sábado, 26 de janeiro de 2019

Lendas da Jângal. Nos tempos das falas novas. Ele era o meu Balu.


Lendas da Jângal.
Nos tempos das falas novas.
Ele era o meu Balu.

Prólogo: abril de 1947, vi Naldinho com seu uniforme de lobo. Quem são? Ele me contou. Quer ser um? Pensei e falei com a mamãe. Ela sorriu. Se você gostar estou de acordo. Assim começou a história...

                            ... Você vai ser um lobo! – Foi curto e seco quando me disse isso. – Um lobo? Mas eu vim aqui para ser um escoteiro! – Ele não disse nada, nem sorriu olhou para mim e falou a única palavra que não entendi naquele dia: - Agora vais ser um Mogli depois um escoteiro! – Pensei comigo: - Seria um novo apelido? Já me chamaram de tantas coisas e até mesmo de ratinho branco que nunca gostei. Sei que era pequeno, ainda nos seis anos quase nos sete, mas sabia me virar, lutar pelo que era meu. Olhei para ele: - O que terei que fazer para ser um lobo? Ele sério me olhou e chamou Catapulta, que mais tarde seria meu Primo e era o Mor da Alcateia...

                            ... Deu-me uma mochila, das pequenas que o Grupo Escoteiro ganhou da Policia Militar. – Essa será sua. Leve para sua casa. Escreva seu nome e trate com carinho. Ela tem de durar para sempre! – Para sempre? Catapulta sorriu. – Para sempre completou. Durou sim, até quando fui para os seniores. Olhei todos no círculo. Alguns conhecidos do Grupo Escolar. Quem me convidou foi Piquitito, disse que lá eles me protegeriam. Saí com eles na estradinha dos Cunha como um bando de meninos matadores de aulas escolares. Cantavam uma musica esquisita: Rataplã não sei o que!

                            ... Avisei mamãe que ia ser lobinho. Ela riu. O que é isso? Escoteiro mamãe, vou ser um escoteiro Piquitito já é um deles.  Ela balançou a cabeça. Não foi até lá para saber o que era, autorizou com um leve toque de mão nos meus cabelos. Poucas vezes ficávamos na sede. Aprendi a carregar a mochila. Uma garrafa de Crush vazia, com água, um pão com manteiga, um canivete que papai me emprestou. Um mês depois já cantava o Rataplã.

                            ... Na curva da vertente havia uma árvore. Uma Gameleira sempre frondosa. Balu me disse: - Aguarde os tempos das falas novas... Você ficará maravilhado com suas flores. - “Voltei para ver-te velha Gameleira, imponente estandarte que desafia o tempo... Plantada, hirta, à beira do caminho deixando-se mover apenas pelo vento”... Não perguntei o que era Falas Novas, sabia que um dia meu Balu iria me ensinar...

                             ... Na loja do Seu Nonato mamãe comprou o brim azul. Durou... Como durou. Ela mesmo fez a blusa e a bermuda. Meu Balu me explicou a promessa. Não me disse a Lei do Lobinho, acho que ele não sabia. Aprendi muita coisa, a afiar o canivete, a fazer seis nós escoteiros, a seguir uma pista, a cantar a Árvore da Montanha, a mostrar o azimute nos 4 pontos cardeais. Ensinou-me o Grande Uivo que só era realizado quando de uma promessa ou da entrega de uma estrela.

                             ... Tempos das falas novas... O que seria? Um dia vi na Gameleira muitas flores, olhei para o meu Balu: - Está nos tempos Balu? Ele me olhou sem sorrir. – Chegou à primavera... E nada mais disse. O tempo foi passando, aprendi a ser Mogli sem saber o que era. Zás Trás da Cinzenta me disse que era um Menino Lobo. Onde? Não sabia. No carro da Kolynos nunca passaram o desenho do tal de Mogli. Eu gostava mesmo era do Popeye e do pica-pau.

                             ... Estrada dos Afonsos, Porto São Miguel, Pedreira do Rio Doce, Mata do Jambreiro, Serra do Ibituruna, Cascata da onça, Trilha do Coral. Tornaram-se parte de mim. Conhecia cada árvore, cada córrego, cada rio cada pedra... Mamãe ficou no portão da sede no Clube Peçanha onde era a sede e eu ia fazer a promessa. Minhas duas irmãs ao lado dela. Choraram quando jurei a Bandeira. Ceceia a mais velha costurou o distintivo de lobo no bolso da camisa. Chefe João Soldado me presenteou com o Lenço verde e amarelo. Já sonhava com a primeira estrela... E a segunda?

                             ... Meu Balu era meu mestre, meu Chefe, meu herói. Negro, magro, com seus 26 anos não era de falar muito. Um dia disse que na Selva quem mandava era o Akela. Quem? Perguntei. Não é o senhor? – Ele custou a responder que Akelá era o Chefe dos lobos da selva. Pela primeira vez contou sobre Baguera, sobre Kaa, sobre Shery Can. No final pela primeira vez eu o vi dar um sorriso: - Nos mostrou a capa de um livrinho chamado o Manual do Lobinho. Eu já sabia ler, mal, mas lia.

                                 Para levar para casa tinha de entrar na fila. Haviam 16 lobinhos na minha frente. Esqueci-me do livro. Tirei minha primeira estrela e minha segunda estrela. Mamãe e minhas irmãs na porta da sede chorando de alegria. Chegou o dia, Meu Balu me disse que seria escoteiro. Surgiu uma vaga na Patrulha Lobo. Fiquei triste, muito triste. Não havia passagem só um até logo aos lobos que ficaram. Muitos dos lobos antigos já eram escoteiros. Na Lobo só Naldinho da Matilha Marrom.

                                Parti rumo à cidade dos homens. Agora seria escoteiro, quando me despedi chorei. Dei um abraço apertado no meu Balu. Nunca mais o esqueci