Osasco, 10 de abril de 2020.
Prezado Senhor Baden Powell.
- Desculpe a liberdade de lhe chamar pelo nome e não
pelos títulos que recebeu aí na sua velha e boa Inglaterra. Sei que foi
homenageado pela Câmara dos Lords e pela Rainha recebendo os títulos de Lord e
Sir pelo seu relevante trabalho junto aos jovens, além do que foi aclamado como
herói desta nação pela sua brilhante passagem no exército inglês. Inclusive me
perdoe por escrever ao meu amigo diretamente sem usar os transmites legais aí
no céu. Mas saiba que não tenho nenhuma pretensão de ser além do que sou. Não
tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente. Nasci nove horas depois que o meu
amigo partiu para a eternidade. Quem sabe nos cruzamos em alguma estrela
brilhante no firmamento. Eu completei 79 anos e o Senhor também desde sua
partida. Às vezes meu Mestre acho que o conheço de longa data. Li muito ao seu
respeito. E desde que entrei para o escotismo como menino que tento fazer o
escotismo “Ipsis litteris” conforme
deixou escrito para nós.
O Senhor sabe que já lhe escrevi muitas cartas e sabia
que não teria resposta. Costumo ser um fracassado em pscicofonia, clarividência
e nada entendo de intuitivo sensitivo. Sou uma negatividade em mediunidade
mesmo admirando outro Guru que admiro Francisco Cândido Xavier. Gosto mesmo é
de escrever com minha Parker 51 e até hoje uso a tinta da marca Goyana para
matar as saudades dos meus tempos de pen pal (companheiros da pena) quando
mantive correspondências com diversos escoteiros do Brasil e de outros países.
Foi bom e lindo ao lembrar que isso me deu ajudou na especialidade de Escriba
do qual muito me orgulho. Ainda gosto de escrever mesmo sabendo que a arte da
escrita se transformada em um “elefante branco”. Obrigam-me a usar o e-mail da
internet que nem sei se aí no céu existe. Eu ainda tenho um Computador da Velha Geração,
e nele converso, escrevo, conto causos, histórias e a minha maneira dou ideias do
nosso bom e velho escotismo. Sei que são palavras ao vento, poucos irão entender
aqueles rapazes aventureiros correndo pelos bosques de Londres e arredores. O
Senhor sabe o que significou e o que se transformou surpreendentemente se
espalhando por todo o mundo. Dizem que somos mais de quarenta milhões e que
pelos cálculos de alguns meio bilhão já passaram pelo escotismo deixando um
rastro de lembranças e saudade.
Às vezes sinto desejos de poder estar ao seu lado desde
que foi promovido a subtenente do regimento e formou na ala direita da cavalaria,
apelidada de “Carga da Cavalaria Ligeira” na Guerra da Crimeia na Índia e vê-lo
em 1887 participando na campanha contra os Zulus na África. Seria uma honra ter
estado ao seu lado nas suas missões como Chefe de reconhecimento no território
inimigo na Rodésia e ver que foi nela que muito de suas ideias escoteiras deram
início. Foi ali que começou sua amizade com o celebre escoteiro americano Frederick Russell Burnham
que o introduziu ao ponto de ebulição a maneira do Oeste americano de woodcraff
(escotismo) e onde através dele usou pela primeira ver o famoso chapéu Stetson
usado depois pelos escoteiros em todo o mundo. Já pensou eu estar ao seu lado
na campanha contra a tribo dos Ashantis? Eu li que os nativos o temiam tanto
que lhe deram o nome de “Impisa”, o “lobo-que-nunca-dorme”, devido a sua
coragem, à sua perícia como explorador e sua impressionante habilidade em
seguir pistas.
