Baden-Powell, por Winston Churchill.
Retirado do livro
“Grandes Contemporâneos” - 1937.
Traduzido da versão em
espanhol Por Clóvis Henrique.
- Os três
generais mais famosos que conheci em minha vida não se destacaram por ganharem
batalhas contra inimigos estrangeiros. No entanto, seus nomes, todos os quais
iniciados por “B”, se converteram para nós em expressões familiares. São os
generais Bootli, Botha e Baden-Powell. Ao general Booth nós devemos o Exército
da Salvação, ao General Botha, a União Sul-Africana e ao General Baden-Powell,
o Movimento Escoteiro.
- Dadas
as incertezas deste mundo, de nada podemos estar certos, no entanto parece
provável que daqui a uns duzentos anos ou mais, as obras destes três grandes
homens estarão propagando a fama de seus criadores. Não com um testemunho frio
de bronze ou pedra, mas sim como instituições que guiam e formam vidas e pensamentos
dos homens.
- Recordo-me
perfeitamente da primeira vez que vi o herói deste artigo, hoje Lord Baden
Powell. Eu tinha ido com minha equipe para participar da copa de cavalaria em
Meerut. Nesta localidade estavam situados os círculos sociais e desportivos do
exército inglês na Índia. Durante a noite diante de numerosa plateia eram
feitas pequenas apresentações teatrais e a atração principal se constituía em
um animado número de música e dança levado a cabo por um oficial da tropa,
vestido com uniforme brilhante, e por uma bela senhora.
- Ocupando,
entre os outros jovens oficiais, uma cadeira na plateia, me causou surpresa a
excelente apresentação que poderia competir com vantagem com qualquer dos
teatros de variedades da época. Disseram-me: “Este é B-P, um homem
extraordinário! Ganhou a copa Kadir, tem muitos anos de serviço em nossa
corporação. Falam muito e não acabam os seus méritos como militar, no entanto
não deixa de ser surpreendente ver um oficial antigo dançar com tanto
entusiasmo diante de seus subalternos!” Tive a sorte de conhecer essa
celebridade de várias facetas antes que fossem encerradas as competições.
- Três
anos se passaram antes que eu o voltasse a ver. O cenário e a ocasião eram
distintos. O exército do Lord Roberts acabava de entrar em Petroria e o General
Baden Powell, que acabava de ser liberado de Mafeking após um cerco de 217
dias, vinha a cavalo por duzentas ou trezentas milhas desde Transvall para
apresentar-se ao General Chefe e apresentar os relatórios de sua missão. Estive
com ele para uma entrevista com o objetivo de proporcionar ao jornal “Morning
Post” um relato fiel de sua famosa defesa.
- Cavalgamos
juntos durante pelo menos uma hora e quando por fim se decidiu falar, foi
esplêndido! Seu relato me comovia e ele se exaltava ao referir-se aos
acontecimentos. Antes de encerrá-lo, eu o mostrei e ele, após atenta leitura e
com certa demonstração de constrangimento, me devolveu sorridente, dizendo:
“Falar com você é o mesmo que falar com um gravador”. Eu não posso deixar de
reconhecer que me senti agradecido pelo comentário.
- Naqueles
dias, a fama de B-P como soldado era tamanha que virou um herói popular da
guerra. Afinal, vendo as outras bem organizadas tropas inglesas lutando com os Boers,
o povo não podia deixar de reconhecer e aplaudir a grande e obstinada defesa de
Mafeking feita de maneira incansável por um grupo de homens dez ou doze vezes
menos numeroso que o dos inimigos.
- Ninguém
acreditava que Mafeking resistiria à metade do tempo que assim o fez. Na época,
a incerteza e o desalento reinavam diante do temor da derrota. Milhões de
pessoas que não podiam acompanhar os detalhes dos acontecimentos da guerra
buscavam atentamente detalhes na imprensa sobre as desventuras dos sitiados de
Mafeking. E quando correram nos jornais as notícias de sua liberação, multidões
deixaram as ruas de Londres intransitáveis durante as comemorações.
- Os
festejos do mais puro patriotismo tomaram conta das pessoas com tal alegria que
só foi igualada com a declaração do armistício, em novembro de 1918. Mas a
noite de Mafeking tem sua marca. Na ocasião as pessoas não se comoviam pelos
danos da guerra, experimentavam emoções comparadas ao frenesi dos torcedores em
grandes espetáculos esportivos. Em 1918 os sentimentos de alívio e
congratulação se sobrepunham a alegria. Todos levavam em seus corações as
marcas dos sofrimentos passados.
