Conversa ao pé do fogo.
Comentando sobre o Sistema de
Patrulhas
“‘Quero
que vocês, monitores, entrem em ação e adestrem suas patrulhas inteiramente
sozinhos e à sua moda, porque para vocês é perfeitamente possível pegar cada
rapaz da Patrulha e fazer dele um bom camarada, um verdadeiro homem”. De nada
vale ter um ou dois rapazes admiráveis e o resto não prestando nada. Vocês
devem procurar fazê-lo todos positivamente bons.
...Para
conseguir isso a coisa mais importante é o próprio exemplo, porque, o que vocês
fizerem os seus Escoteiros também o farão.
...Mostrem
a todos eles que vocês sabem obedecer às ordens dadas, sejam elas ordens
verbais, ou seja, regras que estejam escritas ou impressas e que vocês cumprem
ordens, estejam ou não o chefe presente. Mostrem que conseguem conquistar
distintivos de especialidades, e, com um pouco de persuasão, os seus rapazes
seguirão o seu exemplo.
...”Mas lembrem-se
que vocês devem guiá-los e não empurrá-los”.
Baden
Powell
Capitulo I
Pequenos rolos de fumaça se misturavam com a fraca brisa do ar que
soprava leve e intermitente na varanda da casa do “Velho”. Fora um dia quente
de verão, já em meados de novembro num mês de primavera, onde as flores tão bem
cuidadas pela Vovó desabrochavam nos canteiros próximo a cerca de madeira
caiada de branco. A grama verde era um convite para sentar, principalmente
naquela hora do lusco fusco, onde a vista não alcançava o pôr do sol que se
escondia atrás de prédios e casas, naquele longínquo bairro da cidade onde
morávamos. A fumaça, velha conhecida, era produzida pelo cachimbo do
"Velho" e o aroma achocolatado como sempre era elogiado pelos mais
novos, que ainda desconheciam o ritual do “Velho” e que este fazia questão de
não mudar.
Ao
nosso lado, dois rapazes de aproximadamente 20 anos, um deles noivo de um
ex-guia e o outro namorando uma pioneira, estavam empertigados nas suas
cadeiras de madeira, calados, prestando uma atenção “canina” no que o “Velho“
dizia. Este, sentado numa cadeira de balanço, já gasta com o tempo, e com o
olhar de quem acredita no que fala, pensava mais uma vez que poderia passar
para aqueles rapazes toda sua experiência de anos e anos de Escotismo em poucas
horas de um bom “tete a tete”.
Os dois
iniciavam como Escotistas em um Grupo Escoteiro próximo ao nosso. Estavam com
aquela motivação tão própria da idade e foram à casa do “Velho" para
trocar ideias e aprender um pouco de como dirigir uma Tropa Escoteira. Apesar
de terem sido Escoteiros e Seniores sentiam dificuldade na mudança brusca, pois
agora a responsabilidade era bem maior do que antes. O Grupo ao qual pertenciam apesar de
aparentemente sólido, fraquejava na direção das sessões, pois as chefias
anteriores não marcaram bem suas presenças. Pôr serem da modalidade do Mar,
comentávamos entre nós que estavam a “deriva”. O Chefe do Grupo sentindo
dificuldade em arregimentar adultos procurou ex-escoteiros e pôr sugestão do
“Velho”, jovens que pudessem colaborar e se sentissem satisfeitos com a
participação.
O
“Velho” quando podia estar junto aos jovens era outro. Cortês, simpático, amigo
e totalmente diferente quando estávamos sós, eu e ele. Isto provocava ciúmes,
pois eu era o único que o visitava constantemente e aguentava sem reclames suas
egocentricidades. Claro, eu sabia que eram forçadas, só para mostrar que o leão
de outrora ainda rugia, mas seus dentes não mordem mais.
Próximo a nós, Vovó tricotava em outra cadeira de balanço ao lado do
“Velho”, e numa manobra simples, sem pressa, balançava a frente e atrás, num
rangido próprio e que aos poucos estávamos nos acostumando.
Numa mesinha pequena próximo
a varanda, bolos, pães caseiros e deliciosos biscoitos de polvilho estavam
espalhados em singelas travessas, alem é claro de um chocolate quente,
colocados ali para que pudéssemos saborear as delicias que somente a Vovó sabia
fazer. Ela nada dizia. Quieta e serena continuava seu lazer, tricotando, como
se aquilo refizesse a labuta daquele dia tão quente. O “Velho” conversava
calmamente com um sorriso nos lábios. Seus conselhos, seus contos, sua maneira
de falar, era como se fosse um contador de estórias de barbas brancas, falando
para Betsabá, num castelo próximo a Bagdá, naquelas famosas historias das Mil e
uma Noite. Os jovens olhavam embevecidos, como se pai e filho estivessem
confraternizando.
