Conversa
ao pé do fogo.
Era
uma vez... Um comissário Viajante da UEB.
(uma
história baseada em fatos reais)
Prólogo: - Hoje dia de reunião para a
maioria dos Grupos Escoteiros. Na minha varanda apesar do frio intenso e não
podendo participar mais com a escoteirada, me lembrei desta história verídica
por sinal dos meus tempos de sênior, bons tempos, outras reuniões, outros
papos, tudo feito como antigamente. Que o acontecido não sirva de exemplo. Não
fomos cavalheiros com o Comissário. Minhas desculpas...
Tudo aconteceu lá pelos idos de 1957, com
dezesseis anos respirava escotismo em todos os poros. Estudante pela manhã,
ajudava meu pai em sua oficina e a noite ia para a sede encontrar com a Patrulha,
planejar atividades, falar das namoradas, canções desafinadas e saber das
novidades. Éramos duas patrulhas seniores, a maioria remanescentes da alcateia
e tropa escoteira, exceto José Lima que entrou como Sênior. Nosso Chefe Sênior aparecia
aos sábados. Reuniões simples, bandeira, papos, provas e revisão de programas e
saber como ia nosso treinamento técnico. Romildo nosso Monitor era mais um
amigo sem muita prosa. Sentados embaixo da mangueira do pátio vimos quando Micoçar
com sua charrete chegou. Foi uma surpresa. Dela desceu um Chefe, todo prosa,
caqueano, chapéu nos trinques, bela barriga como a minha hoje e gritou “Sempre
Alerta Escoteiros”.
Moreno claro, idade por volta dos seus
cinquenta anos logo perguntou: - Cadê o Chefe? Tãozinho falou baixinho: - Hoje
não veio, foi para Baixo Guandu no expresso, só volta segunda. – E o Chefe do
Grupo? Romildo emendou: Na casa dele no Morro do Chapéu. – Ele pomposo disse: -
Alguém pode avisar que o Comissário da UEB está aqui? - Ninguém falou nada. Não
estavam gostando do tipo. Muito metido e arrogante com ar de dono da bola.
Acostumados com um aperto de mão, apresentação, um sorriso e fraternidade nem
seu nome disse. Mindinho se ofereceu para ir avisar o Chefe João Soldado. – Não
é só para avisar, disse. Diga a ele que é um comissário da UEB, que ele venha
logo! – Rimos baixinho. Comprava briga sem saber com quem estava lidando. Se
conhecesse o Chefe ficaria na sua.
Vinte minutos ouvindo seu prosear,
contava seu tempo de escoteiro e como chegou ao posto de Comissário. Até que
foi interessante. Mindinho chegou. – O Chefe mandou dizer que ele o receberá em
sua casa. Micoçar sabe onde é. Micoçar era um charreteiro de aluguel. Naquela
época as charretes faziam a festa na rodoviária e na estação ferroviária.
Micoçar era o xodó das moçoilas, pois sempre tinha uma rosa para as que
viajassem com ele. Saiu sem despedir-se. Ficamos sabendo depois que o Chefe
João Soldado ficou uma “arara” com seu estilo topetudo e cheio de exigências. Falando
alto, repetia que era Comissário da UEB e tinha plenos poderes. – Lá pelas seis
e meia da tarde o Chefe João Soldado chegou com ele à sede. Já estávamos saindo
quando nos chamou. – Patrulhas o Comissário quer fazer uma reunião com vocês.
Disse que iria fazer uma autêntica reunião escoteira. Seria com os escoteiros,
mas estão acampando. Todos aqui amanhã por volta das nove horas!