- Causou-me
certo espanto em ver como B-P foi desaparecendo na hierarquia militar uma vez
que a guerra havia terminado. Ocupou alguns cargos honrosos ainda que de
importância secundária, no entanto todos os altos postos foram entregues a
homens cujas façanhas não transcendiam aos círculos militares e cujos nomes
jamais haviam recebido a recompensa do aplauso popular. Sem dúvida, Whitehal
não se sentia bem ao ver os aplausos desproporcionais que as massas haviam
acumulado sobre uma única figura. Não havia algo de “teatral”, de “não
profissional” em uma pessoa que suscita o entusiasmo ingênuo do homem da rua?
- A
versatilidade provoca sempre certa desconfiança nas esferas militares. As vozes
da inveja falavam de B-P. De todo jeito, a brilhante fusão da sorte e do êxito
foi de plano encoberta por uma nuvem fria, através da qual o sol brilhava, mas
com um raio tímido e não ofuscante. Os caprichos da sorte são incalculáveis,
incontáveis são seus métodos. Às vezes quanto mais indiferente se apresenta a
situação é quando está preparando seus mais surpreendentes dons. Que sorte foi
para B-P não estar no meio dos assuntos militares no início do século! (…) Foi
uma sorte para ele e para todos nós!
- A isso
se deve sua fama perenemente renovada, sua oportunidade de prestar serviços
pessoais do mais duradouro caráter, e a ele devemos uma instituição e
inspiração tipicamente britânica, essências puras de seu gênio, encaminhadas a
unir em um laço de camaradagem não só a toda a juventude do mundo da língua
inglesa, mas de quase todas as terras e povos abaixo do Sol.
- Foi em
1907, que B-P implantou seu primeiro campo para ensinar os garotos a arte de
explorar bosques e a disciplina da vida de descobertas. Vinte e um garotos de
todas as classes, desde o extremo de Londres até Eton Harrow. Montaram suas
pequenas barracas na ilha de Brownsea em Dorsetshire. Desde modesto início
surgiu o movimento mundial do escotismo, constantemente renovado no transcurso
dos anos, até alcançar hoje uma força que excede em muito os milhões de
associados.
Em 1908,
o explorador chefe, como ele se chamada, publicou seu livro “Escotismo para
Rapazes”. Suscita em todos os espíritos da aventura e o amor pela vida ao ar
livre que é tão forte na infância. Mas, sobretudo desperta os sentimentos de
cavalheirismo e essa correção e empenho nos jogos, seja o sério ou o inútil,
que constituem a parte mais importante do sistema educacional britânico. O
sucesso foi imediato e transcendental. O uniforme simples, calça e camisa
cáqui, que estava ao alcance de todos, foi inspirado na antiga tropa do
exército de Baden-Powell.
- O
chapéu foi o famoso, com as abas retas, que havia sido usado em Mafeking. O
lema “Sempre Alerta” (Be Prepared) estava formado por suas iniciais. Quase
imediatamente vemos nos dia de festa, pelos caminhos da Grã Bretanha, pequenas
tropas e patrulhas de exploradores, grandes e pequenos, bastão na mão,
avançando animados até os bosques e terrenos demarcados que por sua exemplar
conduta eram rapidamente franqueados. Imediatamente brilharam os fogos de viva
de um grande exército, cujas filas nunca estarão desertas e cuja marcha não
acabará enquanto fluir o sangue pelas veias da mocidade.
- É
difícil entender a saúde mental e moral que esta simples e profunda concepção
trouxe a nossa pátria. Naqueles dias passados, o lema “Sempre Alerta” teve um
significado especial para o país. Os que avistavam a proximidade de uma grande
guerra acolheram com simpatia o despertar da adolescência inglesa. E ninguém,
nem sequer os mais pacifistas puderam sentir-se ameaçados, porque o movimento
não tinha caráter militar, e até os mais ásperos críticos viram como um meio de
dissipar a vadiagem juvenil.
- Muitas
instituições veneráveis e muitos regimes famosos foram honrados por homens que
pereceram na tormenta, mas o movimento escoteiro sobreviveu. Sobreviveu não só
a grande guerra, mas às dificuldades do pós-guerra. Enquanto tantos elementos
da vida e do espírito das nações pareciam perdidos, aquele movimento florescia
e crescia incessantemente. Seu lema adquire novo significado nacional à medida
que os anos passam sobre nossa ilha. Leva a todos os corações sua mensagem de
honra e dever: “Sempre Alerta” para se levantar e defender o direito e a
verdade seja de que forma os ventos soprem.
Nota –
Este é um artigo longo, quase três páginas. Não tive como diminuir. A história
contada por Winston Churchill tem um toque
especial. Relembra vários fatos que ficaram na história do Escotismo. Churchill
um dos homens mais importantes da história contemporânea é reconhecido até hoje
como um politico conservador e estadista britânico e famoso por sua atuação
como primeiro-ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial.
Arrisquem-se a ler. Vale a pena!