- Eu diria para vocês - Dizia o
“Velho” que se pudesse voltar no tempo eu não seria o mesmo. Se tivesse a
oportunidade que vocês estão tendo de ser um Chefe Escoteiro, começaria tudo de
novo. Meu sonho sempre foi estar em uma tropa Escoteira, com jovens ao meu
redor sorrido. Todos eles liderando e sendo liderados.
- Não seriam empurrados nem ficariam preocupados com o apito do chefe. O
programa não seria rígido (café com leite dos sábados, conforme ele dizia onde
já se sabia o inicio, meio e fim – em termos é claro).
-
Teria elasticidade bastante para mudar dependendo das expressões do rosto de
cada um. Encorajaria os jovens para que fossem os donos do programa. Eles é que
o fariam. O relógio seria um mero instrumento para marcar o inicio e o fim da
reunião, pois o meio iria depender da aceitação do programa. Meu julgamento do
que é bom ou ruim não existiria. Os jovens é quem diriam pela sua maneira tão
peculiar de aceitar ou não o que é bom para eles. Somente os resultados teriam
validade.
- Esta
tropa dos meus sonhos - continuava o “Velho”- não teria a preocupação de ser
grande. - Poderia ser duas ou três patrulhas. Poderia com o tempo ser até
quatro, mas seriam patrulhas livres e unidas. Ali todos seriam amigos
fraternos. Minha preocupação seria com a qualidade e não quantidade.
- O respeito do antigo ao mais novo seria uma questão de honra e aceito
com dignidade. Haveria uma fila para formação, mas esta não seria como uma
escala hierárquica para se chegar ao topo. No meio dela poderia estar um 1a
classe e a sua maneira tanto faz se fosse pôr altura, pôr amizade, e até pôr
decisão do Conselho de Patrulha.
- O importante seria que quando a patrulha formasse todos saberiam que
ali eram grandes amigos, responsáveis pelo desenvolvimento próprio, da patrulha
e da Tropa. O monitor era um a mais e não o único.
-
“Velho“- falou um dos rapazes - Não entendi o porquê da fila e o que ela tem a
ver com a Tropa! - Afinal sempre foi uma rotina a formação, pois sempre ficou
bem claro onde fica o Monitor e o Sub. Também a antiguidade ali era
demonstrada. - Não sou eu que estou dizendo, - completou o “Velho”- Repito as
palavras de BP - “Cada patrulha escolhe um rapaz como chefe. Ele
é chamado Monitor. O Chefe Escoteiro espera do Monitor um grande trabalho na
orientação e lhe dá inteira liberdade para executar sua tarefa na Patrulha. O
Monitor escolhe outro rapaz para ser o segundo no comando. Este é chamado de
Sub. Monitor. - Consultem a página 58 do livro Escotismo para a Rapazes”.
Não existe meio termo. Não há antiguidade. Os jovens elegem seu líder e este
escolhe seu assistente.
- E se
eles escolherem alguém sem condições de liderança? - falou o outro rapaz. - A
escolha foi deles - completou o “Velho” - Eles que devem achar se foi bom ou
ruim e não vocês. A democracia começa pôr ai. Pôr sermos adultos julgamos
diferente dos jovens. A confiança é à base do Sistema de Patrulhas. A partir do
momento que passamos a tomar decisões dos rapazes, deixamos de cumprir nossas
obrigações como Chefe Escoteiro.
- A nós
compete treiná-los, adestrá-los (os monitores) e dar condições para o
desenvolvimento deles. Afinal
pretendemos conseguir liderança não de um só, mas de todos na Patrulha. Não
vamos discutir se o líder nasce feito ou pode ser feito. Isto não importa neste
caso. Todos eles tem seu próprio estilo e sua própria liderança. Diferente, mas
tem. Se o Sistema de Patrulha for feito adequadamente com responsabilidades
distribuídas, vai funcionar.
