Crônicas
de um velho Chefe escoteiro
-
Não me levem a mal, afinal sou um escoteiro das antigas.
Às
vezes penso porque insisto no escotismo que adotei quando criança e que
permanece até hoje já no fim dos tempos como um Velho Chefe Escoteiro. Será
pela beleza do programa escoteiro de Baden-Powell que adotei? Será pela sua
filosofia? Ou quem sabe será porque aceitei a Lei Escoteira como Principio de
vida? Não sei. Realmente não sei. Amei tudo que fiz e nunca me arrependi a não
ser quando sozinho resolvi fazer uma jangada para atravessar o rio Doce abaixo
de Crenaque, ela pesada afundou e... Eu quase fui com ela! Houve sim outros
contratempos. Humanos que se diziam escoteiros e achavam que o errado era eu...
Porque não aceitavam a discussão com bom senso, quem sabe só porque achavam que
o escotismo deles era mais perfeito que o meu? Ora bolas, vi os resultados, mas
os deles não. Fui afoito, brabo, brigão, desordeiro e metido a chefão dizendo
coisas que hoje pensando bem não iria repetir. Desculpem, fui errado em achar que
era um calejado conhecedor do Escotismo de BP. Uma vez um Chefe que respeitava
me disse sem meias palavras: - Vado meu amigo, ser afável, amável, compassivo e
delicado se conquista mais que ser o melhor, o mais entendido o respeitável que
eles acreditam não ser tanto assim...
Fui
para casa remoendo se ele estava certo ou errado. Várias vezes tive a
petulância de pensar em sair do escotismo. Ao chegar em casa me olhava no
espelho sorria e dizia: - Meu! Escoteiro para sempre ou um rato para sempre? Fui
de tudo um pouco no escotismo. Abracei, elogiei, fiz careta, dei “banana”
retruquei, contestei e quer saber? Tudo que pensei que poderia acontecer
aconteceu. Não abandonei a luta. Sempre jogado a escanteio, mas firme pensando
estar no meu direito. Desafiei o alto escalão, fiz troça de Soberbos membros da
Formação, exigiram a devolução dos tacos que me deram, dos certificados... Não
devolvi minha Insígnia e as medalhas. Eram minhas por direito. Não foram
doadas... Lutei para conseguir. Não importa se foram poucas, se não tenho as
mais famosas, aquelas que os possuidores de direito usam penduradas no
pescoço... E porque escolhi o caminho de continuar sem ser? Ops! Sem ser? Sim,
não arredo o pé da União dos Escoteiros do Brasil. Estou fora da Escoteiros do Brasil.
Sou amante do que fiz, acredito no direito democrático de discordar, não falo
pelos cotovelos, vou direito ao ponto... Se não faço meu registro anual é
porque sei que iria ser ridicularizado, execrado e até expulso! Mas quem deles
teriam o direito de me expulsar? Afinal são anos e anos escoteirando. Centenas
de atividades de campo, quase oitocentas noite de acampamento, jornadas a pé,
de bicicleta, de carona, pois até mochileiro eu fui!
Não
fui Primo, nem segundo e nem Mor. Na Patrulha era um reles escriba, também não
fui sub e nem Monitor. De tudo fui um pouco, tirei minha primeira e segunda
estrela na marra. Fui Escoteiro Primeira Classe, e conquistei 18
especialidades. Fui Sinaleiro, cozinheiro, Acampador, Enfermeiro, Construtor de
Pioneirías em uma época que tirar uma especialidade não era para qualquer um. Diferente
de hoje... Novas normas, novas pedagogias de crescimento. Um dia sonhei ser Guia,
mas um sabido da UEB enterrou meus sonhos cancelando esta hierarquia na tropa.
