São
Paulo, 16 de junho de 2018.
Meu
prezado amigo Rael.
Hoje
indo a Padaria, subindo a minha rua ouvi um assovio... Isso mesmo, igual o que
usávamos na Patrulha lobo para nos identificar. Pensei que era alguém da
Patrulha... Não era. Deu-me uma saudade amigo, saudade danada de tempos que não
voltam mais. Afinal eu e você somos os últimos dos Moicanos, pois os demais já
partiram para as terras dos seus ancestrais. Ninguém entendia nossos sinais,
nosso Campo de Patrulha único, nossas aventuras que fizemos pelo vale do Rio
Doce, pelo São Francisco, Na Zona da Mata, no Vale do Aço, no Mucuri e lugares
demais para contar toda nossa epopeia em cima dos nossos Cavalos de Aço, em
busca de aventuras e conhecimento.
Ficamos
sós meu amigo, só eu e você. Tãozinho se foi há oito anos, Chiquinho mais novo
também partiu. Romildo dizem bateu o caminhão na Rio Bahia e nos deixou órfão
de Monitor. Fumanchu nosso cozinheiro (Pedro Lima) um dia me disse que ia
enricar em Serra Pelada e nunca mais voltou. Nem sei onde anda o Darcy, nunca
mais deu notícias. Quantas farras escoteiras, quantos sustos nos acampamentos
em lugares nunca antes imaginado. Outro dia li uma frase do Filme Forrest Gump
que dizia: - A vida é como uma caixa de chocolates. Você nunca sabe o que vai
encontrar.
Sabe
Rael soube que tem um novo Grupo Escoteiro em Governador Valadares. Chama-se
Pedra Negra. Novo não, já fez 16 aninhos e torço para que chegue nos 100 anos.
Quantos anos existiu o São Jorge? Chefe João Soldado um dia me disse que ele
começou em 1938. Ele ainda não tinha entrado para a policia militar. Foi o
Capitão Barbosinha que o convidou para Chefe do São Jorge. Lá pelos idos de
1943. Não entendia nada de escotismo. Marchou como pode, trouxe o Munir para
fazer a maior banda já existe nas Minas Gerais. Quantas histórias eim Rael?
Quantas? Não dá para contar. Me parece que o grupo fechou as portas em 1966.
Interessante
Rael, entrei na Patrulha e logo você chegou. Não quis ser Lobinho. Entrou com
dez anos? Não lembro mais. Agora você sempre foi prá frente, além do que fomos.
Em Teófilo Otoni você foi procurar o prefeito para um almoço, em Itambacuri fez
a festa com a meninada na praça fazendo jogos. Não foi você quem disse que era
fácil escalar o Pico do Ibituruna? Subimos duzentos metros e cadê a passagem
secreta que você disse existir? Contou potocas que lá tinha uma antiga caverna
dos índios Pataxós e que eles faziam seus rituais satânicos lá. Risos. Eita
Rael, Romildo ficou uma fera, nem gruta, nem caverna nem nada e descer? Medo,
ficamos lá até no outro dia prensados entre o paredão e o Rio Doce com medo de
descer...
Mas
de todas Rael a que eu mais gostei foi à jornada de bicicleta na trilha atrás
do Ibituruna. Nos levou aquela serra que apelidamos de Serra do Escorrega Sapo,
e que encontramos um Jipe com três capuchinhos que sorrindo desceram e nos
benzeram. Risos. Foi demais. Quanto de subida? Oito km? Por aí. E meu tio
americano Jerry? Fez Dona Sinhá assar um frango no forno a lenha só porque
jurava que era o melhor frango frito da terra. Eita tio danado. E como contou histórias
dos Boy Scouts. A gente nem sabia o que era. Kkkkkk.
E
quando chegamos ao arraial de Terra Seca? Vinte? Cinquenta casas? Paramos
naquele boteco, sujo de poeira vermelha, e nem pão tinha. E o susto? Um sujeito
magro que nem soubemos o nome, desceu do cavalo e gritou: Leôncio! E ele, o que
você quer comigo? E o magrelo com um colt na mão deu nele três tiros. Risos.
Confesso Romildo que fiz xixi na calça sem parar! Kkkkkk. Mas valeu foram cinco
dias para chegar em Itahomi, Tarumirim e Residência. Na Rio Bahia em construção
só lama. Andamos empurrando as bicicletas por mais de quarenta quilômetros.
Mas
Rael, não vou contar ou lembrar nossas aventuras escoteiras. São tantas que
cada uma foi melhor que a outra. Mas aquela de Itahomi e a de Conselheiro Pena
ficaram na história. Ainda bem que não foi você quem disse que lá tinha
bandeirantes, todas lindas demais. E chegando lá fomos recebidos como reis. O Prefeito
o Presidente do Lyons Club, do Rotary querendo agradar. E as meninas? Nem
sinal.
Rael
achei essa foto sua. Já era Sênior. Não sei se foi em Resplendor ou em
Conselheiro Pena. Que cara fechada meu! Você tinha um belo sorriso e como sabia
contar lorota. Porque não virou escritor como eu? Kkkkkk.
Vou
terminando, pretendo se der uma melhorada ir até BH visitá-lo. Afinal já esteve
na minha casa aqui em Osasco e devo uma visita. Olhe desejo para você tudo de
bom e, por favor, não vá primeiro que eu. Não quero ficar sozinho outra vez.
Perdi tantos amigos daqueles tempos que hoje só resta você. Abraços meu amigo e
não esqueça do assovio, ninguém mais sabe só eu e você sabemos dele. Risos.
Sempre
Alerta!
Nota
– Rael foi meu companheiro de Patrulha Escoteira e Sênior. Grande amigo, não
saia da minha casa. Minha mãe o tratava como filho. Depois casei, cresci e ele
continuou frequentando minha casa. Sumiu por uns tempos e alguns passados me
telefonou e veio me visitar com sua esposa. É o único que sobrou da Lobo. Todos
outros sumiram ou morreram. Bons tempos, boas lembranças de um passado que
valeu a pena viver.