- Estamos
sentindo que alguns tem procurado fazer do Chefe Escoteiro um líder cheio de
obrigações e responsabilidades fugindo da parte mais importante. Até certo
ponto não discuto, mas não como está sendo colocado. A Tropa flui positivamente
quando o Sistema de Patrulhas funciona. A distribuição de tarefas, a preparação
do programa, o arquivo, a vida da tropa, irão dar melhores resultados sendo
feito pôr eles.
- Claro que cada um
de vocês fazem parte do todo. Para isto estão ali. Esqueçam um pouco esta
preocupação inicial de todos os novos em chefia e lembrem-se do tempo em que
foram escoteiros. Procurem ver o que gostavam ou não gostavam. - O “Velho“
respirou fundo, deu uma grande tragada em seu cachimbo, piscou seus olhos azuis
várias vezes e se levantou indo até a mesa de guloseimas, dando uma mordida com
vontade em um biscoito qualquer. Os rapazes também fizeram o mesmo. A noite despontava
gostosa e fresca. O ar puro invadia aquele cercado com sabor de aventura.
“Você
é o líder dos seus monitores”. Podemos até chamá-lo do monitor dos monitores.
Dirija somente esta patrulha. Cabe a você orientá-los, fazer acampamentos e
excursões, sempre visando o adestramento para que eles possam depois adestrar
os escoteiros da patrulha. Esta é sua responsabilidade. Não fuja dela e
experimente, pois tenho certeza que poderá alcançar o gostinho do sucesso.
Baden Powell.
Comentando sobre o Sistema de
Patrulhas.
A CORTE DE HONRA
“A Corte
de Honra é parte importante do Sistema de Patrulhas”. Trata-se de uma comissão
permanente que resolve os negócios da Tropa.
A Corte de
Honra é formada pelo Chefe e pelos Monitores, ou caso se trata de tropa
pequena, pelos Monitores e Submonitores. Em muitas Cortes , o
Chefe assiste à reunião, mas não vota. Monitor reunido em Corte de Honra tem
muitas vezes mantido em atividade a Tropa na ausência do Chefe.
A Corte de
Honra toma decisões sobre programas de trabalho, acampamentos, recompensas e
outros problemas relativos à administração da tropa. Os membros da Corte estão
obrigados a guardar segredo.
“Somente
as decisões que afetem a Tropa toda, isto é, competições, nomeações, programas
etc., são trazidas a público”.
Baden
Powell.
CAPITULO II
O sol
caminha para o oeste. Inexoravelmente em qualquer lugar do planeta, lá está ele,
rumo a sua velha e conhecida trilha. Seu percurso não é novo e todos sabem
disso. Toda a humanidade depende do seu programa diário para sobreviver. Não
foi ele que destruiu florestas, poluiu rios ou mesmo fez escurecer a atmosfera
do tempo. A evolução natural das coisas não impediu sua marcha e ele é prova
viva que as mudanças são válidas, mas nem sempre proveitosas se feitas
desordenadamente.
Nesta
hora do entardecer, onde a penumbra avança noite adentro, as luzes da varanda
foram acesas e ali, inebriadas com a voz do “velho” e sua maneira peculiar de
“Contar estórias” esquecíamo-nos do tempo. Vovó agora dormitava na cadeira de
balanço. Para lá... E para cá... - Será que dormia mesmo? - Seu compasso era
igual ao grande relógio que tomava conta de uma parede na sala grande. Ela
abstinha de comentar. Era assunto do “Velho” e não seu.
- Sou
sincero - continuava o “Velho” - Se tivesse a felicidade de ter uma máquina do
tempo, o que não daria para volta ao passado, somente para começar tudo de
novo! – Nunca esqueço o que fui o que fiz. Não há arrependimentos. - Lá, nesta
tropa dos meus sonhos, eu teria um excelente contato com os monitores. Quantos
acampamentos faríamos juntos. Num domingo despretensioso, iríamos todos a um
Shopping, uniformizados, assistir a um bom filme. - Iríamos também Visitar
locais importantes para aumentar o saber, provocando admiração nos transeuntes
e mostrando que a idade para a responsabilidade nada significa no Movimento
Escoteiro.
- O
adestramento seria uma constante. Eles seriam grandes amigos meus, frequentando
minha casa e eu a deles. Teria a confiança de todos e poderia ajudá-los nos
seus problemas e quem sabe, também me ajudariam. Mas o que eu iria ter certeza
é de que seria mais um e não apenas um. - Faríamos tantas coisas! - E quem
ganharia com isso seria a tropa! - Em nossas conversas ao “Pé do fogo“, eles me
diriam o que podíamos fazer para um bom programa, o que os outros jovens
pensavam a respeito e ouvindo-os, teríamos uma programação formidável! - já
pensaram?
