sábado, 25 de janeiro de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. “Caio Vianna Martins” Uma história de heróis para ser lembrada por todo o sempre!




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
“Caio Vianna Martins”
Uma história de heróis para ser lembrada por todo o sempre!

          Nada poderia impedir o desastre. Nada. A velocidade do cargueiro era grande e ambos os maquinistas sabiam o que ia acontecer. Os freios rangeram, os apitos soaram e a batida veio forte. Estrondos se fizeram ouvir. Vagões foram expulsos da linha, jogados em uma ribanceira. Eram duas horas e cinco minutos da madrugada. Uma madrugada que entrou para a história. Um engavetamento monstro se formou. Alguns vagões ficaram irreconhecíveis. 19 de dezembro. A cinco dias do natal. Ano de 1938.

           O carro dos escoteiros saltou dos trilhos e atravessou para a direita. Outro carro colidiu com ele engavetando e o partindo ao meio. O vagão prensado deitou-se em um barranco sendo comprimido por muitos outros. Gritos. Pedidos de socorro, tudo escuro, não se via nada. Noite sem lua. O chefe Clairmont e o chefe Rubens acordaram e sentiram tudo. Estavam apenas com alguns arranhões. Atônitos viram o desespero dos passageiros.

         Gritos de socorro, gemidos, o barulho da colisão agora se fazia em menor escala. Clairmont e Rubens se puseram na ativa. Ali começou seu trabalho de escotistas na hora do perigo. Os chefes Escoteiros sabem que um dia terão de agir e esta hora chegou para Clairmont e Rubens. A seu modo eles também foram heróis. Poucos se lembram deles. Seus nomes foram esquecidos. Reuniram todos os jovens em um ponto da estrada. Deram falta do Escoteiro Hélio Marcos e do Lobinho Gérson Issa Satuf. Procuraram e os encontraram mortos embaixo de escombros.

          Impossível descrever tudo nos seus detalhes mais íntimos. Era uma carnificina. Feridos gritavam e a escuridão não ajudava na localização. As duas patrulhas e os pioneiros fizeram uma grande fogueira. Usaram madeiras destroçadas dos vagões. A única luz que ali poderia ajudar naquela hora fatídica. O pânico reinava.  Clairmont e Rubens batalhavam. Com os pioneiros e escoteiros que nada sofreram socorriam os feridos, fizeram macas para os casos mais graves e o resgate prosseguia, mas agora mais devagar.

        Caio cambaleante ajudava como podia fazendo tipoias, estancando sangue de feridos, e até ajudou na remoção de alguns feridos até o um vagão dormitório que permaneceu intacto e serviu de pronto socorro. Caio havia recebido uma forte pancada na região lombar. Quase não comentava a dor intensa que sentia. Só às sete da manhã chegou o socorro com médicos e enfermeiros da cidade de Barbacena.

         Fora uma madrugada terrível. Os passageiros que nada sofreram trabalharam incansavelmente. Clairmont e Rubens estavam esgotados. Não pararam um só instante. Dois heróis. Dois homens que tinham a carisma dos grandes heróis anônimos que surgem e nunca são lembrados. Quando a maioria dos feridos tinha sido removida, viram Caio claudicando, sentindo dores terríveis. Tentaram levá-lo. Ele não aceitou. Disse e apontava para as vitimas que pareciam em estado mais grave e dizia, há muitos feridos. Eu não estou tão ferido como eles. Recusou a maca.

       A história como disse é cheia de fatos heroicos. Eles surgem assim do nada. Caio Vianna Martins é um deles. Nunca pensou que ficaria como o grande herói do escotismo nacional. Não disse suas belas palavras por dizer. Saiu naturalmente. Viram que ele estava cambaleante, e seus olhos piscavam. Seus lábios tremiam uma golfada de sangue saiu de sua boca e mesmo assim não deixou em tempo algum que o carregassem. Disse para todos o que ficaria como a mais bela frase já dita por uma legião de heróis – “Há muitos feridos aí. Deixe-me que irei só. Ajudem os outros, eu sou um Escoteiro e o Escoteiro caminha com suas próprias pernas”!

