Uma historia
para pensar.
Ficção ou
realidade?
... – Dizem que eu
floreio muito meus contos. Dizem que nem sempre o que digo é realidade. Pode
ser, mas sou franco, o escotismo foi criado para ajudar a juventude mais pobre
de Londres e hoje no Brasil para ser um escoteiro tem que ter condições
financeiras adequadas se não nunca será. Quem me contestem a minha verdade.
- Zé das Quantas tem 45
anos. Mora em Brejo Seco uma pequena cidade fictícia em algum estado
brasileiro. Zé das Quantas é pedreiro e carroceiro. Cidade pequena muitas vezes
ele fica semanas sem trabalho. Ganha pouco e sua esposa Maria ajuda fazendo alguma
faxina a pedido das damas da cidade. Zé das Quantas tem poucos sonhos e sabe que
sua realidade não vai mudar. Além de sua família seu segundo amor é o
Escotismo. Diz seu escotismo, mas no seu intimo sabe que não é dono de nada. Já
viu outros chefes dizerem meu Escoteiro, meu Lobinho, meu monitor e meu grupo.
Ele não, o Grupo e o escotismo são de todos. Para ele o Movimento Escoteiro
pertence a Deus e aos jovens. Ele sabe que está ali para servir, ouvir,
orientar e fazer dos meninos e meninas pessoas que se pode confiar para que
tenham a formação desejada e conviver em sociedade. Foi assim que aprendeu
quando menino escoteiro e lendo Baden-Powell o Fundador. O Grupo Escoteiro tem oito
anos de atividade e ele recebe pouca ajuda da população. Zé das Quantas é
iletrado, um mero carroceiro que muitos julgam ilusório seu papel de educador.
Alguns até mesmo preferiam que tivessem uma organização de guardinhas bem mais
interessantes para a cidade.
Zé das Quantas um dia
recebeu um oficio. Registrado assinou a correspondência que dizia: - A
Escoteiros do Brasil vem informar que este grupo está atuando ilegalmente, fora
dos padrões e normas do Escotismo Brasileiro. Para evitar problemas maiores
sugerimos entrar em contato conosco, pois Grupos Escoteiros e Regiões
Escoteiras só podem ser reconhecidos e autorizados a funcionar se cumprirem as
disposições contidas no Estatuto e demais regulamentações da EB. – Ele sorriu,
já sabia disto, mas desistiu, pois não tinha como pagar o registro, vestuário,
distintivos e taxas e nunca poderiam estar presentes nas solenidades pomposas
que anualmente realizavam. Ele sabia dos isentos, aqueles que não podem pagar,
mas as exigências além de humilhantes eram difíceis de realizar. Desistiu
quando deu início ao Grupo Escoteiro e foi pedir uma Autorização Provisória. Achou
que seus jovens nunca teriam condição de atender a tantas formalidades. Veio um
segundo ofício, desta vez ameaçavam abrir um processo legal nos tribunais.
Zé das Quantas não soube
o que fazer. Havia dois meses que não conseguia nenhum pedido de areia ou
transporte e estava sem nenhum tostão. Maria conseguia as duras penas colocar
arroz e feijão na mesa e não sobrava nada. Decidiram pelo uniforme caqui, mais
barato, que muitas mães podiam confeccionar. Era um uniforme durável, que podia
passar de pai para filho e muitos que mudavam da cidade doavam para os mais humildes.
Tinha orgulho em ver todos uniformizados, com garbo não importando se estava
desbotado. Se tivessem filiado a Escoteiros do Brasil teriam que fazer uma Assembleia
do Grupo, com todos os presentes inclusive os jovens e votar para escolher o
que iriam usar. Assembleia? Poucos pais compareciam, chefes era só ele. Quando
fizeram o tal vestuário ele e seus meninos nunca foram consultados. E o preço?
Não era o que sempre pensou quando adotou a filosofia escoteira que nem sabia
explicar. Ele não se preocupou. Não ligou. Continuou fazendo seu escotismo como
gostava e com o velho saber de seu líder Baden-Powell.