- Ainda penso num
acampamento, numa floresta qualquer, já tarde da noite, o fogo brando, ali
sentados, dois, três ou quatro monitores e seus subs, um ou dois chefes, -
todos os amigos! - Que programa, que adestramento, quantas coisas boas para
fazer deles responsáveis pela tropa e o seu adestramento progressivo. - Quando
chegasse a hora da passagem para os seniores aquela amizade não iria terminar.
Seriam sempre convidados como participantes em qualquer atividade que quisessem
estar presente! - Errado? - Não. Muito certo. Os novos monitores teriam muito a
aprender com eles.
- Vou
contar para vocês uma passagem interessante quando fui escoteiro - O “Velho” já
estava vivendo a personagem. Era uma das manias dele. Mas era sincero no que
dizia. Era um bálsamo ouvi-lo. Seus cabelos brancos caiam na testa e seus olhos
pequenos e azuis desapareciam para logo aparecerem novamente. Apesar de sua tez
enrugada nós não desgrudávamos os olhos dele, e para nós não era um velho, era
um jovem! Um autentico chefe Escoteiro.
-
Continuava o “Velho”- Vivi o Escotismo de uma maneira que não esqueço nunca! -
Vocês meus jovens também devem ter excelentes estórias para contar, pois assim
como eu, puderam viver aventuras mil não? -(O “Velho” estava dando um “pito“ em
mim, pois comecei como adulto. Tudo bem, não me incomodo me considero um bom
chefe). - Logo após ter passado para a tropa de Escoteiros, vindo da Alcatéia,
senti uma grande liberdade na patrulha pôr mim escolhida (deixavam que os
lobinhos pudessem escolher suas patrulhas quando fossem fazer a Trilha). O
Chefe e dois dos assistentes foram grandes amigos e foi um choque ao ver um
monitor dirigir sem a presença deles em diversas ocasiões. Era um susto e
tanto, pois na Alcatéia não tínhamos essa liberdade tão aberta!
- Ali
encontrei muita amizade e companheirismo. Tinha alguma preocupação com a
liberdade de todos e me preocupava sempre com que fazíamos. Havia sempre o
receio se desse errado em alguma atividade. - Nem bem tinha completado três
meses de tropa, e saímos pela manhã de um domingo (somente a patrulha) indo de
ônibus até a periferia da cidade e lá nos dirigimos a um sitio de um velho
amigo do Grupo, que pôr sinal era sempre visitado pôr muitos escoteiros.
- Na
patrulha havia dois cargos em aberto, explico melhor - Todos nós escolhíamos
nossas responsabilidades na patrulha e caso houvesse mais de um interessado no
mesmo cargo, era feito sorteio. Assim, escolhi ser o escriba da Patrulha. Tinha
facilidades para escrever e como um “Pata Tenra” achava ser a mais fácil. -
Chegamos ao sitio pôr volta das 08 e meia da manhã. Não era bem um sitio,
estava mais para uma fazenda. Somente um sitiante na porta de entrada, pois o
local quase não era explorado e se mantinha intacto principalmente a mata e
pastos. Alguns bois, alguns cavalos, e mais nada.
A casa
sede era pobre. Três cômodos sem banheiro. Instalamo-nos e logo procuramos uma
arvore para o cerimonial da Bandeira. Deram-me a honra de hasteá-la. Nosso
monitor era calmo e ponderado. Era um autentico líder. Comecei a me acalmar à
medida que participava das atividades. Os chefes já não faziam falta. Treinamos
barraca, machadinha, nós (sem teoria) e corte de lenha, tudo isso pela manhã.
Ao meio dia e quarenta fizemos um lanche. Foi nesta hora que resolvi dar um
giro pôr conta própria sem falar com os demais. Atrás da casa havia um arvoredo
muito bonito e ouvi um barulho de uma cascata. Dirigi-me até lá. Não era tão
perto. Andei um bocado! - No meio das árvores só o barulho me chamava a
atenção. Enfim avistei um pequeno riacho com águas límpidas e claras. Tão
claras que se avistava o fundo. Fiquei hipnotizado! - Como era belo tudo
aquilo! - Lembrei-me dos diversos contos da História da Jângal, contadas pela
nossa Akelá, nas belas historias de Mowgli junto ao Balu e Baguera.