         Saiu caminhando e desfaleceu sendo levado à cidade de Barbacena. Morreu horas mais tarde em consequência dos rompimentos das vísceras e de uma intensa hemorragia interna. Poucos o ouviram pronunciar essas palavras. Alguns escoteiros e alguns enfermeiros. Elas foram comunicadas a nação e ao mundo graças a dois homens públicos que lá estavam na hora. Eles foram testemunhas da história. Alcides Lins e Otacílio Negrão de Lima. Este último ficou conhecido como um grande político mineiro. Eles ficaram impressionados com o que viram. Não só pelas palavras de Caio como a ação dos escoteiros na ajuda aos feridos.

             Levaram aos jornais o que tinham assistido. O mundo inteiro ficou sabendo que o Brasil também forja homens e jovens com a desenvoltura de Caio Vianna Martins e seus amigos escoteiros. As manchetes dos jornais e rádios correram por toda a parte. Reconheciam no gesto de Caio Martins um fato marcante na mente dos jovens que fazem parte desta nossa bela fraternidade. Caio foi escolhido e eleito como o símbolo Escoteiro no Brasil.

            Seu nome ficou gravado na história. Praças, monumentos, e até um estádio de futebol tem seu nome. Estádio Caio Martins. Sua fama faz parte do nosso orgulho Escoteiro. Caio Vianna Martins, Gerson Issa Satuf e Hélio Marcos de Oliveira Santos, foram sepultados em uma tarde de dezembro, véspera de natal, no cemitério Bom Fim, na zona norte de Belo Horizonte.   
     
           Hoje seu Grupo no Colégio Afonso Arinos não existe mais. Mas uma placa de bronze é vista por todos do herói e seus amigos Escoteiros pelos alunos que por anos e anos cursaram suas salas. Esta é uma historia contada aqui e ali em pedaços imaginários e reais. Caio e seu gesto foram uma realidade. Ninguém pode duvidar.
                 
Em memória a Caio Vianna Martins, Gerson Issa Satuf e Hélio Marcos de Oliveira Santos, saudemos no panteão da glória e dos heróis nacionais com o nosso:
SEMPRE ALERTA! E tiramos o chapéu com o Grito de guerra da União dos escoteiros do Brasil – Anrê – Anrê – Anrê! – Pró Brasil? Maracatu! 

“Há muitos feridos aí. Deixe-me que irei só. Ajudem os outros, Eu sou um Escoteiro e o Escoteiro caminha com suas próprias pernas”!

Estoicismo
(Noticia publicada em jornais em todo Brasil) – dezembro 1938.
Passou provavelmente despercebida, nas notícias pormenorizadas sobre a última catástrofe da Central, a serena coragem daquele pequeno Escoteiro, uma criança de quinze anos, que estando gravemente ferida, os que o queriam levar em maca para o hospital, dizendo com um sorriso de homem forte: "Um Escoteiro caminha com suas próprias pernas". E caminhou. E foi, mas foi para morrer, poucas horas depois, no leito em que o colocaram para uma tentativa de salvação. Este menino de quinze anos honrou o nome e deu um exemplo a todos os Escoteiros do País. E mostrou a muita gente grande que um Escoteiro sabe sorrir para morte que o acompanha de perto.
Se um dia for erguido qualquer monumento ao "Escoteiro Desconhecido", a lembrança do estoicismo desta criança resumirá a bravura de uma geração de Escoteiros do Brasil.
                                                                                                   
                 Descrição: Descrição: Grupo Escoteiro Tabapuan


Nota do autor
Em julho de 1973, na cidade de Matozinhos, comemorando o cinquentenário de nascimento de Caio Vianna Martins, fizemos a entrega da medalha de Valor ouro, post-mortem a Caio Viana Martins através de seu irmão ali presente. Foi uma cerimônia simples, com altas autoridades executivas, educacionais e políticas. Presentes mais de 600 escoteiros mineiros e uns poucos convidados de outros estados que ali fizeram o primeiro acampamento da fraternidade.

Chefe Osvaldo Ferraz.