A reunião seria realizada no Campinho
de futebol onde nos reuníamos. Matutando o que ele iria fazer ninguém gostou da
ideia, mas ordens são ordens. Eu preocupado por perder os seriados da matiné no
Cine Pio XII. Buffalo Bill contra o Sioux Hunkpapa e na sequência Nyoka, a
Rainha da Selva. Uniformizados não pagávamos ingressos. Ordem dada ordem
cumprida. A reunião se transformou em correria de louco. Naquela época achamos
ser um besteirol aprontar aquela correria. Para dizer a verdade eu estava
gostando. Tinha outros que não. O tal comissário bufava e corria para lá e para
cá e como apitava. Uma enorme audiência se formou. Ele dava palestra, jogos,
corria saltava e resolveu fazer um comando Crow. Não sabia que éramos peritos
na corda. Na primeira fila rindo a valer estava Micoçar com seu bigodinho a lá
Charles Chaplin. Conhecia-o de vista, nunca fomos amigos. Foi então que o
Comissário formou um circulo e ensinou-nos uma canção que mais tarde adorei,
mas naquela época! Vixe, que vergonha. Era a Piaba. “Sai, sai, sai ô piaba saia
da lagoa”. Tinha de rebolar, dar uma umbigada e dançar requebrando. Uma canção
que não foi feita para os machões seniores como nós.
Fui obrigado a cantar e dançar. “Sai,
sai, sai oh piaba saia da lagoa”! Quando alguém dava uma umbigada à turma da
arquibancada rolava de rir. Na minha vez Micoçar começou a gritar: - Vai
Telírio! Vai Telírio! Mostre seu requebro! Bem aquilo foi demais. Chamar-me de Telírio
era briga na certa. Hoje não, mas naquela época os homossexuais da cidade serviam
de comentários maldosos e ridículos. Chamar alguém pelo seu nome era motivo de
palavrão. Telírio era o mais conhecido. Eu vermelho de vergonha tentei dançar. Difícil
requebrar. A turma da arquibancada gritando: - Vai Telírio, requebra e mostre
que você é o maior dançarino da cidade! Desisti. Outros Seniores também. O povo
morrendo de rir. O chefão gritando: - voltem todos. Não dispensei ninguém! O
comissário raivoso gritava possesso: - Nem cantar sabem? Que raios de seniores
são vocês? Mocinhas lavadeiras do Rio Doce? Ninguém ficou lá. Micoçar a gritar
no meu ouvido me chamando de Telírio. Puxei a velha faca mundial que usava na
cintura e disse que era a vez dele dançar. Dance se não vai sentir o sangue
correr. Estava possesso! A turma do deixa disso chegou.
O Comissário saiu com Micoçar e foi
direto a casa do Chefe João Soldado. Esqueci-me de dizer ele era Primeiro Sargento
da Policia Militar. Soube que ameaçou fechar o grupo. Tanto falou que o Chefe
João Soldado o pegou pela camisa o arrastou até a charrete de Micoçar dizendo:
- Suma! Se aparecer na minha frente de novo quebro seus dentes e o coloco uma
semana no xilindró. Micoçar se trazer ele aqui outra vez tu tá marcado comigo! Dia
seguinte quando o Chefe João Soldado nos contou toda a conversa à tropa caiu na
gargalhada. - Ora, ora, na minha cara disse que não tínhamos seniores. Tínhamos
sim um bando de moleques indisciplinados (até certo ponto com razão). Exigiu
que fizéssemos um Conselho de Tropa e destituísse ambos os Monitores. Disse que
enquanto não fizermos tudo isto o grupo nunca seria registrado. Interessante é
que nunca fomos registrados. Nosso grupo tinha mais de trinta anos de atividade
e nunca fizemos registro. “Belle Époque”, outros tempos.
Hoje se voltasse no tempo não faria
isso de novo. Mas era outro escotismo, mais campismo, aventuras e poucas
reuniões de sede. Eu e Micoçar nos tornamos grandes amigos. O Comissário alugou
sua charrete por dois dias e não pagou. Foi embora e deu o cano. As patrulhas
fizeram uma “vaquinha” e pagamos em suaves prestações. Charretes! Também foram
engolidas pela modernidade; assim como o escotismo pelos novos tempos!