-
Passei um pouco de água no rosto e vi que era hora de voltar junto a Patrulha.
Dei meia volta e senti um calafrio! - Não sabia pôr onde tinha vindo! - Comecei
a tremer nos meus 11 anos, agora cheio de dúvidas. Não sabia se chorava ou se
confiava que me achariam facilmente. Optei pôr ficar ali. - O tempo passava e
eu já estava chorando baixinho. Senti uma mão no meu ombro. Levei um enorme
susto. Era o nosso monitor. Graças a Deus!
- Voltamos
junto e no caminho pensei que meu papelão seria ridicularizado pôr todos. Estava cada um fazendo uma atividade
diferente. Nosso monitor pediu a uma Segunda classe para me dar um adestramento
de posicionamento e marcação de pontos cardeais para ser usado quando se anda
em pequenos bosques. Ainda não estava na hora de um bom adestramento de bússola
e orientação. Tudo deveria fluir naturalmente e na hora certa!
- Não houve
sermão. Só um pequeno lembrete pelo monitor e comigo a sós. Sorri agradecido.
Nunca mais se repetiu. O “Velho” sorria. As lembranças se mantinham acesas em
sua mente. Sua estória era simples, tão simples que passou despercebido de
todos o objetivo dela. - Como vêm, - continuava o “Velho” é possível ter um
monitor assim? - Só como muito adestramento! - E ele não era o único - os
outros da patrulha também pareciam em determinadas horas estarem sempre
preparados. Os dois chefes presentes sentaram na grama e esticaram as pernas
não com o intuito de cansaço, mas querendo ouvir mais e mais. E iriam ouvir.
Era o trivial e infelizmente esquecido pôr
todos pôr acharem tudo banal sem interesse. Mas para nós, o interesse estava
ali presente. Sem interrupção para não perdemos o fio da meada.
Ensine-os a pescar. Não pesque para eles! - É melhor um arroz sem sal e
grudento feito pôr eles do que o excelente feito pôr adultos. Lembre-se, eles
são a razão de você estar aqui!
Comentando sobre o Sistema de
Patrulhas.
“Creio nos jogos ao ar livre e pouco
me importa que sejam jogos brutos ou violentos e que ocasionalmente alguém se
machuque”. Não simpatizo com o sentimentalismo exagerado que pretende manter os
jovens embrulhados em algodão.
Na luta pela vida o homem formado ao ar livre sempre
demonstrou ser melhor.
Quando vocês brincarem, joguem duro:
- e quando trabalhar trabalhem duro. “Mas não deixem que os jogos e os
desportos prejudiquem seus estudos”.
Theodore Roosevelt
CAPITULO III
Era um
vozeirão que se ouvia a distancia. Todos nós já o conhecíamos e tirando o
“Velho” no Distrito, ele poderia sem sombra de dúvida ser sua segunda pessoa.
Fora escoteiro, Sénior, pioneiro e colaborou no distrito, na Região alem de ter
sido Assistente Nacional Sênior por muitos anos. Seu humor não tinha
contestação. Não enfrentava o “Velho”. Este ainda era para ele o seu chefe, o
amigo. Pôr onde andou brigou muito (no bom sentido) falava de tudo, discordava
de tudo. Nos conselhos, indabas, reuniões de adultos, onde quer que fosse,
todos o temiam ou tinham certo respeito por ele. Como dizia sempre é melhor ser
franco agora que tapear toda uma organização.
Um
antigo Escoteiro Chefe durante um Conselho Nacional, falava, falava e falava.
Ele pediu a palavra e não deram. Pediu novamente e negaram. Saiu do seu lugar e
foi até o microfone onde tentaram impedir. Ele os enfrentou tomando o microfone
para si. Embasbacados, os conselheiros não falaram nada. Ele perguntou se
éramos um movimento democrático - Que democracia é esta onde não posso falar?
Vou ter um horário especifico, - falou, falou e falou. No final foi aplaudido
por todos.
- Em
todos os Conselhos nos anos de eleições lá estava ele, falando, falando e
falando. Ele achava que as chapas apresentadas eram combinadas para serem
eleitas, pois nunca havia oposição. Nos cantos, nas pequenas salas, sempre
grupinhos formavam e quando se chegava mudavam de assunto. Ele era assim,
falastrão, mas um boa praça. Sentou também na grama, a moda índia (com as
pernas cruzadas) e o “Velho” explicou sobre o assunto que estavam comentando.
Ele balançava a cabeça concordando.