- Mosquito tinha doze
anos. Sonhava. E como sonhava. Era considerado a mascote do Grupo Escoteiro e
recebeu o apelido carinhoso de Escoteirinho de Brejo Seco. Sua avó era cega,
recebia do Bolsa Família um dinheirinho que dava para comer arroz e farinha.
Algumas vezes feijão. Ganhou seu uniforme de Pedrinho quando passou para os
seniores. Pequeno não podia trabalhar. Várias vezes sonhou em ir a um Jamboree.
Quando soube da taxa chorou. Nunca poderei ir pensou. Soube que o Grupo da
Cidade vizinha tinha ido. Encontrou com Antonio Mauro o filho do comendador.
Falou maravilhas. Mosquito queria sentir inveja, mas não sentiu. Sabia que
faziam belos acampamentos, belas aventuras e isto não tinha preço. Lagrimas
correram quando o Chefe Zé das Quantas leu o comunicado da EB. – Chefe, vamos lutar
aqui ninguém vai fechar o grupo. Nós não vamos deixar. Afinal não vai ter
golpe!
Uma tarde eles
receberam uma visita. Um homem alto bem vestimentado com camisa fora da calça sorriso
nos lábios se apresentando como Advogado da EB. Abraçou todo mundo e prometeu
ajudar. Pediu que o apresentasse ao prefeito, ao presidente da Câmara dos
Vereadores, ele iria dizer a que veio. Ele sabia que aquele Chefe não tinha as
condições exigidas para liderar. Zé das Quantas se assustou. Quando o prefeito
iria recebê-lo? Nunca. O Argelino da Câmara? Sempre bêbado e nem sabia o que
dizia. Tentou explicar e nada. O Advogado partiu e disse que nada poderia
fazer. Ele iria receber uma intimação do processo que iriam abrir. – Melhor Zé
é fechar seu grupo. Vai evitar dissabores e gasto que vocês não podem fazer. Zé
das Quantas abraçado com Maria suspirava. – Mulher, eu amo você, mas amo o
Grupo Escoteiro. O que fazer? Não entendo de processo, de leis só entendo do
amor que criei entre a meninada e a fraternidade existente entre eles.
Bem a história termina por aqui. Sei que floreei
muito. Criei sentimentos, criei interpretações às vezes dúbias quem sabe falei
demais. Desculpem mas dizem que sou um escritor de araque e nem sei dar um
sabor as minhas narrativas. Sou culpado por ser sentimental demais. Mas isto é
uma quimera? Nunca existiu tal fato? Quem acompanhou várias associações e
também alguns chefes ameaçadores em alguma cidade do nosso país, sabe que
aconteceu e ainda acontece. A Escoteiros do Brasil atualmente calada não
explica as sentenças judiciais que perde uma atrás da outra. Gastou centenas de
milhares nesses processos e ainda está sujeita a pagar indenizações vultosas
aos que não se sentiram satisfeitos por serem acusados nos tribunais. Penso o
dia que estes processos chegarão ao Supremo Tribunal Federal. Televisado para
todo Brasil. Belo exemplo de lideres escoteiros que se esqueceram do seu
principal artigo da lei: - O Escoteiro é irmão de todos e irmão dos demais
escoteiros. Zé das Quantas não vai ver ele mal sabe o que significa a sigla STF
Supremo Tribunal Federal. Seu escotismo continua puro conforme sempre
acreditou.
Esquecem os donos do
poder que precisamos de um marketing perfeito para mostrar o que somos.
Atitudes como estas não dignificam a nenhuma associação que preza uma Lei e uma
promessa nos conformes do fundador Robert Baden-Powell. Zé das Quantas nem sabe
o que é um processo e quem vai pagar as custas de tudo. De uma coisa eu sei, Zé
das Quantas e o Escoteirinho de Brejo Seco estarão por aí a escoteirar, fazendo
escotismo de qualidade nas montanhas, florestas do Brasil.