sábado, 28 de abril de 2018



Mafeking!
"Tudo bem. Quatro horas de bombardeio. Um cachorro morto."

Todos reconhecem que sem B.P. o Escotismo jamais teria visto a luz do dia. A isto, pode ser acrescentado que sem o prestígio mundial dele, como herói de guerra, o Movimento Escoteiro nunca teria alcançado suas atuais dimensões. O renome de B.P., como herói de guerra, foi ganho no período de 11 de outubro de 1899 a 17 de maio de 1900 - exatamente em 217 dias. Nos quase sete meses, ele emergiu como salvador do que será para sempre conhecido na história como o cerco de Mafeking, uma cidadezinha obscura localizada na África do Sul que, por acidente, foi projetada no palco mundial quando se tornou cenário do conflito entre os "Boers" e os britânicos. A reputação, em âmbito mundial, de B.P, pode remontar-se ao papel que ele desempenhou no cerco de Mafeking.


Não é fácil explicar a histeria coletiva que tomou conta do povo britânico - normalmente tão calmo e fleumático -, quando foi anunciado o levantamento do cerco àquela cidade, há tanto tempo esquecida. Mas, nada era normal, naqueles dias frenéticos do mês de maio de 1990, e a Nação Britânica deu vazão ao seu alívio e aclamou o seu herói - Baden-Powell - e, ele próprio, ficou assombrado com a fama que lhe impuseram. O telegrama anunciando a boa notícia levou cerca de dez horas para chegar, de Pretória a Londres. Caiu no birô de notícias da Reuther 17 minutos após as 9 horas da noite. Meia hora mais tarde, uma imensa multidão invadiu as ruas de Londres para irromper em uma orgia de comemorações, e que foi seguida pelo resto do país, alguns minutos depois.

Plateias, artistas, atores, nos teatros de variedades, levantaram-se, espontaneamente, para cantarem o hino nacional. A Rainha Vitória abandonou a mesa do jantar para despachar telegramas de congratulações, em nome do Império Britânico, a Baden Powell e às tropas dele, a milhares de milhas de distância, na África do Sul. Os jornais, em edições especiais, descreveram a bravura das forças britânicas, como "uma nova página na história do heroísmo humano". B.P. foi promovido a General de Divisão na hora - o mais jovem naquele posto, do Exército Britânico. Estava com 43 anos de idade. Um modelo dele, em cera, tomou lugar na plataforma dianteira, do famoso Museu da Madame Tussaud, em Londres. O vencedor de Mafeking, repentinamente, tornou-se o maior herói, depois de Nelson e Wellington.

Com todo o devido respeito às vítimas inocentes da legendária Mafeking, deve ser mencionado que o cerco não foi notável pela bravura, de qualquer dos lados. Ao todo, 20.000 granadas caíram sobre a cidade, umas 100 por dia, causando danos relativamente pequenos e interferindo muito pouco na vida quotidiana dos seus defensores. Além disto, Mafeking em tempo algum esteve inteiramente sitiada pelos 'Boers'. Espiões e mensageiros entravam e saíam livremente e, consoante às palavras de um historiador moderno e irreverente, sobre o evento, os piores inimigos das tropas e da população, na cidade sitiada, eram as pulgas, moscas, mosquitos e formigas. Os suprimentos de alimentos eram adequados e não havia nem mesmo falta de diversão. Por exemplo, o jantar oferecido às vésperas do Ano-Novo, que constituiu de uma dúzia de pratos diferentes, não poderia ter difamado um hotel três estrelas. Jogos de polo e de cartas (bridge), bilhar e apresentações teatrais, animavam uma atmosfera que se caracterizava especialmente pelo aborrecimento.

Houve, por certo, alguns casos fatais e de danos materiais, mas o número total de mortos não foi superior a 400. Pelo lado britânico, os combatentes totalizavam 1.213 oficiais e praças, e 6.000 pelo lado dos "Boers". A população civil, na cidade sitiada, era estimada em 1.800 brancos - incluindo mulheres e crianças - e 7.500 negros. Tampouco foi exorbitante o custo da guerra - 123.251 libras esterlinas, que incluíram custos de alimentação dos defensores e a compensação dos danos causados pelas granadas à população local.

E, antes de tudo, não foi um cerco sangrento. De fato, houve apenas dois confrontos, que poderiam ser descritos como violentos. Não admira, pois, que o cerco de Mafeking tenha sido habilmente descrito por um eminente historiador como "a última das guerras de cavalheiros". A título de esclarecimento, as hostilidades cessavam nos domingos que eram observados como uma espécie de trégua não oficial, por ambos os lados. Aquele era o dia consagrado à igreja, ou para descanso e, para que as mulheres lavassem e passassem a ferro as roupas. Bandeiras brancas emblemas da Cruz Vermelha eram escrupulosamente respeitados e os mensageiros que portavam cartas dos atacantes eram tratados com deferência e até cumulados com presentes.

O império Britânico estava no ápice de sua glória e era inconcebível que a "Paz Britânica" pudesse ser perturbada por qualquer quadrante do mundo. Duas repúblicas absurdas, como eram chamadas pela imprensa britânica - O Transvaal (comumente conhecido como República Sul Africana) e o Estado Livre de Orange, habitadas por camponeses frustrados e religiosos - tinham ousado torcer a cauda do invencível Leão Britânico, para divertimento do resto do mundo.

A despeito de sua superioridade numérica e técnica, o Exército Britânico tinha sofrido humilhantes e inesperadas derrotas e o obscuro cerco de Mafeking tornou-se, repentinamente, o símbolo da sobrevivência do Império Britânico - o maior que o mundo tinha até então visto. Após a humilhante derrota em Magersfontein - um evento que traumatizou a opinião pública britânica, mais do que qualquer outro, durante a era Vitoriana - as esperanças da Nação estavam centralizadas sobre Mafeking. Resgatar a cidade do domínio do 'Boers', tornava-se um ponto de honra.

Quanto a Baden-Powell, estranho foi o destino dele: um soldado por acidente, herói por acidente que preencheu, assim, uma necessidade do público. Ninguém contestou suas qualidades e, positivamente, não em nível militar. Com um punhado de homens apenas, tinha resistido a um grande exército que era no mínimo, três vezes mais numeroso, e permitido, assim, que o grosso das desorganizadas tropas britânicas se reagrupasse para um contra-ataque. Em nível humanitário, igualou-se à imagem que o público tinha criado em torno da personalidade dele: calmo, fleumático, corajoso e capaz de realiza atos de heroísmo onde que surgisse a necessidade. E o senso de humor dele apenas aumentou sua popularidade. Era mestre em elaborar boletins autocríticos de guerra: "Tudo bem. Quatro horas de bombardeio. Um cachorro morto.”.

Nota – Existem muitas versões sobre o Cerco de Mafeking. Dizem os historiadores que sem essa Batalha Baden-Powell não seria conhecido como é hoje. Verdade ou não seu estilo sua maneira de agir, o famoso “Jogo de Blefes de Mafeking” o tornou um herói que o elevou ao nobre titulo de Lord e após o de Sir pela Rainha. Convenhamos que defender uma cidade aberta com pouco mais de 800 soldados contra mais de 6.000 dos Boers é um feito que não pode ser desconsiderado. Aguardem outras publicações de Mafeking.