Leiam o que Olavo Bilac fala sobre o
Escotismo em 1916:
TRECHO
DA CONFERENCIA REALISADA EM BELLO HORIZONTE EM 26 DE AGOSTO DE 1916 - Publicado
em 1929 em Nictheroy pelas Officinas Graphicas da Escola Profissional
"Washington Luis".
“ ““A
escola dos escoteiros, uma das células primarias do organismo da educação
cívica e da defesa nacional, tem um objetivo que se resume em breves linhas”.
É a
educação completa dos adolescentes. O escoteiro, desde que se inicia no
tirocínio, anda, corre, salta, nada monta a cavalo, luta defende-se, maneja
armas; mantem-se num constante cuidado do asseio do corpo e da alma; afasta-se
da pratica de todos os vícios; adquire noções de física, chimica, botânica,
astronomia, anatomia, geographia, topographia, astronomia; orienta-se pelo sol,
pela posição das estrelas, pelo relógio, pela bússola, manuseia o termômetro e
o barômetro, mede o caminho que percorre; estuda os mapas; sabe acender o fogo
e cozinhar; faz acampamento; recebe e transmite comunicações pelos telégrafos
Morse e Marconi, por meio de luzes, de sinais por bandeiras e pelos gestos dos
braços; instintivamente aprende tática e estratégia; pode eficazmente socorrer
feridos e vitimas de quaisquer desastres; alimenta e desenvolve os seus nobres
sentimentos; abomina a mentira; reputa sagrada a sua palavra de honra; é
disciplinado e obediente; é cortes; considera como irmãos os seus companheiros,
ampara as mulheres, os velhos os enfermos; opõe-se a crueldade sobres os
animais; é econômico, mas condena a avareza; respeitando a própria dignidade,
respeita a dignidade alheia; é alegre; esforça-se por dizer claramente o que
sente e exatamente descrever o que vê; pensa, raciocina, deduz; e enfim,
conhece a historia e as leis do seu pais; é patriota e estimula a sua
iniciativa.
Basta
isso para que se veja que, no escotismo, se inclui todo ensino da infância e da
adolescência. “““Como o compreendia Platão, dizendo: “a educação tem por fim
dar ao corpo e ao espírito a beleza e toda a perfeição de que eles são
susceptíveis”, e como concebia Spencer, professando: “ a educação é a
preparação para a vida completa”. Esta admirável escola ao ar livre abrange
todos os pontos, que se contem no programa da moderna pedagogia.
Primeiro, a instrução física: a conservação ou o
restabelecimento da saúde, pela higiene e pela medicina e o desenvolvimento
normal e progressivo de todas as funções de corpo, pela ginástica e pelos jogos
escolares.
Depois,
a instrução intelectual: o adestramento dos cinco sentidos, a percepção externa
e a interna, a cognição e a experiência; a consciência, a personalidade, e a
liberdade; a faculdade de conservação - a memória; e as faculdades de
elaboração - a atenção, a abstração, a generalização, juízo, o raciocínio, e a
imaginação.
Enfim,
a instrução moral; a sensibilidade, e a sua cultura; o amor próprio, o amor e o
respeito da propriedade, foi livre arbítrio, da independência, da emulação; o
altruísmo, a benevolência, a beneficência, a amizade, a docilidade; o amor da
pátria, do belo e do bem; o brio, a coragem, a disciplina; e a cultura da
vontade, e a formação do caráter.
E este
curso completo de adestramento é feito no seio da natureza, na alegria da vida
desportiva, pelo gosto próprio, pela pratica, pela lição das coisas.
O
escotismo forma homens e, ainda mais, heróis. É a heroicultura. Em cada
escoteiro, no ultimo grau da iniciação, existe um "Agenor", no
sentido do vocábulo grego: Homem de coração.
Há pouco tempo, em São Paulo, um educador, o Sr. João Kopke,
numa conferencia, lembrou que os antigos gregos davam aos ephebos, "sem
ensino especial de civismo, meios de cultura própria, apenas por um programa
limitado, entre os sete e os dezoito anos, formando uma boa e bela forma de
homem, com a sua inteligência, os seus sentimentos e o seus corpos treinados”.
Não era
aquele ensino da ephebia o mesmo ensino que hoje damos aos escoteiros? Mais
ainda: o juramento do escoteiro no primeiro grau de iniciação, e os doze
artigos do Código do escotismo são uma reprodução aproximada da afirmação, que
os efebos espartanos e atenienses prestavam, quando, perante os magistrados,
recebiam a lança e o escudo: "Nunca aviltarei estas armas, nem abandonarei
o meu companheiro na fileira; combaterei pela defesa dos templos e da
propriedade; respeitarei as leis; e transmitirei a minha terra própria, não só
menor, porem maior e melhor do que me foi transmitida".
Mas o
juramento e o código do escoteiro tem mais larga e mais bela significação do
que a formula dor efebos. A moral e o governo de Esparta e de Atenas estreiteza
e secura de egoísmo.
Se
quiserdes dar ascendência legitima, e foros e brasões de altas nobrezas a
moderna criação do escotismo, deveremos radica-lo na tradição medieval da
Cavalaria Andante. O grande ímpeto de desapego, de liberdade, de coragem e de
altruísmo, que dispersou os cavaleiros andantes pelo mundo, foi o mais belo
serviço da idade média.
Os
abusos da cavalaria não a mataram. Os exageros de uma virtude matam-se a si
mesmos; e deixam viva e inalterável a força da alma que foi exagerada. Também,
sobre o curso dos rios nas cidades despejam todos os dejetos da sua vida; a
água, turvada e infamada, aceita com resignação a afronta; mas, em breve,
libertada do contato dos centros populosos, na sua incessante agitação,
torvelinhando sobre o leito de pedra e musgos, expurgando-se com o banho do ar
livre, abluindo-se em si mesma, é daí a mesma linfa imaculada, reproduzindo a
clareza e a virgindade da nascente.
Assim,
o sentimento de honra, que inspirava os paladinos. Que era aquela instituição?
Uma exaltação da alma, que impelia para a gloria, para a justiça e para o
desinteresse: os heróis errante eram bravos e pródigos, destemidos e puros:
respeitavam e protegiam os fracos, defendiam as viúvas e os órfãos, subjugavam
a tirania insolente, veneravam a mulheres e davam ao amor um culto religioso...
Morreram os abusos, mas a essência sublime ficou... Enquanto houver brio e
bondade no mundo, sempre haverá cavaleiros andantes.
No
escotismo - e é esta a sua maior e mais verdadeira beleza - a exaltação
reveste-se de um distintivo prático, sem perder a sua poesia sublime. Na
Cavalaria, às vezes, a idéia de honra era vaga: a da generosidade, indecisa; a
da abnegação, indeterminada; às vezes, era o sacrifício perdido, a bravura sem
proveito, a dedicação inútil. No escotismo, a idéia da honra define-se: é a
honra do indivíduo, a honra do cidadão; o desinteresse e a magnanimidade não
são apenas gestos formosos; são ações justas e úteis - justas para a perfeição
humana, e úteis para a grandeza da Pátria.
Tal é,
em suas linhas fundamentais, a criação do escotismo. A vos, meus companheiros
de trabalho literário, cumpre a tarefa da propaganda, da organização e da
direção em Minas, da nova heroicultura, linha de Baden Powell.