segunda-feira, 10 de junho de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. 80 anos de uniformização tradicional.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
80 anos de uniformização tradicional.

80 anos? Não sei. Historiadores dizem ser muito mais. Eu o conheci em 1947. Meus chefes diziam que era nosso uniforme oficial. Vi alguns grupos com calça azul e camisa caqui. Desapareceram com o tempo. O caqui tornou-se uma vestimenta nacional. Havia um orgulho, uma altivez no porte, e porque não dizer vaidade em ser considerado único. As modalidades do mar e do ar se orgulhavam do seu. Um pequeno desenho cujo autor desconheço, dizia lá pela década de cinquenta sobre o desenho de vários tipos de uniforme – Básico ar e mar: - “E ainda dizem que somos um movimento uniformizado”. Ah se visem o que é hoje! Havia uma certa dignidade quando se portava o caqui, seja aonde for. Ver escoteiros e chefes dignamente uniformizados era exemplo a ser seguido por todos com orgulho e paixão.

A preocupação da aba do chapéu, as pontas bem dobradas, o garbo do passar, de usar, do meião sem estrias, do sapato engraxado, do cinto limpo e das fivelas brilhando. As estrelas de atividade de metal faziam gosto de ver. Cada distintivo no seu local, nada fora do lugar. Não importa onde se estivesse em atividade escoteira o uniforme se vestia completo. Afinal foi uma época de difícil facilidade na aquisição dos acessórios que o acompanhavam. Conheci escoteiros que passavam seus fins de semana quando não estavam acampando limpando quintais, engraxando sapatos, fazer “mandados” da vizinhança só para poder ganhar uns trocados e comprar aquele que era seu sonho, os seus adicionais, o cantil, a faca, a machadinha e tantos mais. Papai e mamãe ajudavam quando podiam sem se sacrificar.

Sem menosprezar, éramos conhecidos. O Sempre Alerta, a Palavra de Honra, a boa ação, o chapelão, a cor do lenço a bermuda curta, e o melhor diziam sobre nós: - São aqueles que gostam de um sorriso e é escoteiro de corpo e alma! Não que hoje isso não aconteça mais, significativamente bem menos do que o passado escoteiro. Dia do escoteiro lá íamos uniformizados... Desfile e solenidades? Sempre muito bem apresentados, e fazíamos questão do garbo e era com um sorriso escondido que víamos as palmas da população a dizer: - São escoteiros... Escoteiros do Brasil. Fui testemunha onde passei. Adorava gravuras, fotos, símbolos e propagandas de empresas escrevendo notoriamente sobre o escotismo de Baden-Powell que hoje não existem mais. Não vendíamos biscoitos e nem saiamos pela rua catando coisas, pois ali só passávamos a cantar e marchar para um local qualquer escolhido e acampar.

Os anos passaram. Novos chegaram. Exigiram mudanças. Chefe! Os tempos são outros gritavam os sem memória. Chefe a modernidade chegou, agora temos uma nova era social, cultural econômica já vigente no mundo todo. Estamos na época moderna, pré-moderna ou para ser sincero na pós-moderna. No meu canto raciocinava onde iríamos parar. Sei que não poderíamos parar no tempo. Havia necessidade de adaptar as novas situações. Mas abruptamente chegaram os “çabios” os pedagogos e que se diziam estudiosos da nova formação educacional e a assenhorar de tudo que diziam se locupletando a dizer que sabiam o que eles queriam (os jovens) e quais os seus objetivos finais. Baden-Powell? Suas propostas, seus métodos suas criações ficaram escondidas em algum quintal imaginário onde poucos podiam chegar.

Aos poucos foram alterando nomes, nomenclaturas, dísticos num sem parar para perguntar ou mesmo saber a opinião daqueles que estavam ainda a vivenciar um escotismo que consideravam retrógado. Reconhecidos por nossa identidade tradicional vieram a mudar para os simplórios e pomposos nomes usados na hierarquia mundial. Breve teremos um “Boss” um President e um Director, pois Scout está na moda. Escoteiro? Esquece, agora é Scout. O sistema de progressão foi modificado de cima em baixo. No afã de ganhar mais nas suas publicações e materiais, alterou-se distintivos, literatura e outros mais. Nunca em tempo algum fizeram pesquisas. Nunca perguntaram se estavam no caminho do sucesso contrário ao pensamento do fundador. Seu livro antes intitulado Rovering to Success (A caminho do Triunfo) foi esquecido. O exemplo da liderança na sua apresentação é um marketing forçado para que se copiem suas performances e suas megalomanias.

Hoje os defensores da nova apresentação pessoal cresceu. A tradição o passado ficou na margem do tempo. Eles os novos não se importam. Tentam justificar os erros e se haver acertos poucos comentam, pois não sabem. Artigos e reclamações pedem para melhorar a confecção do vestuário. Danado de vestuário. Impuseram na calada da noite, discussões e aprovação sem perguntar a ninguém se era assim que deveria ser. Num espetáculo digno de um Fashion Week, onde dizem uma estilista foi uma das responsáveis na criação, ao som de musica própria eis que fizeram a apresentação. Dezoito tipos dançantes mostrando a nova performance do novo vestuário e ali queriam decretar o fim do verdadeiro líder, aquele que se posou para a posteridade como um uniforme conhecido por toda população do Brasil durante 80 anos.

Se hoje alguns se ressentem com a confecção, com o péssimo gosto do tecido que desbota e nem mesmo pode ser considerado uma vestimenta durável, com fácil combustão para atividades mateiras, poucos se queixam. A uma aceitação soberba de disciplina que nem pensa nos seus direitos. O preço não importa. A maioria pode pagar. Liberdade de escolha ainda existe, mas o sonho dos soberbos lideres é ter um só uma só apresentação. Um dos notórios lideres convenceu da modernidade de colocar a camisa solta em cima da calça. Bendito seja! Os novos chefes, aqueles que não vieram do passado adoraram e deram seus exemplos para seus novos pupilos que nem sonham com o valor da tradição enterrada em um cemitério qualquer onde jazem os antigos escoteiros que tiveram seu orgulho em vestir o que acreditaram ser a verdadeira apresentação escoteira. Costumo brincar que não se precisa de cinto. Amarre a calça com embira barbante sisal ou cipó. Rarará! Sem ofender, desculpe!

Vejo constrangido diversas posições de chefes nas redes sociais ou mesmo em conversas privadas usando tal vestuário, sem se importar com a apresentação ou mesmo não se importando o que pensa a comunidade que ainda aplaude o escotismo que hoje fechado entre muros de sedes à maioria nem sabe onde estão. As cantigas, as marchas, as idas nas ruas da cidade para as jornadas, os grandes acampamentos de tropa, os azulões (lobinhos) que estão deixando de existir foram transformados nas nova mentalidade de uma tal modernidade que nem sequer respeitou o desejo de uns e outros que pensavam de maneira diferente. Me escondo no que escreveu Baden-Powell: - Tem gente que um gansinho, daqueles que vão atrás... Nas pisadas do pai ganso, vai correndo o filho atrás. Sem ofender a quem quer que seja!