Conversa ao
pé do fogo.
O passado não
tem valor?
Tenho visto nas andanças e
leituras que faço uma forte corrente a discutir sobre o escotismo moderno. Claro
que não se começou hoje, pois há tempos os defensores desta ideia vêm fazendo
mudanças em toda a estrutura escoteira. Dizem que isto faz parte de todas as
escolas em todas as áreas e não se atualizar é ficar parado no tempo, dizem
eles. Acredito que não estão errados. Não podemos ficar sem nos atualizar. Elas
são necessárias e fazem parte do nosso crescimento. Já mudaram algumas vezes o
programa escoteiro, mudaram o uniforme, alguns símbolos foram mudados e devem
vir por aí outras mudanças. Para os novos tudo bem para os antigos a
descaracterização.
Alguém um dia me interpelou
sobre isto. Respondi que não discordava de atualizações desde que feitas sem
tirar o mérito da formação do passado. Interessante que a maioria que sugere ou
comenta estas mudanças não participaram do escotismo do passado. Combatem pelo
que ouviram falar. Agora eles dizem que uma discussão sadia deveria existir e
até alguns dizem que os jovens devem participar desta discussão. Claro, isto é
importante, mas o jovem viveu escotismo do passado? Deram a ele oportunidade de
viver o sistema de patrulhas em seu apogeu? Ele viveu uma época de aprender a
fazer fazendo, pois a chefia dava ampla liberdade? E os resultados foram
motivos de indagação na sociedade local?
Não discuto a modernidade.
Discuto estas alterações e mudanças feitas sem nenhuma experiência válida para
dizer – Vamos mudar! Soube que nos EEUU há tempos atrás a Boy Scout discutiu
certas mudanças na vida da tropa. Para que ela se realizasse precisavam ver
como seria o resultado final. Um profissional foi contratado e durante dez anos
colocou em prática as mudanças em uma tropa. Porque dez anos? Porque precisavam
ver os resultados quando o jovem participante atingisse a idade adulta.
Infelizmente não é assim que fazem os nossos dirigentes. Planejam, discutem
entre si e põe em pratica para então ver os resultados. Se deu certo ótimo se
não deu muda-se de novo.
Os associados em todas as
suas categorias não tem mais condição de pensar. Os adultos pensam por eles. Ou
então fazem consultas com poucos sem dar a eles condições de análise do que era
e o que vai ser. Contar histórias do passado não vale. Cada um tem uma maneira
de contar para que os ouvintes interpretem a sua maneira e concordem. Eu tenho
duvidas se o jovem soubesse como foi vivendo por um tempo o que era e comparar
com novas ideias ou quem sabe ele mesmo sugerir. Foi uma época sui-gêneris. Um
escotismo de desafio. Onde ele teria que aceitar situações aventureiras para
vencer. Tentar sempre até ver onde acertar. Uma segunda e primeira estrela
nunca poderia ser retirada. Dizer ao lobo que ele teria que crescer, pois ao entrar
era um pata-tenra sem rumo e isto seria o começo. Ele teria que aprender a ser
um lobo de verdade. Conquistando sua primeira e sua segunda estrela para então
almejar seu cruzeiro do sul.
Acabar cum uma segunda
e primeira classe? Nunca. Alterar os desafios das provas de acordo com os dias
atuais sim. Os seniores ainda teriam suas eficiências. Ah! Mas me dizem que
isto existe. Existe? Hoje você olha para um jovem escoteiro e escoteira e não
sabe em que pé está seu crescimento escoteiro. Assusta-me alguém pedir ajuda na
internet sobre especialidades, cordões e até nome de patrulha, grito etc. E os
demais? Mudanças são válidas, mas cada uma tem de ser bem analisada, discussão
ampla e dar tempo ao tempo.
Na década de 80 participei
de uma comissão junto as Bandeirantes do Brasil visando uma unificação honesta
e sadia visando à coeducação. Elas sempre desconfiando de nós. Durante quatro
meses fizemos reuniões quinzenais. Sem menos esperar elas se afastaram dando
como terminado os trabalhos. Uma semana depois vários grupos foram autorizados
a terem o elemento feminino. Ficamos nós da comissão com “cara de tacho”, pois
nem nos perguntaram nada. Começava aí a coeducação tão apregoada hoje. Antes só
tropas e alcateias separadas por sexo e únicas. Em menos de um ano foi aprovado
mista para lobos e mais um ano todos eram mistos. Experiências? Nunca foram
feitas. Os dirigentes nunca perguntaram. Avançamos na modernidade, coisa que
até hoje na maioria das casas dos jovens os filhos de sexos diferentes ainda
não tem a liberdade que encontram no escotismo.
Tenho ouvido relatos
de situações incríveis nas tropas escoteiras, sêniores e guias e os pioneiros
me assustam mais ainda. Mudar sim, mas mudar com o pé no chão é melhor. Não é o
que fazem. São poucos os jovens que passaram pelo escotismo e hoje na vida
adulta comentam das vantagens da formação escoteira. Não temos respaldo na
sociedade e nem nos meios educacionais. Somos vistos com brincadeiras de
criança e em alguns casos nos consideram atrasados e ineficázes. Não sei
realmente onde vamos parar. Aquele escotismo de aventuras, de descobertas, do
amor dos membros de uma patrulha, de saber que ser escoteiro era ser um irmão e
amigo de todos, do respeito aos escoteiros, aos mais velhos, tantas coisas que
uma página só não daria para escrever tudo.
A corrente do
modernismo corre contra o tempo. Ela persegue o esquecimento dos antigos e
busca nos novos o apoio irrestrito que precisa. É um jogo sem volta. Tantas
coisas acontecendo e tantos esquecendo que muitas coisas do passado não eram de
todo ruim. Não teremos mais orgulho de uma saudação escoteira no cerimonial? Claro
dirão. Teremos sim. Mas sem perder os amigos da patrulha que se vão? Claro meu
caro, estamos mudando para isto. Mudando? Passado que se foi. Patrulhas que
ficavam juntas por anos e anos. Mudanças que vieram para jogar por terra uma
época que valeu mesmo a pena ser escoteiro.