- Vovó
abriu os olhos e sorriu para ele com um cumprimento simples balançando a
cabeça.
O
“Velho” aproveitou a deixa e continuou - Foi bom você chegar, pois lembro
quando foi monitor de Patrulha. Eu já era assistente, mas pude observar que sua
presença sempre foi marcante para os demais. - Não é bem assim, falou ele. Se
bem me lembro, BP achava que os mais fortes, maiores e mesmo que não tivessem
boa liderança, seriam melhores monitores que os demais. Claro, sempre fui alto
e forte, mas acho que não era o meu caso, achava que tinha liderança. - Em
termos disse o “Velho”- Em
termos. Mas vocês tinham um excelente chefe - continuou o
“Velho”- E olhe que ele era um pai novato, que se adaptou tão bem na área
escoteira, que não sabia se era um antigo ou um novato. No meu entender era um
mateiro na arte de “Fazer fazendo“.
- O
Escotismo é simples. Estão tentando complicá-lo pôr não terem tido a
oportunidade de “passar pôr ele”. Quem já viveu a experiência sabe o desejo dos
jovens. Eles querem atividades extra sede, ao ar livre sempre e tudo que não
tiveram a oportunidade de fazer até hoje. - Isso demanda responsabilidade, pois
em nossas mãos estão moças e rapazes e a segurança não pode ser desleixada. Ao
sairmos para qualquer local temos que medir as conseqüências, mas a liberdade a
todos devem ser dada. - Ninguém gosta de ser guiado se pode enxergar. Até
lembro-me das palavras de um amigo que me dizia sempre: - Na falta de
liderança, todos são bem-vindos, e Explicava: - Conheces as historia de um
cego, que conduzia outro cego e ambos caíram num buraco?
- Tudo é
simples e prático “Velho”, disse o amigo. Aquele que não faz exatamente o que
diz o método nunca poderá dizer que aplica o Sistema de Patrulhas. No meu caso
lembro bem que me achavam meio aloprado e inclusive quando saia com a patrulha
alguns pais ficavam assustados e pediam para o chefe me alertar! - Nunca tive
acidentes com a patrulha, pois nossas atividades eram programadas com hora de
saída e chegada. Nossos programas eram revisados pela chefia, a “Corte de
Honra” definia tudo e todos na patrulha estavam bem preparados.
- Não tão
simples - comentou o “Velho”- Você deu algumas mancadas e inclusive lembro-me
de uma em que todos o esperavam as 18 horas e só chegaram após as 23 horas. -
Mas chegamos disse ele. Não sei por que resolvi pôr conta própria alterar
algumas coisinhas no programa e tive que aguentar a pressão da patrulha, dos
monitores e da Corte de Honra. Deixaram-nos no gelo pôr quatro meses sem poder
fazer atividades sem a chefia. Nossa patrulha aprendeu a lição.
- Se estou
entendendo - falou um dos jovens - vocês estão afirmando que o sistema só
funciona com liberdade - Deixar que eles façam desde que devidamente
instruídos, preparados e adestrados. Mas e as outras atividades em conjunto? -
Nunca deixaram de existir! - falou o “Velho “-Vocês devem medir a
disponibilidade de tempo para que possam guiar a Tropa”“.
- Repito - G
U I A R! - Não dirigir. Para isto é necessário algumas reuniões nos dias de
semana. Com o tempo os próprios monitores vão procurá-los em suas casas, desde
que autorizados para isto e é claro que devem ser autorizados. A amizade que
vai uni-los é a mais importante na Direção da Tropa. - Deve haver diversas
atividades em que todos estarão presentes. Seja na sede ou no campo. O que se
está insistindo aqui é que os monitores é que dirigem, adestram, ensinam e
acompanham o crescimento dos escoteiros da patrulha. Estes, democraticamente
fazem do monitor o seu porta-voz, pois eles os escolheram e o elegeram.
-
Este é o motivo da insistência de termos rapazes advindos do movimento
liderando tropas Escoteiras. - Um adulto que não passou pôr esta fase, nunca
vai acreditar ou só acredita pela metade na responsabilidade da patrulha em
dirigir a si mesma. Ele vai fazer uma projeção totalmente errônea do Sistema de
Patrulha, sempre baseada em sua experiência, que pode ser da sua vida passada ou
da sua atividade profissional. “Mas se bem orientado, bem adestrado, tenho a
certeza que ele vai ser um excelente escotista completou o amigo do ““ Velho”.