De raiva fui Chefe de Lobos, de Tropa, de Sênior e pioneirei junto com amigos
pioneiros nos verdes campos do Brasil. Tive a honra de Ser Diretor de
Adestramento Regional e Comissário Regional, hoje título pomposo de Diretor ou
Presidente. Melhor Comissário... Mais tradicional escoteiramente mais
respeitoso... Saudades do Chefe do Grupo e de tantos nomes que os “çabios”
Escoteiros modernos enterraram no rio do esquecimento... Um dia fui Insígnia de
Escoteiros, depois de Lobinhos e Chefe de Grupo... Resolveram me dar o lenço
que uso até hoje... Velhinho, carcomido, mas que amo demais.
Perdi
a conta de Cursos Escoteiros que colaborei e dirigi. Quanto vale cada um? Tem
valor na Escoteiros do Brasil? Qual o preço dos meus 71 anos de escotismo? Qual
o respeito que demonstraram por mim quando me revoltei e disse que estava tudo
errado? Que adiantou ser quatro tacos? Me ouviram? Ouvem alguém? Cada um dos
poucos que lá estão lutam para permanecer... No poder... Um dois dezenas de
anos. Outros não se incomodam com os cargos, estão satisfeitos em ser um
Chefão, olhado com respeito com suas medalhas e sorrindo com a de Velho Lobo!
Não comento mais as diretrizes, as normas, pois até desmerecer a lei,
principalmente o sexto artigo se calam nos melindres do poder. Defendem com unhas
e dentes o Estatuto feito para permanecerem no poder. Dão preferencia os novos.
Lavagem cerebral de primeira. Quantas arrogâncias... Quantas empáfias...
Quantos atrevimentos em faltar com o respeito do subordinado... Afinal somos
voluntários ou empregados da Escoteiros do Brasil? Convencidos do poder que
ostentam valores que não tem. Mas isto meu “compadre escoteiro” faz parte, faz
parte da insolência, da bazófia em inventar o que não devia ser inventado e sim
adaptado.
Às
vezes me pergunto onde foi parar a Lei. Sim a Lei do Escoteiro, pois a Promessa
é várias vezes renovada em cerimonias escoteiras para não ser esquecida. Já me
acostumei com os que partiram para a Legião de Esquecidos, que um dia aqui se
vangloriavam do amor escoteiro e hoje cansados, desiludidos partiram para
outros caminhos levados pelo vento à procura de novas histórias... – Chefe estou
saindo! Dizer o que? São culpados? Ainda vejo bom escotismo, em chefes que se
preocupam com os jovens, que ouvem o que eles dizem que dão liberdade de fazer
fazendo e não esta brincadeira feita de um programa infantil mais voltado para
as salas de aula modernas que do verdadeiro escotismo aventureiro.
Me
desculpem, foi um desabado. Sou um Velho Chefe
Escoteiro no fim da idade. Já me criticaram por dizer que no meu tempo era
diferente. Era sim, uma época que na liderança da União dos Escoteiros do Brasil
havia respeito, fraternidade e cortesia por parte dos Chefões e de orgulhar em
apertar sua mão esquerda. Havia sonhos de encontrar Velhos Lobos para
conversar, ouvir, aprender e agir conforme as ideias do fundador. Hoje sou
apenas uma figura de um escritor escoteiro, dizendo “besteiras” como muitos me
intitulam. Pela manhã me olho no espelho. Não vou desistir. Criticar para
mostrar o melhor caminho sempre foi o meu lema. Não cobro nada do que faço ou
do que farei. No escotismo me entreguei por inteiro, sem dinheiro e sem nada
receber. Sei que muitos não simpatizam com minha maneira de ser... Das breguices
que na velhice melosamente me ponho a escrever... Paciência!
Continuo repetindo os Chefes que foram meus Gurus no passado: Um
deles publicou em vários idiomas que “Os únicos capazes e possíveis de por o
escotismo a perder são os próprios chefes e dirigentes”! Que Deus me mostre o
caminho da verdade de Baden-Powell mesmo não estando mais aqui entre meus
irmãos escoteiros.