segunda-feira, 20 de abril de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. O golpe de 1964.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
O golpe de 1964.

... - A idade não depende dos anos, mas sim do temperamento e da saúde; umas pessoas já nascem velhas, outras jamais envelhecem. Não sei onde me situo. Falta pouco para meus oitenta anos. Será que um dia vão bater de novo na minha porta em nome da Revolução?              

Este meu artigo é endereçado a uns poucos amigos que tenho aqui o Facebook. Não mais de quinze ou vinte. Todos boa gente que me seguem há anos e tenho por eles alta admiração. Tenho mais uns quatro a cinco mil em cada página e como eles quase não comentam não sei de suas opiniões. Reservo-me o direito de publicar em minhas páginas e grupos e portando não irei polemizar. Não pretendo mudar concepções escolhas e opiniões diferentes do meu pensamento e nem tampouco discordar da tese que precisamos mudar e já. Também penso assim, um pouco diferenciado do que estão dizendo por aí, principalmente na ideia de que as Forças Armadas sob o comando do Presidente deveria dar um golpe militar, fechar o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. (Respeito e admiro nossas Forças Armadas que sabem do seu papel Institucional e a eles tiro meu chapéu) Dar exemplos que acontecem pelo mundo sei que não adianta. Às vezes um civil é o líder e permanece por anos e anos no poder e no final ninguém sabe para que veio. Estamos cheios de exemplos conhecidos.

Não vou dar lições de quais países abdicaram da Democracia para contar uma pequena história do qual fui testemunha ocular. No inicio da década de sessenta trabalhava como peão na Usina Siderúrgica de Minas Gerais – Usiminas – e levava uma vida tranquila mesmo esquivando das brutalidades de poucos integrantes da Policia Militar e os Vigilantes da Usina. Era um membro do Grupo Escoteiro Tapajós, primeiramente em Melo Viana e depois transferido para Coronel Fabriciano. Fomos eu e o Chefe Carlos os fundadores e nos considerávamos irmãos escoteiros. Assisti “in locum” e quase morri ao ver a arrogância e bestialidade de alguns vigilantes e policiais militares. Mas esse é outra história que um dia quem sabe em volta do fogo, com amigos poderei narrar.

Em 31 de março de 1964 eu e a Célia estávamos em Belo Horizonte em visita a meus pais que lá moravam. Fiquei sabendo da movimentação de tropas e do golpe, mas não dei tanta importância como hoje. Precisava voltar no dia seguinte e o nosso transporte ferroviário e rodoviário foi interrompido. Dois dias depois desembarquei em Coronel Fabriciano. Ao chegar fui informado por um motorista de taxi meu conhecido que não devia ir para minha casa, pois estava sendo procurado pela policia. Assustei e muito. Sempre estive do lado da lei e da ordem e nem sabia o motivo. Ao chegar a minha casa o Zé Pontes nosso presidente do grupo contou que o Seu Leo (nome fictício) o Juiz de Paz foi quem disse que éramos comunistas. – A revolução tinha já tinha tomado forma. Aconselhou-me a ir para Valadares ou voltar a BH. Perguntei pelos outros chefes e o Carlos e me disse que foi preso e o levaram para o DOPS (o terror da época) na capital. Disse que a sede foi arrombada e vasculharam tudo a procura de panfletos comunistas. – Depois fui saber que foi por causa do nosso Lenço vermelho e branco.

Resolvi ficar em minha casa. A maioria dos outros chefes não me visitaram. Na Usina todos calados e o silencio era amedrontador. Duas semanas depois o Chefe Carlos me procurou. Contou chorando as sevícias que recebeu e até tiraram duas unhas da sua mão com alicate para contar sobre o nome dos comunistas. Quais? Ele não sabia, nem tinha a ideia se no seu circulo de amigos tinha algum. Meses depois ele e eu fomos demitidos da Usina e cada um de nós tomou rumo diferente. O Tapajós foi transferido para a Paroquia de Coronel Fabriciano e existe até hoje. O Carlos comprou um Karmanguia usado e no dia seguinte uma Jamanta passou por cima dela no Trevo de Juiz de Fora. Morreu na hora.

Acompanhei nos vagões dos trens com destino a Belo Horizonte centenas de prisioneiros. Não foi só em Minas, mas em todo Brasil. Muitas mães ficaram viúvas e outros não tinham cadáver para enterrar. Até hoje contam histórias e muitos não acreditam como aquele que alega ser a Terra chata ou quadrada sei lá. Ele tem seus seguidores que duvidam que a Terra seja redonda. Teria muito ainda para contar, a surra que levei por tentar me empregar na Usina de Peletização no Porto de Tubarão em vitória em 1965. Fiquei dias de molho no hospital tratado como um reles bandido só porque precisava de um emprego. Tivemos longos períodos de censura e pouco sabemos dos que aproveitaram de seus dotes empresariais e enriqueceram extraordinariamente. Ninguém podia contar. O AI5 fechou o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal. Não havia a quem reclamar.

Em 1966 colaborava como Chefe de tropa no Grupo Escoteiro Walt Disney em Belo Horizonte, no Convento dos Dominicanos no alto do Bairro da Serra. Os Dominicanos tinham fama de acobertar fugitivos e frequentemente havia buscas nas suas dependências. Um dia vi alguns militares na sede escoteira, destruindo boa parte da nossa intendência. Fui reclamar e apanhei de novo. Até ameaçado a ser levado para o DOPs por agir como comunista. Sei que muitos dirão que isso não diz nada, que hoje tudo é moderno (Deus meu! Este tal moderno me engasgo a ouvir). Adolf Hitler (deve ser um personagem conhecido por muitos) dizia: Que sorte para os ditadores que os homens não pensem. Gustave Le Bom completava sobre eles: - Um ditador não passa de uma ficção. Na verdade, o seu poder dissemina-se entre numerosos subditadores anônimos e irresponsáveis cuja tirania e corrupção não tardam a torna-se insuportáveis.

Nota – Encontrei em 1982 o Zé Pontes o Nosso antigo Presidente do Grupo escoteiro Tapajós em Osasco próximo a prefeitura. Uma surpresa gostosa e maravilhosa. Tomamos num “boteco próximo” gostosas geladas e as lembranças do passado afloraram. Lembrei-me de sua ultima frase na nossa despedida: - A juventude é um disparate, a idade adulta uma batalha e a velhice Chefe uma saudade!