Mas o mais extraordinário seria ver como o Senhor
com pouco mais de 800 soldados enfrentar um exercito de mais de dez mil
inimigos contando com a ajuda de jovens rapazes em Mafeking. Fecho os olhos
para imaginar a luta que empreendeu em nome de sua nação que amou e ama. Já
pensou se eu voltasse no tempo e ver o Senhor formar os primeiros escoteiros agrupando
os rapazes num corpo especial e sob o comando de um deles, o Cabo Goodyear
cumprirem seus deveres com amor disciplina e galhardia mesmo sob o fogo do
inimigo. O Senhor confiou nos meninos como se eles fossem homens. Li que foi a
mais importante lição que ascendeu sua chama escoteira. Mas Senhor
Baden-Powell, como seria estar lá na Ilha de Brownsea vendo o senhor chegar com
os vinte e dois rapazes neste primeiro acampamento lembrado até hoje pelos
escoteiros e escoteiras de todo o mundo. Conhecer Simon Rodney com seus 12 anos
da Patrulha lobo, Donald Baden-Powell seu sobrinho com apenas nove anos o Ordenança
de Campo e todos os outros não esquecendo seu adjunto o Senhor Kenneth Maclaren
seu amigo de longa data da vida militar.
Deus meu! Só de pensar em voltar no tempo e ver o
Senhor e seus primeiros escoteiros no seu primeiro acampamento seria extraordinário.
Vê-lo em ação nas atividades práticas da natureza, os relatórios de observação,
as tarefas como saber o que faz o coelho em sua toca, o pica-pau tirar a casca
para apanhar insetos no tronco. Como sou sisudo e quase não rio, seria demais
conhecer seu estoque de anedotas e sobre os heróis de todos os tempos. E suas
noites nos fogos de Conselho? “O Senhor ao apagar dos lampiões ao redor do
fogo, contava algumas histórias assustadoras, conduzia o canto Eengonyama e com
seu jeito inimitável atraia a atenção de todos”. “Eu ainda posso
vê-lo como o Senhor ficava diante da luz da fogueira, alerta, cheio de alegria
e de vida, um momento grave, outro alegre, respondendo todas as questões,
imitando o chamado dos pássaros, mostrando como tocaiar um animal selvagem,
contando uma história curta, dançando e cantando ao redor do fogo, mostrando
uma moral, não apenas em palavras, mas usando histórias e convencendo a todos
os presentes, rapazes e adultos, que estavam prontos para segui-lo em qualquer
direção”. Brownsea... É... Eu daria tudo para ter estado lá! Brownsea onde tudo
começou e fez de todos nós um escoteiro!
Olhe
Senhor Baden-Powell se pudesse gostaria de ficar aqui escrevendo tudo que li e
aprendi no seu escotismo que amo e que irá ficar na minha mente junto de mim e
no meu coração. Até fui mal educado por não perguntar ao Senhor se está tudo
bem aí no Céu, sobre o Grande Acampamento onde escoteiros se reúnem para ver a
lua rechonchuda e estrelas tão perto que dá para pegar e guardar no embornal. Eu
sei que o Senhor é uma alma cheia de luz e que deve ter continuado seu trabalho
junto aos jovens como fez aqui na terra. Não vou preocupar o Senhor com o
Escotismo feito nos tempos de hoje que chamam de moderno. Prefiro deixar em
branco, pois saiba que temos muitos bons chefes, altruístas, cheios de luz que
se importam com os jovens, conversam com eles, ouvem e seguem muitas vezes suas
ideias tão próprias de uma juventude que apesar dos anos pouco difere da sua
Velha Londres. Deixo para outra vez contar o que já sabe que alguns se acham
donos da verdade, das ideias, fazem e desfazem das tradições, mas eu e o Senhor
sabemos que isto é passageiro e faz parte da evolução, já que o verdadeiro
sentido do Escotismo permanecerá para sempre.
Aceite,
pois meu Sempre Alerta, ou melhor, meu “Be Prepared”, e transmita a lady Olave
meus sinceros respeitos, e brevemente quem sabe estarei aí junto ao Senhor
cumprimentando a moda inglesa, orgulhosamente uniformizado, de calcanhar firme, uma saudação impecável e
tendo a honra de apertar sua mão esquerda conforme ensinou. Meu anrê, meu bravôo
e um grande e enorme Fraterno Abraço!
Do
seu admirador,
Chefe
Osvaldo Ferraz.