Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Quando setembro vier.
Nota – Escrevi esta crônica em setembro de 2012. Um amigo
compartilhou e as lembranças afloraram. Espero que ainda tenha o mesmo encanto,
já que quando setembro vier eu estarei aqui meditando nos meus setembros que
não voltam mais.
Setembro vem aí, mês calmo, mês que gosto de sentar na
varanda e me lembrar do passado. Assim é setembro. Todos os tempos, todos os
períodos são bons enquanto vivemos. Pode ser no passado ou presente. Podemos
fazer diferente, igual e isto não é importante. O escotismo é único e mesmo
querendo que outros passassem pelo que muitos antigos escoteiros passaram sei
que é impossível.
Lembro que era um tempo de ventos amigáveis, sem as
atribulações de hoje. Podíamos sair por aí sem as preocupações que acometem a
esta era moderna. Ainda bem que a promessa, as formaturas e o sistema de
patrulhas mal ou bem se mantêm e isto é bom. O que não mudou são os sorrisos.
Os mesmo ontem e hoje. Adoro-os. Os meninos e as meninas nos fazem
rejuvenescer. De vez em quando converso com um e outro e vejo que eles também
têm histórias para contar. Formidável. A chama ainda não se apagou e acho que
não irá se apagar nunca.
Hoje vejo que muitos se complicam para fazerem um
programa nas mãos dos chefes. Antes não. Em mãos dos escoteiros. Claro, hoje
não seria possível dizer a minha mãe e meu pai que iria acampar em Santa Maria
de bicicleta. 250 quilômetros ida e mais 250 quilômetros volta. Oito dias. Qual
Chefe vai? Nenhum! Qualquer pai de hoje cairia da cadeira se ouvisse isto. E se
dissesse que conseguimos passagens gratuitas até Caparaó de trem. Pai, vamos
aproveitar as férias e da uma volta no Pico da Bandeira. Serão só dez dias.
Sabia pai que Caparaó significa águas cristalinas que
rolam da serra? Sabia pai que o Pico da Bandeira se chama assim porque o
Imperador Pedro II mandou colocar uma bandeira em seu cume? Sabia pai que A
serra do Caparaó, além do pico da Bandeira, tem ainda o Pico do Cruzeiro, o
Pico do Calçado, O Morro da Cruz do Negro, o Pico da Pedra roxa, o Pico dos
Cabritos ou do Tesouro, o Pico do Tesourinha e ainda a Pedra Menina?
Vai ser difícil qualquer pai entender hoje. E quem vai com vocês? Ninguém pai. Somos Sênior e o senhor sabe, tropa Sênior, Sênior é, é que é bacana! Risos. Não cantávamos assim naquela época. Mas e o pai de hoje? Olhos esbugalhados, pensando, que diabos este escotismo pensa que é? E se ele nos visse no campo cortando madeira. “MADEIRA!” gritávamos. E Lá ia a tora caindo. Hoje não pode. Mas naquela época? Florestas enormes. Entrávamos nela como se estivéssemos passeando no “foot” de nossa cidade. (foot, praça onde aos sábados e domingos a noite ficávamos ali a paquerar as lindas meninas). De dia ou de noite varávamos trilhas, matas, atravessávamos rios, e quando desse sono era só deitar na relva, na pedra ou em qualquer lugar e dormir.
Hoje? Impossível. Já pensou? Um Chefe no nosso campo
dando “pitacos”? Nem pensar. Bastava um sisal ou um cipó a 30 cms do chão e
ninguém passava. Todos sabiam que deviam ir na entrada onde existia o pórtico
bater palma e pedir licença. Afinal era nossa casa e não a casa da “mãe
Joana!”. Chefe, você ensinou ao nosso Monitor, deixe a patrulha fazer, por
favor! Vá para sua barraca, faça lá suas pioneirías, sua refeição. Quem sabe
hoje à tarde quando da apresentação do jantar pronto o convidamos?
Setembro vai chegar e não vai demorar em ir embora. Não dá mais. Agora precisamos tomar cuidado. A marginalidade. Minha prova de jornada? Hoje poucos fazem. Pai, vamos eu e o Israel vamos fazer uma prova de jornada. Só nós dois. Serão só cinco dias. Vamos descer o Rio Boitanga de jangada que nós mesmos faremos e só levaremos sal e óleo. Serão pouco mais de cento e vinte quilômetros de corredeiras até a ilha dos Aimorés. Lá vamos conseguir comida! O que diria o pai hoje com este pedido? Só rindo. Está louco? Nem pense. Esqueça! Vou tirar você do escotismo.
Setembro, tão próximo e vai passar tão rápido. Ainda acredito que podemos fazer muito do que nós os antigos escoteiros fizemos. Não sei. Alguns chefes me dizem que fazem. Acredito. Mas rezo para que os chefes lembrem que seus escoteiros precisam de liberdade. Nem que seja vigiada, mas precisam. Lembro-me sempre do passado e das palavras de Kipling e até hoje penso que o escotismo tem ainda muito que aprender:
“Quem ao crepúsculo já sentiu o cheiro da fumaça de
lenha, quem já ouviu o crepitar do lenho ardendo, quem é rápido em entender os
ruídos da noite;... deixai-o seguir com os outros, pois os passos dos jovens se
volvem aos campos do desejo provado e do encanto reconhecido...”.
KIPLING