E olhe que conheço uma infinidade de Escotistas que não foram escoteiros quando
jovem e procuraram aprender e assimilar as ideias de Baden Powell.
- Tudo
vai fluir facilmente se observarem estes princípios - era o “Velho” quem
falava. - Uma boa patrulha, vai bem se a democracia é posta em pratica sempre.
Vocês irão observar que o Conselho de Patrulha vai funcionar e consequentemente
ele terá voz no Conselho de Monitores e na Corte de Honra. Se cada um desses
órgãos for sério dentro dos padrões exigidos, o respeito as normas não deixaram
de existir. Aí sim, estarão fazendo o verdadeiro Sistema de Patrulhas.
Um forte
barulho sobre nossas cabeças nos deram um tremendo susto - Era um helicóptero
que sobrevoava a região em baixa altitude. Levantamos correndo e fomos para a
Sala Grande onde os últimos a entrarem foram o “Velho” e a Vovó.
Demos boas gargalhadas uns com os outros. As batidas do coração voltaram
ao normal. A noite chegava e o tempo parecia ter parado. O assunto não se
esgotara e as duvidas persistiam. Muita coisa ainda haveria de ser dita.
“Ninguém pode dizer exatamente o que é o certo, até ver que deu certo.
Os melhores exemplos são aqueles em que passamos pôr eles. Ensinam-nos
exatamente onde podemos chegar. O Escotismo também é assim e muitas de suas
falhas são devido a falta de experiência o que pode nos levar as incertezas
onde o fracasso é o caminho final”.
Comentando sobre o Sistema de
Patrulhas.
“Cada
Tropa Escoteira é formada pôr duas ou mais Patrulhas de seis a oito rapazes. O
principal objetivo do Sistema de Patrulhas é dar responsabilidade real a tantos
rapazes quantos seja possível. Isto faz com que cada rapaz sinta que tem
pessoalmente, alguma responsabilidade pelo bem de sua Patrulha. E leva cada
Patrulha a ver sua responsabilidade definida para o bem da tropa. Através do
Sistema de Patrulhas os escoteiros aprendem que tem uma considerável
participação em tudo que a sua tropa faz”.
Baden
Powell
Capitulo final
A
noite avançou de mansinho sem fazer alarde. O amigo do “Velho” pedira licença
pôr ter um compromisso e já se fora. Nós, ansiosos para mais conhecimentos,
permanecíamos ali na sala Grande, acompanhados pela Vovó e pelo “Velho”.
Enquanto não fossemos “dispensados“ acredito que não iríamos nos retirar. O
“Velho“ não demonstrava sinais de cansaço e entre uma ou outra conversa e uma
cachimbada, aumentava o volume de sua velha vitrola, cujo disco de um trio
famoso em sua época, repicava velhas e saudosas canções escoteiras.
Lá fora, uma lua cheia
e “rechonchuda” brilhava no céu, e pela janela, apesar das luzes acesas,
invadia sem permissão parte da Sala Grande. O cheiro achocolatado, velho
conhecido, era respirado pôr todos sem reclamação. O Sistema de Patrulhas em
principio parecia ter sido absorvido pôr todos, mas a medida que discutíamos
detalhes, mais e mais chegávamos a conclusão que pouco sabíamos. E era tão
simples! - Chefe - monitor - escoteiro - escoteiro - monitor - chefe! - Simples
mesmo.
- Vocês não devem
esquecer - falou o “Velho” - que o Sistema de Patrulhas é um trabalho em Equipe. Através
dele vamos dar aos jovens noções de civilidade, harmonia, compreensão,
democracia, honra, fraternidade e formação da personalidade sem impor
determinações que não condizem com a formação do caráter. Trabalhamos com o
todo, mas visando a unidade, lembrem-se que colaboramos com os pais, a escola e
a igreja. Não sei se me fiz entender bem! - completou o “Velho”.
- O Programa Escoteiro já é conhecido de
vocês e basta aplicá-lo. O inicio é simples e para isto a tropa pode ajudar e
bem. Em uma conversa ao pé do fogo, em um acampamento de monitores ou em uma
reunião de tropa, tracem algumas metas e deixe que cada um use da palavra para
alterar o que achar inconveniente. Peçam aos monitores para irem anotando.
Quinze a vinte minutos no máximo. Maior tempo é cansativo e não vai ser
produtivo. Depois, nesta mesma reunião ou numa próxima, sugiram uma Reunião de
Patrulha, para discutir novamente os tópicos e o seu desenvolvimento.
