domingo, 10 de novembro de 2019

Conversa ao pé do fogo. Ser escoteiro. Pelo Chefe Português Vitor Simão.




Conversa ao pé do fogo.
Ser escoteiro.
Pelo Chefe Português Vitor Simão.

                  Ser Escoteiro... É um conceito de difícil definição... Não há consensualidade nas respostas encontradas para este conceito... A minha opinião em relação a este conceito é muito vasta. Para mim ser escoteiro não é ir somente no dia da atividade e apresentar-se perante o grupo, pensando que assim se está a cumprir o dever de Escoteiro. Ser Escoteiro é pertencer a uma família, é todos os dias viver de acordo com esses ideais, é um modo de vida. Ser Escoteiro é no dia a dia envergarmos sem medo o nosso uniforme virtual, de modo a que todos os dias quando nos deitarmos possamos pensar que em mais um dia o Escoteiro que está dentro de nós cumpriu o seu dever.

              É por isso que ninguém deve esquecer, acima de tudo, que ser Escoteiro é um modo de vida! - Algumas pessoas nunca entenderão o que é ser-se escoteiro. É conhecimento geral que um escoteiro não pode mentir que é bem-comportado e que ajuda as velhinhas a atravessarem a rua. Quando passam na rua, cantam muito e alto e ocupam o ônibus ou o metrô com as suas mochilas e tralhas. Ajudam a limpar praças, estradas e picadas onde passam e os católicos sempre animam as missas – por vezes chegam a levar o próprio padre para os acampamentos e arraiais que ficam para lá do sol posto e que têm missa uma vez por ano.

                   Quando me perguntam – quer por curiosidade, quer por malícia – o que é que eu faço nas ‘atividades’ que tenho ao sábado, custa-me um pouco a explicar. Afinal, porque vou revelar o mundo do escotismo a quem parece não querer compreender? Acabo sempre por levantar o véu em algumas questões - as atividades aos sábados são momentos de desenvolvimento pessoal, social, religioso e físico através de atividades direcionado ao grupo etário em que se está inserido. Quando se é lobinho, as atividades são simples e visam aumentar a independência das crianças. Quando se é escoteiro, as atividades ainda são muito físicas, mas há um lado de descoberta, de criatividade e desenvolvimento do raciocínio; procura-se desenvolver a responsabilidade e o trabalho de equipe.

                  Quando se é sênior está-se a viver uma fase de conflitos e de mudança em todos os níveis, procurando-se, através do escotismo, ajudar a superar as dificuldades, a aceitar as perdas e a viver alegremente as vitórias. É uma altura de reflexão, de descoberta, de imposição de limites às ações e de responsabilização dos atos e escolhas. Quando se é pioneiro é ser um jovem adulto. Existem outras 'pedras' importantes na vida e os escoteiros começam a perder terreno no calendário. Mas se é pioneiro, nunca se poderá deixar de ser escoteiro, pois se torna auto-suficiente, responsável, livre, disciplinado, generoso, trabalhador... É ser alguém que tira alegria do serviço. É dar-se profundamente ao movimento!

                    Começa-se a dar aquilo que durante anos se recebeu. Na Oração do Escoteiro. Há um verso que diz “Senhor Jesus ensinai-me a trabalhar sem procurar descanso, a viver sem esperar outra recompensa, senão saber que faço a vossa vontade Santa vontade”. Eu suponho que é isso que é ser-se chefe. Ainda não o sei, mas talvez um dia conseguirei sabê-lo, se aprender a gerir o meu tempo e a minha vida. Há uma altura da nossa vida em que parece termos tempo para fazer tudo, mas em que não temos idade para fazer quase nada. Se já no fim da adolescência e inicio da idade adulta não temos tempo para fazer nada, não deixa de ser verdade que continuamos a ter vontade de fazer tudo!

                 Mas o tempo escasseia… Outros montes – mais próximos precisam de ser escalados, e como o ser humano ainda não inventou uma maneira de fazer duas coisas ao mesmo tempo, os escoteiros são postos de lado. São parte de nós mesmos e tal como a família, esperamos que compreendam a razão pela qual os pomos de parte – porque os amamos. Mas – e há quase sempre um ‘mas’ – chegámos aos pioneiros, e nos pioneiros se não somos nós que fazemos e queremos e conquistamos, certamente não são os chefes que o fazem. Afinal de contas, o Clã são os pioneiros que o fazem e sem pioneiros, há só uma distante memória do que é ser-se escoteiro.

                  O problema que divide o coração de todos que amam o escotismo é o escotismo não é ir-se aos escoteiros, é um modo de viver a vida. É intrínseco a cada célula, é uma força que nos impele a caminhar e a rodear os obstáculos que não podem ser movidos. É uma bússola que está sempre certa, o rumo que sobre a montanha, e não aquele que a desce; é o curso de água que serpenteia por entre as rochas e que só encontra o caminho para o mar porque se junta a outros cursos. É parte de quem somos. Nós somos o escotismo vivo e podemos viver sem ir às reuniões, e aos acampamentos. No entanto, o escotismo-instituição não vive sem membros que vão às reuniões e aos acampamentos. Precisa de ser regada todos os dias e a água de que precisa somos tão-somente todos nós.

                 Digo que é possível ser-se escoteiro sem se ir às reuniões e atividades – porque o é. Mas nada, nada, se compara a uma jornada com chuva, ou à construção de uma mesa rústica; partilhar um almoço com a matilha patrulha ou equipe, cantar e tocar viola a volta de uma fogueira, beber leite quente, aquecido em panelas de alumínio que já foram esfregadas por quase duas gerações de escoteiros; fazer serviço de campo, vender jornais à chuva, para arrecadar dinheiro para a atividade de Verão; e tantas outras coisas que tornam o escotismo no que ele é – um movimento de crescimento, conhecimento, partilha e amor. Nada disto significa nada se cada um de nós não dar o seu quê, não fizer a sua quota-parte, se quando chega a sua vez, abandona o movimento que o viu crescer e o ensinou. Sim, é possível ser-se escoteiro sem se ir aos escoteiros, mas não se é um verdadeiro escoteiro se não se faz tempo para ajudar a manter e construir o seu movimento.