Prefácio.
Fernando Robleno é um estudioso Escoteiro. Escreve
para seu blog “Café Mateiro” de uma maneira simples e objetiva. Fernando
Robleno escreve maravilhosamente sem dar conotação apaixonada nos seus escritos
bem diferente como eu sou. Não o conheço pessoalmente. Virtual sim. O chamo de
jovem, mas deve ter mais de trinta anos (risos). Tem morada no sul. Precisamente
em Joinville. É um aficionado em internet. Meu professor quando preciso de
ajuda. Seus artigos tem uma característica básica. Atinge os objetivos que se
propõe. Um deles estou publicando aqui. Que os meus leitores tentem assimilar
este emérito articulista Escoteiro. Divirtam-se.
. Essa temida tradição
escoteira.
Nas eleições deste ano (2012), fui votar no colégio
municipal onde estudei quando criança. Permiti-me passear pelo bairro onde
cresci. Foi pitoresco, quase surreal, ver crianças empinando pipa, jogando bola
na rua e trocando figurinhas na calçada. Até porque é um bairro de periferia e
imagino que não são todos os que têm um computador ou um videogame como opções
de ócio. O escotismo aqui, lembremos, é de inclusão, ou seja, contempla os do “Playstation”
e os da “pipa”.
Se a questão da tradição escoteira girasse ao redor
da substituição de uma bússola por um GPS, ou de um Atari por um Wii, ou de uma
pipa por um aeromodelo, quão fácil ficaria o diálogo neste ou em qualquer outro
blog. Bastaria estar por dentro das novas tecnologias e pronto. Mas não se
trata somente disso.
Pessoalmente, não assimilo a questão da tradição
escoteira. Não sei quando ela começou. Seria
aquela que vivi no final dos nos 80 como membro juvenil? Ou aquela, para os
mais entrados em idade, vivida na década de 60? Não sei, ademais, se ela
deveria existir, já que a escravidão, por exemplo, foi uma tradição neste país.
Não entremos no mérito da “tradição de
Baden-Powell”, já que é digna de uma tese, sendo separada por fragmentos a
começar pelo próprio Escotismo para Rapazes, o qual sofreu atualizações das
mãos do próprio fundador até pouco antes de sua morte; mas há, ainda, os que
insistem em que a primeira edição pensada para uma Inglaterra colonialista é a
que vale.
Cabe ao povo, e somente a ele, decidir quando uma
tradição acaba e quando ela começa. E não uma junta diretiva ou uma comissão.
Não adiantará assinar leis estabelecendo uma tradição ou decretando seu fim se
o povo não a aceitar. Não sendo assim, cedo ou tarde, ela acaba minguando e
caindo no esquecimento, provando que não passou de uma moda passageira, longe
do que entendemos por tradição. O próprio escotismo é prova disso: se é uma
tradição encontrar escoteiros na rua aos sábados, é porque de 1907 pra frente o
povo aderiu à ideia.
Para ilustrar o pensamento, a bandeira do Mercosul deveria ser hasteada, por lei (sequer é uma tradição), em todos os estabelecimentos públicos oficiais. Quantos de nós já vimos uma bandeira do Mercosul?
E não há meio de afrontar uma tradição sem deixar
feridos pelo caminho. E esses feridos podem ser os que mais precisamos num
movimento em queda livre, já que trazem na bagagem as rugas de alegria em
relação ao que deu certo, e as cicatrizes daquilo que não vingou.
Traslademos o pensamento à associação escoteira. Uma
instituição que não aposta na própria imagem e no que ela representou e
representa há décadas, não poderá mostrar seriedade ou firmeza naquilo que crê
ou faz. Um desenho que sempre estampou aqueles uniformes levados com galhardia,
livros publicados na década de 60 (período mais fértil da literatura escoteira),
se é apagado de nossa história da noite para o dia por uma comissão sem que
haja uma justificativa de impacto à margem da démodé “são os jovens”, não
somente mostrará que a associação não acredita em sua imagem, mas que sente
dificuldade em valorizar aquilo que fez dela o que é hoje - “um país que não
conhece sua história, tende a cometer os mesmos erros no futuro”.
E se por uma questão de moda se tratasse, ela, a
moda, é tão passageira como o passar das estações. Não podemos afirmar o mesmo
no que se refere à tradição, que se perpetua com o passar dos tempos, é aceita
e mantida pelo povo: ela fala por si e não há necessidade de vendê-la, sequer
enfeitá-la.
Não se trata de mudanças somente de imagens, ou de
roupas, ou de modas, ou de gadgets. É que a própria instituição se resiste às
mudanças. E por uma dessas ironias que nos cruzam o caminho, nos mostra essa
resistência justamente porque ela, a instituição, não quer mudar sua forma de
governar, sua “tradição” política, mesmo que seja para um bem comum e mesmo que
os associados a reivindiquem.
Com o artifício da internet, o povo desfruta de
portais de transparência, mas parece que o escotismo não precisa disso.
Enquanto o voto direto representa uma democracia, nós não o temos. Enquanto a
participação dos associados, o patrimônio máximo de uma associação, é levada em
boa conta em qualquer segmento, no escotismo se faz a engenharia inversa.
Há aqueles com o discurso na ponta da língua: “mas o
foco é o jovem”. Lembremos que são 12 mil adultos os que mantêm essas crianças
interessadas em escotismo. A
modernização que traz resultados, como se vê lá fora, é justamente essa: a de
se saber dar o devido valor ao adulto - a meritocracia. Mas nossos sites, longe
de se atualizarem, preferem apenas gastar umas poucas linhas ao voluntariado.
No meu tempo era melhor? Lembro-me de minha
infância com carinho, mas não me atrevo a equipará-la a outra infância ou adjetivá-la
de “a melhor”.
Hoje é melhor? Para os jovens que vivem esse tempo, sim.
Mas para os adultos, que são os alicerces do
movimento escoteiro, talvez seja um fardo demasiado grande que carregam a favor
de crianças, porque a associação contribui para tanto. O escotista, o adulto,
quer atuar onde a meritocracia funcione; quer ser ouvido, quer estar onde possa
apertar a mão de um comissário distrital; ter uma conversa ao pé do fogo com
algum dirigente nacional; receber uma carta lhe congratulando. A associação, ao
contrário, se distancia cada vez mais do seu maior patrimônio, daquele que
defende o nome da causa escoteira esteja lá onde estiver: o adulto, o “chefe”.
Não sei se será outra quimera, mas acredito
piamente que o escotismo brilha mais por inciativas isoladas destes adultos do
que associativamente falando.
O movimento escoteiro no Brasil não perde jovens
para a internet ou para videogames. Os perde para ele mesmo. Passamos de um
movimento que oferecia algo único, praticamente competindo sozinho, a um
movimento que oferece o mesmo que outros, apenas com outra roupagem. A premissa
da “escola de cidadania” não passará de um mantra se não nos fazemos ver e, por
conseguinte, não sermos lembrados.
Além das aptidões e das qualidades herdadas, é a tradição que faz de nós
aquilo que somos.