-
Lembrem-se que ali devem ter dados concretos, pois eles é que vão dizer as
metas a serem cumpridas, tanto no programa da tropa como no adestramento
progressivo de cada um. É importante que cada jovem tenha uma copia da ficha
modelo 120(não sei se existe outra) para anotar e acompanhar como está indo o
seu adestramento progressivo e todas as vezes que for alterada o monitor
apresenta ao chefe da Tropa para atualização de uma segunda via e devolvida. A
“Corte de Honra“ define sempre as etapas onde se exige parte da Lei e Promessa.
- Claro que uma só reunião não será o bastante. Talvez mais. Cada tropa tem
suas necessidades. Mas em três reuniões, seja de patrulha, Conselho de
Monitores e Corte de Honra, acredito que terão um programa sadio e pronto para
ser desenvolvido.
Isto
acaba com “detalhes” de programa semanal, mensal e trimestral. Falo isto, pois
tenho visto dezenas de amadores falando sem nexo sobre o Sistema de Patrulhas e
o pior, nunca passaram pôr isto. Falam na teoria e na prática não se vê os
resultados. Se aprenderam alguma coisa e querem colocar em prática, seria bom
terem um bom adestramento técnico boa literatura e uma participação que não
pode ir ao encontro dos desejos dos jovens. - Lembre-se, o importante é deixar
boa parte do programa na mão dos jovens. E vai funcionar. Disso tenho certeza.
- Não
importa o que possam dizer para vocês, pois compete a cada um acompanhar e se
necessário alterar de comum acordo com os monitores e sempre levando em
consideração a disponibilidade da chefia. A cada passo deve-se verificar o
resultado. Este é que deve ser cobrado a todo instante. - Afinal, qualquer programa
pode sofrer uma correção de rumo e se for o caso, discuta novamente com eles.
Se passarem um ano fazendo assim e conseguirem manter pelo menos 65% dos jovens
na tropa com etapas sendo vencidas estão no caminho certo. É um percentual
baixo para uma boa tropa, mas acredito que a media em nosso país não passa de
25%.
- Tudo
isto tem de vir acompanhado da parte mais importante que é a Lei e a Promessa.
Façam seus escoteiros decorarem-na. Eles tem de saber na ponta da língua o que
é e o que significa. A cada segundo não deixe de repetir para você e para eles
uma Lei. - Haverá dificuldades. A própria chefia do Grupo poderá impor
obstáculos. Tentem pedir uma carta de
“alforria” pôr um tempo determinado para provarem que dará certo. Acredito que
irão conseguir. Mas se vierem com aquela lengalenga já conhecida, ou aceitem e
continuem fazendo errado ou peçam o “chapéu” e procurem outro Grupo que irão
apoiá-los.
- Haverá
muitos que torcerão pôr vocês. Hoje, a evasão é tão grande que não sei como
alguns ainda discutem Sistema de Patrulhas. - Se olhassem para trás poderiam
ver que alguns Escotistas que se sobressaíram no Movimento ou fora dele, foi
porque participaram do verdadeiro Sistema de Patrulhas.
Os raios do luar não respeitava
a rua pôr onde passávamos. Deserta e calma, sentíamos o orvalho a cair e o
aroma doce e suave completava nossa caminhada no começo daquela manhã. Acredito
ter valido a pena ir para casa aquela hora. Nós três, contando cada um suas
façanhas do passado, algumas vezes cantando as velhas canções escoteiras do
“Velho” sentíamos orgulho em participar do Movimento Escoteiro.
Líderes de Patrulha
O melhor progresso é feito naquelas tropas em que poder e
responsabilidades são realmente colocados nas mãos dos Líderes de Patrulha.
Esse é o segredo do sucesso de muitos Chefes Escoteiros, quando uma vez que
tenham meia dúzia de Líderes de Patrulhas, realmente os fazem agir como se
fossem Chefes Assistentes. Os Chefes Escoteiros encontram os capazes de, por si
mesmos, seguir adiante e aumentar suas tropas, seja iniciando uma nova patrulha
ou adicionando recrutas a uma existente.
Espere bastante de seus Líderes de Patrulha, e nove em dez vezes
eles superarão suas expectativas, mas se você sempre lhes der comida na boca e
não confiar neles, você nunca conseguirá que façam qualquer coisa por
iniciativa própria.
Junho de 1910. Baden Powell
FIM