Crônicas
de um Velho Chefe Escoteiro.
Mais
um domingo em minha vida.
Toca uma
melodia em minha vitrola... Parece indígena uma espécie de saudação a Manitu ou
um Deus das tribos de índios qualquer. Gosto... Parei para ouvir... Deve ser
uma melodia dos índios Wuauquikuna... Admiro os índios, não importa o país, todos
têm lindas histórias para contar. Desci de jangada o Rio Doce várias vezes
depois de Derribadinha até o Alto Crenaque para visitar uma tribo. Fiz amizades
com os botocudos. Mesmo na dificuldade havia um cantinho para dormir e comer. Kauê,
Ubiratan, Ubirajara, Kaiowa e tantos mais ficaram no meu coração. Há não ser no
alto amazonas não temos mais guerreiros das nações indígenas que habitaram no
Brasil.
Hoje é domingo...
Fecho os olhos em busca do passado. Muitas de minhas lembranças se perderam no
tempo. Tento recordar meus amigos da Patrulha Lobo, da minha Matilha Marrom,
dos Tigres Seniores e até mesmo dos pioneiros e só ficaram os rostos do Rael Fumanchu
Darcy e Lobato. Voltei à agulha da vitrola, queria ouvir de novo a Musica
Indígena... Fechei os olhos e parecia estar lá, em um vale qualquer das Matas
de Crenaque da minha imaginação. A tribo dançando naquele lusco fusco da noite
me hipnotiza. Transporto-me, agora sou somente sonho e nada mais...
Ah natureza!
Florestas exuberantes, rios caudalosos, fauna e floras... Maravilhoso! Os
índios com seus mistérios e misticismo se transportam nos seus rituais e crenças...
Dança e musica se confundem. Volto ao presente, hoje só eu e Célia, olho para
ela, ela olha para mim. Nossos olhares se confundem. O que ela está pensando? E
eu o que penso para ela? Fecho os olhos, vejo-me em uma trilha como se fosse um
jovem índio adolescente voltando da caçada.
Piso devagar
no capim gordura que nos rodeia, sorvo os perfumes da floresta adiante, trilho
veredas familiares conhecidas. Nas costas carrego um trançado de folhas verdes
de paxiúba, preso à cabeça por uma faixa de embira, meu trunfo de dois mutuns.
Minhas mãos estão livres para tocar minha flauta de bambu, o kutirap. As
lembranças da minha amada ainda mocinha com seus cabelos longos às vezes de
trança me vem à lembrança. A melodia ecoa pelo verde da floresta, as notas e
sons correspondem o meu amor por ela...
Os olhos
cemi-serrados... Olhos nos olhos dela... Os pensamentos vão e vem. Um dia
iremos nos separar para de novo nos reencontrar quem sabe em um cantinho do céu.
Na minha trilha da floresta que amo, ela sabe que o canto da minha flauta lhe é
destinado. Uma pequenina flauta diferente das flautas grossas de seres do além,
os Guyanei! Ela agora uma menina indígena corre para pegar seus arquinhos Iridinam,
como se fosse pequenos violinos de uma corda só...
Os sons mudam
quando ela mexe nas cordas com os dedos. Tento acompanhar com minha flauta...
Na tribo todos sabem que só as mulheres tocam cantigas para seu amor e ou seu
amigo. Ela canta: - ¶ “O vento sopra
amor do bambu do meu amado. Vem me dar o que caçou... No seu
nariz o enfeite é a pluma de arara, É vermelha e armada. Ele é grande
caçador. Ele é o melhor caçador da minha pele rosada nela
deixarei arriada sua pena de cor Mole, mole aninhada no meu
corpo acolhedor”.
Acordo... Olho
para a rua, deserta a essa hora do dia. Celia dormita como se estive nos meus
braços nas Montanhas da Lua. Será que ela está pensando como eu nos Paiterey
uma tribo perdida no alto Amazonas? Eles são apaixonados, efetivos,
acolhedores. Dão sempre a impressão de sinceros, de terem prazer nas amizades.
Gostam de quem chega, são curiosos... Adoram conversas... Ciúme, casamentos
forçados, brigas não fazem parte desse paraíso.
Domingo...
Sonhos e esperanças... Volto no tempo e J.B me vem à lembrança: Vado Escoteiro
suba sempre pelas escadas da vida, mas nunca use um amigo seu como degrau. O verdadeiro amigo não é aquele que
enxuga suas lágrimas, mas sim aquele que não as deixa cair. - Por mais que
exista escuridão, ela nunca é total. Tem sempre uma luz em algum lugar. - Um
pequeno gesto vale muito. Basta que sejas uma gota de água pura que vem banhar
uma pequena folha. - Cada um pensa em mudar a humanidade, mas ninguém pensa em
mudar a si mesmo. - Escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar
um único dia em sua vida.
Ah!
Vida que te quero vida... Saudades loucas das jangadas do rio Doce, das
florestas de Crenaque de tantas coisas que não voltam mais...