ou o vigilante,
mandar sempre uma cartinha ao proprietário agradecendo. Se um dia ele estiver
lá no campo, convidar a tropa para ovacioná-lo, entregar a ele o lenço do grupo
(esqueça essa de promessa, ele nem sabe o que é isto) diga umas palavras de
agradecimento e pronto, o local para acampar será eterno. E não esqueça, no
final do acampamento todo alimento que sobrou, vai para o caseiro, ou para
alguém humilde que resida lá.
Ponha a “cuca” para funcionar. Existem vários
temas deliciosos que sei os escoteiros irão adorar. O que fazer com o Lenço
Escoteiro? O que fazer com o Bastão Escoteiro? Quantas tipoias fazem de olhos
vendados? A Patrulha é capaz de fazer uma maca com os olhos vendados e levar
alguém dá Patrulha até um local determinado? E o jogo do Kim? Tantas variações
que não pode ser esquecido. Muitos dizem que não vale a pena, mas seus
escoteiros sabem usar a faca Escoteira? O facão? A machadinha? Sabem usar o
serrote? Já fizeram talas? Sabem fazer com maestria fossas de líquidos e
detritos com tampa? Automática? Risos. Sabem
sentir o vento, de onde vem e para onde vai? Tentar se aproximar ao máximo de
um animal sem ser percebido? Qual seu recorde? O meu é três metros com um
quati. Já treinou com eles vestir o uniforme em quarenta e cinco segundos?
- Meu amigo continuou o "Velho" –
Programas bons existem aos montões. Quer mais um? Uma tarde em local
apropriado, deixar que individualmente cada um faça um fogo, que deve durar
mais de vinte minutos sem alimentação e acender com um só palito de fósforo. E
quem sabe, aqueles que conseguirem serem batizados com nomes indígenas
escolhidos por eles mesmos? Saltando a fogueira três vezes e gritando seu nome
de Guerra? Perca uma tarde deixando que cada um faça uma armadilha para pegar
animais ou pássaros, claro explicar que isto só em ocasiões especiais. E não se
esqueça de um bom adestramento de orientação pelo sol, pela lua, pelas estrelas,
pelas árvores e se puder fique até a noite e mostre a posição das constelações,
como elas podem ajudar a achar o rumo correto. Mas lembre-se nada de ficar
falando, falando e falando. Seus monitores devem ser preparados e são eles que
adestram suas patrulhas.
Fiquei ali a imaginar quantos programas assim
eu faria. Quantos desdobramentos. Que reuniões formidáveis seriam. Já imaginava
uma excursão a pé, um acampamento volante, uma aventura através de um grande
jogo, e olhem, quantas Cartas Prego poderiam ser feitas? – Vi que o
"Velho" me encarava como a dizer, faça, não mande fazer. Não
pergunte, chame seus assistentes, discuta com eles como fazer e olhe irão
aparecer um ou outro que por não saberem ou ainda não vivenciarem tais técnicas
poderão discordar. Mas seja firme.
Afinal você está perdendo muito dos seus jovens e não se iluda hoje em dia se
fala muito sobre programas, mas bons programas estão escassos. Os programas
onde se desenvolve técnicas escoteiras sempre foram os melhores. Horários são
importantes, mas tem programas que eles não devem existir, a não ser para o
inicio e o final. O meio meu amigo eles que decidem. Tem coisas que são tão
fáceis de realizar, arvorar uma bandeira no campo, uma oração e vamos jogar,
vamos brincar, vamos aprender, vamos dar motivação e esquecer as velhas
reuniões de tropa onde o bocejo fazia parte e agora não vai existir mais.
O "Velho" calou. Aumentou o volume de
sua velha vitrola e os sons de Villa-Lobos tocando “Num Berço Encantado” encheu
meus ouvidos de uma melodiosa música que só faz encher de alegria os corações
famintos como o meu por uma melodia deliciosa. Fechei os olhos e deixei que Villa-Lobos
me guiasse nas sendas de um grande programa escoteiro. Vamos reverenciar ao
grande compositor que se destacou por ter sido o principal responsável pela
descoberta de uma linguagem peculiarmente brasileira em musica.
Agora eu sei o que vou fazer. Jurei a mim mesmo
que a luta para manter a chama de alegria, motivação de todos os patrulheiros
na tropa escoteira seriam ponto de honra. Não sei por que, mas achei que mesmo
com os olhos fechados o "Velho" sorria!