Um sábado
qualquer...
Nostalgia,
melancolia e saudade...
“Um dia fui
lobinho”
- “Nossa Alcatéia em noite de lua, vai
a floresta para caçar... Mas não é caça de carne crua, caçamos provas para
passar... Só é lobinho quem é muito esperto, e tudo quer o melhor fazer, só é
lobinho quem tem olho aberto, só é lobinho quem saber ver”! (Velha canção dos
meus tempos de lobo).
- Foi em abril de 1947 que tudo aconteceu.
Não tenho certificado e nem ficha modelo 120 para me assegurar da data. Naqueles
tempos nem sabíamos que isto existia. Acho que foi no dia 12 de abril quando vi
um lobinho pela primeira vez. Morava no Bairro Carapina em Governador Valadares
do outro lado da linha da estrada de ferro Vitória Minas. – Quem é você? Ele me
olhou e sorrindo me disse, sou lobinho. - Lobinho? – Futuro Escoteiro, logo serei
um primeira estrela! – Um! Pensei. Naquela época eu gostava de marchar e de fardas.
Quando fizesse 18 anos iria entrar para o Tiro de Guerra... Lá tem Banda?
Banda... Hoje dizem fanfarra, banda tem instrumentos musicais. Tem sim. Quando
for escoteiro irei participar. – Quer ir comigo? Corri e falei prá mamãe. Vou
nos lobinhos, posso ir? Eles gostam de marchar! Ela sorriu – Não demore, sei
onde é a sede deles...
Ah tempos, velhos e saudosos tempos! O
Chefe João Soldado me levou até o Balu. Balu? Quem seria o Balu? Me recebeu com
um sorriso. Negro, magro nem alto e nem baixo, sem bigode e sem barba. Até hoje
nunca o esqueci. Quando chegava a sede ele vinha bamboleante em minha direção
imitando um urso que eu nunca tinha visto e sorrindo. Hoje penso que ele não
tinha lido o Livro da Jângal. Se sabia que existia um Akelá, uma Bagheera ou
uma Raksha ou uma Kaa só fui saber muitos anos depois. Amei ser um lobo. O pulo
no Balu era uma festa. A gente saia correndo e pulava em cima dele fazendo uma
pilha de lobinhos... Ele saia sorrindo da pilha, rolava no chão e gritava que
era um perigo na selva! Que selva? Mas tudo vem ao seu tempo. Um dia falou de Mowgli,
de Sheri Kan. Contou que era um tigre cruel. Tigre? Fui à biblioteca da prefeitura
para ver a foto de um tigre indiano...
Quando contou sobre a Kaa disse que era
uma cobra amiga dos lobos. Eu eim? Amigo de cobra? Mas ele inventou uma dança
da cobra chiando e rastejando pelo chão. Dois anos depois falou do Akelá e da Bagheera.
Só. Fiz minha promessa dois meses depois. Mamãe fez meu uniforme, na Loja Abil
ela comprou o brim azul e o meião e fez um boné de lobo desengonçado que durou
por mais de quatro anos. Chefe João Soldado, sério me colocou o lenço... Disse
que eu era um Lobo feroz, mas amigo de todos. Que minha promessa era para
sempre. Dificilmente ficávamos na sede.
Só no campo correndo e brincando. Só sabia cantar a Arvore da Montanha e nossa Alcateia
em noite de lua. Um dia chegou cantando: - Eu sou um bom lobinho, um bom
lobinho quero ser! – Quantas histórias quantos acampamentos, (a gente acampava
e era bom demais). Com nossa ajuda fazia nossa comida, tirava espinhos e
carrapatos que pegávamos na floresta.
Hoje lendo
as postagens de muitos falando sobre o dia do lobinho me deu uma saudade enorme
dele. Grande mesmo. Não lembro se naquela época já existia o dia do lobinho.
Festa mesmo era o Sete de Setembro o dia da Cidade e o dia do Escoteiro. Inesquecível.
A gente desfilava e eu empertigado marchava com orgulho. Saudades do meu Balu. Corríamos
pelos campos, ele mostrava-nos os pardais, o bem ti vi o pássaro preto e dizia:
- São bonitos assim, presos não. Um dia contou quando Mowgly foi raptado pelos
Bandarlogs. Foi demais. Meu Balu era simples, vigia no Prédio do Banco da
Lavoura, ganhava pouco. Nunca nos disse que fora escoteiro. Sabia que era bom
em matemática. Balu! Quanto é vinte vezes trinta? Ele respondia na hora.
Seiscentos! E quem discordava? Dona Mercedes sua mãe cozinhava para a família
Borges. Quando passei para escoteiro sempre voltava nas reuniões da Alcateia.
Um dia disse que ia embora. Sumiu. Ninguém soube onde foi parar. Já escoteiro Sênior
lembro-me de um fogo de conselho na Mata do Quati eu Levi, Nonato, Pardal e Zé
Bolacha lembramo-nos dele e foi uma choradeira de dar dó.
Por muitos anos antes de me considerar um Pioneiro ele
ainda estava lá firme sozinho a “comandar” os lobos sempre fora da sede, nos
campos, acampando excursionando como dizia: Um dia vamos encontrar nesta Jangal,
um urso uma pantera, um lobo e uma cobra... Muitos anos depois fui morar na
capital e me disseram que voltou com sua mãe para Nazária no Interior do Piaui.
Sempre pensei que quando tivesse um emprego iria visitá-lo. Pois é Balu, sei
que você não está lendo esta minha saudade. Só digo a você que fui feliz como Escoteiro,
mas como lobinho eu fui muito mais. Bons tempos de lobo, de nadar na Nascente
do Córrego Corrente, atravessar as pinguelas num pé só, brincar nas porteiras
das fazendas, dormir sob as estrelas, entrar na selva que você dizia ser a
Jângal. Você era nosso Balu, nosso médico, nosso cozinheiro, você era tudo. E
só você Balu gostava de cantar nas madrugadas para a gente acordar e fazer à
física.
Ontem no dia do lobinho me lembrei de você.
Saudades. Já foi para o céu? Claro que sim, eu tinha seis anos quando entrei e você
mais de 23... Lembranças do Zás Trás, do Gentil, Do Portal, do Marcondes, do
Tico que chamavam de Lombriga e da minha Matilha cinzenta, Matilha que amei e
que nunca mais esqueci. Em abril próximo farei 73 anos de escotismo. Há
anos não tenho registro na UEB e em nenhuma outra associação escoteira. Meu
nome não está no PAXTU. Para mim não importa. Com ou sem registro sempre fui e
sempre serei um escoteiro deste que fiz minha promessa como lobo em 1947 e como
escoteiro em 1951. O escotismo é uma filosofia de vida que abracei para sempre.
Ah! Nunca comemoramos naqueles tempos o dia do lobinho, mas sabíamos que
existia um Santo, São Francisco de Assis!