Conversa ao
pé do fogo.
As panelas da
Patrulha Lobo.
- Há algum tempo
escrevi um artigo que chamei “Panelas”. Sempre gostei da musica do mesmo nome, e
dediquei á canção com muito carinho ao artigo que publiquei. Quando ingressei
na Patrulha lobo me nomearam bombeiro, aguadeiro e lenhador. Depois fui para
Escriba. Dizem que só novatos honram este cargo. Tinha uma queda por água e
lavar panelas. No bairro da Pastoril em Governador Valadares onde morava, tinha
na frente da casa uma bomba de água e havia uma norma na família que dizia: -
Antes de tomar café, 100 bombadas... Antes do almoço mais 100. Se tiver visitas
convide-os para bombear também! Nossa caixa d’água vivia cheia. Mesmo depois da
luz no bairro continuamos na velha função, pois o dinheiro era curto para
comprar uma bomba elétrica. Minha mãe sempre me olhava com olhos de amor na hora
de lavar panelas. Fiquei “craque” na função.
Com o tempo reconhecia
em qualquer Patrulha quando as panelas eram paqueradas, lavadas e até mesmo
reconhecidas como o “bem estar” do cozinheiro de plantão. Poucas vezes acampei
com outras patrulhas de outros grupos. Sabia que só em cidades mais distantes
haviam Grupos Escoteiros. Na Patrulha tínhamos uma panela, um caldeirão, uma
caçarola e uma frigideira. Suficiente para carregar na mochila qualquer de suas
peças. Podíamos ter mais se quiséssemos, pois as vizinhas de cada escoteiro sempre
estavam dispostas a colaborar com doação. Mas a maioria das atividades que
fazíamos no campo era feito nas pisadas do Vulcabrás, calçado muito usado na
época. Assim ter poucas panelas era uma necessidade. Nosso vasilhame brilhava
por dentro, mas fora não. Como diz a canção não eram tão negras, queimadas,
sebentas que muitos consideravam nojentas. Fumanchu amava nossas panelas, nas
mãos dele sabíamos que estávamos salvos do grude do macarrão, do quiabo sem
caldo, do arroz queimado e do bife tostado (ah! O bife... muitas vezes só em
sonho). Foi para nós o maior dos maiores cozinheiros escoteiros de todos os
tempos!
Nossa intendência era
pequena, mas dava para o gasto. Ainda não havia taxas, quotas para compras de
alimentos e materiais necessários da Patrulha. O Sexto Batalhão da Policia Militar
a cada dois anos descarregava sua intendência e lá estávamos nós os escoteiros
e seniores de chapéu na mão. Barracas de duas lonas, mochilas, canecas, pás,
picaretas eram doadas pelo Capitão Barbosinha que dizia: - Usem com cuidado,
nada dura para sempre e nem sei se o ano que vem poderemos doar. Eita Capitão,
um pai dos Escoteiro e amigão do Chefe João Soldado. Tínhamos cada escoteiro
uma lista de alimentos conforme os dias de acampamento. Ração A para um dia, B
para dois dias e C para mais de três dias. Quando a Patrulha após o Conselho
dela a decidir quando e aonde iríamos nem precisava falar, poderia ser a ração
A, ou B, ou C gentilmente cedidas por nossa querida mãe que ajudava a empacotar
e calcular quanto cada um iria comer.
Com ajuda do Seu Perônio,
um marceneiro pai do Escoteiro Dagoberto da Raposa fizemos nossa carretinha. No
primeiro acampamento dançou na subida do Morro da Viúva e a roda caiu. Aos
poucos fomos aprendendo e Romildo o Monitor ficou bamba para arrumar aprumar e
olear os eixos coisa que Tãozinho aprendeu com amor. Era delicioso empurrar à
carretinha na subida e na descida segurar. O barulho nas rodas de madeira
corriam pelas estrias cantando canções de arrepiar. Hoje elas não existem mais.
As autopistas, as rodovias coalhadas de veículos nunca mais nos deixarão
passar. Tudo ficou no tempo guardado nas lembranças para nunca mais apagar. Mas
a maioria das vezes era no passo escoteiro. Quarenta andando e quarenta
correndo. As panelas batiam nas costas da mochila como se fossem voar. Lembranças
de meninos alegres a buscar sua aventura.
Amizades tínhamos aos
montes com os meeiros, posseiros, vaqueiros e até mesmo diversos sitiantes
fazendeiros da região. Muitos mais abastados faziam de tudo para almoçarmos com
ele e seu Norberto com Dona Juraci sorriam quando viam Fumanchu chegar. Sabiam
que seria uma mão na roda para ajudar no almoço. Um franguinho, um pastel de
queijo, um arrozinho solto, mandioquinhas no ponto. Não tínhamos horários e
havia liberdade para ir e vir. Eu e Rael gostávamos de pescar, fazer armadilhas
para uma boa ave que seria nossa carne no almoço ou no jantar. Quando sobrava
tempo corríamos a sua fazendinha para ajudar na lida ou encher seu carro de boi
com milho verde. Ele tinha uma parelha de bois guzerá que pareciam amar o zoar
do eixo das rodas, mais alto que nossa carretinha.
Mas voltando as
panelas, amo todas elas. Aprendi a usar moita de capim com areia do riacho,
pois sabão nem sempre havia para usar. A gordura usada para cozinhar guardávamos
para reaproveitar ou usar nas panelas na próxima “cozinhada”. Dou hoje risadas
quando cantam: - No acampamento o nosso tormento, é ter de usar panelas... Pois
o alimento requer cozimento e ao fogo vão as panelas... Quem escreveu deve ter
sido um pandego da Patrulha. Darcy nosso companheiro de guerra disse que Dona
Sinhá o ensinou a usar barro em volta delas antes de ir para o fogo. Hoje
tempos mais modernos tem Bombril, sapólio e bucha especial. Mesmo assim fiquei
sabendo que um Escoteiro recém-admitido de um grupo escoteiro moderno foi
obrigado pelo seu monitor a lavar as panelinhas barrentas e sebentas. Na volta
começou a tremer e não parou mais. Soube que faz terapia de grupo com um
Psiquiatra. São coisas dos novos tempos. Hã que eu amo panelas!
- O
magnífico hino do Ajuri Nacional do Rio de Janeiro tem uma estrofe que diz – ¶
Se ele é gaúcho, você do Amazonas, debaixo das lonas são todos irmãos, qualquer
cor ou classe, qualquer raça ou credo lavando as panelas são todos irmãos¶.
Arre! É isto mesmo? Lavar panelas para sermos irmãos? Se fosse ainda menino
escoteiro diria conte comigo! Afinal pegar as sebentas e agachar em um riacho
ou ficar curvados em um tanque, limpando, esfregando aquelas negras queimadas,
nojentas, sebentas, para muitos é um horror e para mim não. Foi um tempo que amávamos
as panelas. Hoje dizem ser função dos novatos. Já vi alguns gritarem – Deixa
que eu lavo! Depois da experiência dizem que nunca mais! Risos. Ainda existem
cozinheiros? Bombeiro aguadeiro e lenhador? Não sei. Tudo é moderno. Agora é
fazer uma fossa de detrito para enterrar de vez a marmita de alumínio que o Chefe
levou para o bom gáudio da escoteirada encher a pança!