terça-feira, 7 de maio de 2019

Conversa ao pé do fogo. O mundo maravilhoso dos cozinheiros Escoteiros.




Conversa ao pé do fogo.
O mundo maravilhoso dos cozinheiros Escoteiros.

           Será que eles ainda existem nas patrulhas? Será que eles ainda procuram suas mãezinhas para aprender a fazer um arroz soltinho, a cozinhar o feijão no campo com a técnica Escoteira? Um bom bife sem queimar, uma sopinha de fazer estalar a língua? Limpar peixes, cozinhar verduras. Devem existir sim. Claro são poucos, mas estão por aí com os olhos cheio de fumaça, um calor ou uma chuvinha fria caindo, gravetos alimentando o fogo, alguém achou um capim seco e lá estão elas em volta do seu fogão de barro. Era bom demais. Pela manhã ele era o primeiro a acordar. O café não podia demorar, pois a limpeza do campo para a inspeção as nove em ponto (pontualidade Inglesa) teria prioridade. Engolir o café quente, comer quem sabe uns biscoitos ou um pão dormido. Mas quem se preocupava? Quem lembrava que se não fosse ele a fome mostraria sua cara? E a tarde, depois de uma jornada ou um Grande Jogo, revezar no banho e ele lá firme no seu fogão a fazer uma sopinha de estalar os “beiços”. Bom demais.

           Eu nunca me esqueci deles. Fumanchu era demais. Fazia milagres com o que tinha o que foi pescado ou caçado. Alguém um dia me disse revoltado que uma atriz que foi Escoteira comentou em um programa suas performances em matar galinha, depenar e cozinhar. Ficou “brabo” – Você viu Chefe? Difícil explicar a ele que foi um curso de Sobrevivência na Selva. Sei que a possibilidade hoje é dificílima em nos perder na floresta. Sei não, como dizer a ele que quando jovem escoteiro matei dezenas de galinhas, cacei rolinhas, tatus, codornas, perdizes, capivara (coitadas, seus olhos quando morriam era de fazer dó). Mas era uma época que isto era comum. E olhe que nosso Chefe nos ensinava a pedir perdão quando cortávamos seu pescoço e abaixar a cabeça em sinal de respeito. Foi uma época “supimpa” escotismo sem dinheiro, sem listas feitas por nutricionistas a comprar em armazéns (ainda não havia supermercados), tudo vindo de casa na base da ração individual. Carne? Só as que lá conseguíamos. Mas tínhamos peixes, ovos de pássaros, tínhamos goiabinhas verdes para sopas deliciosas, maxixe, lobrobô, taioba, tomatinho do mato, um mundão de coisas. Saudades de você Fumanchu, muitas saudades.

                 Mas eu conheci outro valente cozinheiro, não pedia mandava e aí de quem não obedecia. – Ele berrava no alto dos seus trezes anos e a patrulha tremia. Mister Magôo. Que cara, que sujeito fora de série. Fazia fornos, lindos fogões um perfeito artista na arte de cozinhar. Saia cedo do campo e voltava com uma fieira de peixes de fazer inveja. Um dia chegou com um quati, nem grande e nem pequeno. – “À noite teremos um assado” dizia com a cara amarrada. E que assado, de dar água na boca. Mister Magôo não ficou na cozinha muito tempo, andou se enrolando com o Monitor e assumiu no grito. Risos. Calma, outra época. Era um tempo que valorizávamos nossas obrigações. Almoxarife ou Intendente, Aguadeiro, cozinheiro, Mestre de Campo, sanitarista, construtor de pioneiras ou escriba. Não importava a função. Cada uma delas era orgulho dos patrulheiros. No fundo mesmo todos nós fazíamos de tudo. Entretanto ninguém esquecia o cozinheiro, era a chave o mais importante. Quando ele estava na cozinha, pegando a lenha rachada, um fogo igual nas trempes ninguém importunava. Nem o Monitor.

               Tem coisa mais linda que vários meninos Escoteiros, com a tarde chegando, banho tomado, uma conversa ali e outra aqui, a fumaça aparece no fogão do cozinheiro, uma sopa tem início, a fome chega, a espera é longa, um pedido de lenha, um pedido de agua e todos atendidos prontamente. E quando ele avisa ao Monitor que a boia está pronta? Dá um frenesi, a barriga zoa, o aroma se espalha, os pratos na mão, todos sentados em volta da mesa rústica de madeira, lá vem ele com seu caldeirão fervendo, ninguém diz nada esperando sua hora de comer. “Senhor, uns tem e não podem, outros podem e não tem, nós que temos e podemos agradecemos ao senhor”. Chegou a hora. Os pratos são cheios de sopa que sai fumaça de tão quente pelas mãos do cozinheiro. Uns soprando a colher cheia e quente, outros queimando a língua de tanta fome. Impossível descrever tudo.

          Mesmo com a noite cobrindo o campo, um pequeno lampião a querosene aceso, grilos pulando, vagalumes coloridos se espalhando na relva, céu de estrelas, agora ninguém prestava atenção. Ah! Quantas saudades, meu coração bate só de pensar. Um olhando para o outro que olha o prato que olha a sopa sendo tomada que olha o caldeirão para ver se tinha mais. Cozinheiro Escoteiro. Uma função que nunca poderá deixar de existir. São eles a razão da alegria da patrulha, são eles a razão única de existir uma patrulha no campo fazendo um gostoso acampamento de Gilwell.

BOM APETITE!