Crônica de um
Administrador de Fazenda.
Zezé da
Maria, um amigo que nunca esqueci.
Prólogo: - Tentando
manter a rotina já que minhas pernas não querem mais me obedecer, sentei com a
Célia em um banco no Centro Esportivo onde costumo quando posso fazer minhas
caminhadas. Uma brisa gostosa soprou e me lembrei da Fazenda onde por vários
anos fui administrador. Célia sorrindo falou: Marido lembra-se do Seu
Manezinho? Hã lembranças, quantas lembranças...
Muitos o chamavam de Seu Manezinho,
mas ele me disse que era Zezé da Maria. Da Maria porque era sua mulher. A roça
é assim. Tonhão? Da Santinha. Adelaide? Do Zózimo vaqueiro. Totonho Vaqueiro?
Da Linda de Rio Feliz. Apelido mesmo quase nenhum. Lá eles não gostam disto
claro salvo um ou outro como o Bastião Cocar. O danado não queria trabalhar e
só vivia atrás de pássaros e bichos para comer. Um preguiçoso. Muitas vezes o
chamei para uma empreitada e ele dizia – “Bigado” Sô Osvardo hoje vou comer um “Cocar”
(Galinha da Angola selvagem). Esta semana num dá!
Zezé da Maria
não era assim. Um trabalhador. De sol a sol. Idade indefinida Antônio Vaqueiro
da Neném me disse que tinha mais de noventa. Uma parte da cerca da Larguinha caiu
com as chuvas. Mais de trezentos metros. Ele aceitou a empreitada. - Seu Zezé,
melhor chamar mais um. Não vai ser fácil. Ele me olhou de soslaio, cuspiu um
naco de fumo no chão me deu as costas e se foi. Sinal que o ofendi. De manhã lá
estava trabalhando. Em cinco dias terminou. Paguei com gosto.
Fiquei mais de cinco anos como gerente
de uma fazenda de cria recria e engorda. Quase dez mil cabeças de gado. Uma
vida maravilhosa. Para mim um oásis de felicidades. Como aprendi ali com os
moradores do local. Gente pobre, sem estudo, mas cada um com coração de ouro. E
meus filhos? Para eles nunca ouve nada igual. A gente podia confiar. Dona Maria
me contava muitas coisas de Zezé da Maria sempre pitando seu cigarrinho de
palha. Lembro quando Sarduá um vaqueiro que admiti e por sinal ninguém queria
bebeu tudo que tinha direito. Avisaram-me que ele estava correndo atrás da
mulher do Coluna, meeiro do Seu Gerardo Véio.
- Bêbado que nem
uma égua gritava pela mulher do Coluna. Em quinze minutos a C-10 me levou até
lá. Coluna desmaiado sangrava. Sarduá vermelho gritava que queria a mulher do
Coluna. Zezé da Maria estava de braços abertos, dizendo – Se entrar na casa do
Coluna te quebro no meio! Desci do carro correndo. – Carma seu Osvardo se
Sarduá passar daqui é um homi morto. Zezé da Maria tinha mais de noventa anos. Seus
braços e pernas todos marcados de mordidas de cobras e escorpião. Ele ria
quando contava. Pegava Cascavel com a mão, segurava no rabo e girava sobre a
cabeça. A cobra era jogada tonta em um tronco de árvore e quase não conseguia
rastejar.
- Fiquei lá cinco anos. E o Sarduá?
Caiu de bêbado e o mandei embora. Seu Manezinho adorava cuidar do jardim e da
horta da Celia. Era bamba para matar um capado. Sabia destrinchar e fazia
linguiças que até hoje nunca vi igual. Eu levantava as cinco da matina para ir
trabalhar com a vacada parida na Curralama um e revezava na semana na dois três
e quatro. Ele de enxada na mão já estava trabalhando. Precisavam ver o jardim
da Célia. E a horta? Cada mamão que nem vou contar. Goiabas enormes, pé de
couve com mais de quarenta centímetros. Risos. Tomates que pareciam laranja
Bahia. Melhor parar, vão achar que estou blefando. Nunca o vi doente. Nunca nem
a Dona Maria. Em qualquer hora do dia lá estava ele com uma enxada na mão.
Nunca o vi reclamar, dizer qualquer coisa que pudesse ofender alguém.
- Seu Manezinho
era um homem simples, honesto, trabalhador costumava ficar sentado na varanda
da minha casa, e contava histórias e histórias e o tempo custava a passar. Eu
adorava. Prestava uma atenção enorme. Muitas vezes eu e Celia levávamos os
filhos dormindo para seus quartos e voltávamos para ouvir mais. Todos gostavam
dele. Quando fui embora da fazenda e ele que nunca vi chorar, pela primeira vez
deixou uma lágrima correr quando disse adeus. Não disse nada.
- Na porteira
da fazenda lá estavam os amigos que fiz alguns chorando e outros acenando.
Danada de saudade que eu sinto até hoje. Nunca mais vi Zezé da Maria. Um dia um
amigo de Pirapora, aquela que é dona do Velho Chico, me escreveu contando as
novidades. – Seu Zezé da Maria morreu. Dona Maria também. Os dois foram
encontrados abraçados no barraco onde moravam. Barraco? Uma tapera de barro
coberta com folha de coqueiro.
- Hoje não sei por que
me lembrei dele. Lembrei-me da fazenda. Tempos bons. Um dos melhores da minha
vida. Tantas histórias eu vivi. Melhor é voltar para o computador, afinal ainda
tenho muitas histórias para contar! Rs, rs, rs.