Mafeking!
"Tudo
bem. Quatro horas de bombardeio. Um cachorro morto."
Todos reconhecem que sem B.P. o Escotismo jamais teria visto
a luz do dia. A isto, pode ser acrescentado que sem o prestígio mundial dele,
como herói de guerra, o Movimento Escoteiro nunca teria alcançado suas atuais
dimensões. O renome de B.P., como herói de guerra, foi ganho no período de 11
de outubro de 1899 a 17 de maio de 1900 - exatamente em 217 dias. Nos quase
sete meses, ele emergiu como salvador do que será para sempre conhecido na
história como o cerco de Mafeking, uma cidadezinha obscura localizada na África
do Sul que, por acidente, foi projetada no palco mundial quando se tornou
cenário do conflito entre os "Boers" e os britânicos. A reputação, em
âmbito mundial, de B.P, pode remontar-se ao papel que ele desempenhou no cerco
de Mafeking.
Não é fácil explicar a histeria coletiva que
tomou conta do povo britânico - normalmente tão calmo e fleumático -, quando
foi anunciado o levantamento do cerco àquela cidade, há tanto tempo esquecida.
Mas, nada era normal, naqueles dias frenéticos do mês de maio de 1990, e a
Nação Britânica deu vazão ao seu alívio e aclamou o seu herói - Baden-Powell -
e, ele próprio, ficou assombrado com a fama que lhe impuseram. O telegrama
anunciando a boa notícia levou cerca de dez horas para chegar, de Pretória a
Londres. Caiu no birô de notícias da Reuther 17 minutos após as 9 horas da
noite. Meia hora mais tarde, uma imensa multidão invadiu as ruas de Londres
para irromper em uma orgia de comemorações, e que foi seguida pelo resto do
país, alguns minutos depois.
Plateias, artistas, atores, nos teatros de
variedades, levantaram-se, espontaneamente, para cantarem o hino nacional. A
Rainha Vitória abandonou a mesa do jantar para despachar telegramas de
congratulações, em nome do Império Britânico, a Baden Powell e às tropas dele,
a milhares de milhas de distância, na África do Sul. Os jornais, em edições
especiais, descreveram a bravura das forças britânicas, como "uma nova
página na história do heroísmo humano". B.P. foi promovido a General de
Divisão na hora - o mais jovem naquele posto, do Exército Britânico. Estava com
43 anos de idade. Um modelo dele, em cera, tomou lugar na plataforma dianteira,
do famoso Museu da Madame Tussaud, em Londres. O vencedor de Mafeking,
repentinamente, tornou-se o maior herói, depois de Nelson e Wellington.
Com todo o devido respeito às vítimas inocentes
da legendária Mafeking, deve ser mencionado que o cerco não foi notável pela
bravura, de qualquer dos lados. Ao todo, 20.000 granadas caíram sobre a cidade,
umas 100 por dia, causando danos relativamente pequenos e interferindo muito
pouco na vida quotidiana dos seus defensores. Além disto, Mafeking em tempo
algum esteve inteiramente sitiada pelos 'Boers'. Espiões e mensageiros entravam
e saíam livremente e, consoante às palavras de um historiador moderno e
irreverente, sobre o evento, os piores inimigos das tropas e da população, na
cidade sitiada, eram as pulgas, moscas, mosquitos e formigas. Os suprimentos de
alimentos eram adequados e não havia nem mesmo falta de diversão. Por exemplo,
o jantar oferecido às vésperas do Ano-Novo, que constituiu de uma dúzia de
pratos diferentes, não poderia ter difamado um hotel três estrelas. Jogos de polo
e de cartas (bridge), bilhar e apresentações teatrais, animavam uma atmosfera que
se caracterizava especialmente pelo aborrecimento.
Houve, por certo, alguns casos fatais e de danos
materiais, mas o número total de mortos não foi superior a 400. Pelo lado
britânico, os combatentes totalizavam 1.213 oficiais e praças, e 6.000 pelo lado
dos "Boers". A população civil, na cidade sitiada, era estimada em
1.800 brancos - incluindo mulheres e crianças - e 7.500 negros. Tampouco foi
exorbitante o custo da guerra - 123.251 libras esterlinas, que incluíram custos
de alimentação dos defensores e a compensação dos danos causados pelas granadas
à população local.
E, antes de tudo, não foi um cerco sangrento. De
fato, houve apenas dois confrontos, que poderiam ser descritos como violentos.
Não admira, pois, que o cerco de Mafeking tenha sido habilmente descrito por um
eminente historiador como "a última das guerras de cavalheiros". A
título de esclarecimento, as hostilidades cessavam nos domingos que eram
observados como uma espécie de trégua não oficial, por ambos os lados. Aquele
era o dia consagrado à igreja, ou para descanso e, para que as mulheres
lavassem e passassem a ferro as roupas. Bandeiras brancas emblemas da Cruz
Vermelha eram escrupulosamente respeitados e os mensageiros que portavam cartas
dos atacantes eram tratados com deferência e até cumulados com presentes.
O império Britânico estava no ápice de sua glória
e era inconcebível que a "Paz Britânica" pudesse ser perturbada por qualquer
quadrante do mundo. Duas repúblicas absurdas, como eram chamadas pela imprensa
britânica - O Transvaal (comumente conhecido como República Sul Africana) e o
Estado Livre de Orange, habitadas por camponeses frustrados e religiosos -
tinham ousado torcer a cauda do invencível Leão Britânico, para divertimento do
resto do mundo.
A despeito de sua superioridade numérica e
técnica, o Exército Britânico tinha sofrido humilhantes e inesperadas derrotas
e o obscuro cerco de Mafeking tornou-se, repentinamente, o símbolo da
sobrevivência do Império Britânico - o maior que o mundo tinha até então visto.
Após a humilhante derrota em Magersfontein - um evento que traumatizou a
opinião pública britânica, mais do que qualquer outro, durante a era Vitoriana
- as esperanças da Nação estavam centralizadas sobre Mafeking. Resgatar a
cidade do domínio do 'Boers', tornava-se um ponto de honra.
Quanto a Baden-Powell, estranho foi o destino
dele: um soldado por acidente, herói por acidente que preencheu, assim, uma
necessidade do público. Ninguém contestou suas qualidades e, positivamente, não
em nível militar. Com um punhado de homens apenas, tinha resistido a um grande
exército que era no mínimo, três vezes mais numeroso, e permitido, assim, que o
grosso das desorganizadas tropas britânicas se reagrupasse para um
contra-ataque. Em nível humanitário, igualou-se à imagem que o público tinha
criado em torno da personalidade dele: calmo, fleumático, corajoso e capaz de
realiza atos de heroísmo onde que surgisse a necessidade. E o senso de humor
dele apenas aumentou sua popularidade. Era mestre em elaborar boletins
autocríticos de guerra: "Tudo bem. Quatro horas de bombardeio. Um cachorro
morto.”.
Nota – Existem muitas versões sobre o Cerco de
Mafeking. Dizem os historiadores que sem essa Batalha Baden-Powell não seria conhecido
como é hoje. Verdade ou não seu estilo sua maneira de agir, o famoso “Jogo de
Blefes de Mafeking” o tornou um herói que o elevou ao nobre titulo de Lord e após
o de Sir pela Rainha. Convenhamos que defender uma cidade aberta com pouco mais
de 800 soldados contra mais de 6.000 dos Boers é um feito que não pode ser
desconsiderado. Aguardem outras publicações de Mafeking.