Crônicas de
um Velho Chefe Escoteiro.
Jamborees,
Camporées, Ajuris e o escambau.
Quando o Chefe João
Soldado irrompeu na sede do Grupo Escoteiro São Jorge em Governador Valadares, no
inicio do ano de 1951 reunindo a Tropa, a Alcateia e as patrulhas seniores deu
o seguinte aviso: - Fomos convidados para participar de um acampamento em
Conselheiro Pena, na Inauguração do Novo Grupo da Cidade. Serão três dias, eles
pagarão todas as despesas! Cada Tropa, cada Alcateia e a Tropa Sênior devem envidar
esforços para que possamos nos apresentar condignamente e que nosso material de
campo esteja primoroso na data marcada. Ficamos estupefatos! Todas as sessões
do Grupo Escoteiro só saiam juntas em ocasiões especiais. Para mim um emérito
acampador de tropa e em Patrulha era um momento especial. Seria o primeiro
Grupo que iria conhecer. Para nós conhecer outro escoteiro ou Chefe era uma
apoteose.
- Já tinha conhecido um
Escoteiro do Rio, cujas peripécias da visita escrevi aqui em tempos um conto. A
Patrulha sênior que veio a pé de Teresina indo para o Rio de Janeiro foi um
acontecimento histórico que até hoje ninguém esqueceu. Ficaram horas e dias contando
suas histórias escoteiras em sua cidade, e as caronas que conseguiram até aqui...
Foi demais. Na partida fui junto com eles até Alpercata na Rio Bahia e quase
chorei quando os vi com suas mochilas seguindo em direção a Residência e daí Caratinga
e depois Rio de Janeiro. A viagem a Conselheiro Pena precisou de um vagão e
meio de segunda classe cedido gentilmente pela estrada de ferro Vitória Minas.
Cantorias, sorrisos e expectativa de conhecer outros irmãos escoteiros. O
acampamento e suas histórias nunca foi esquecido. Fomos também na inauguração
do Grupo Escoteiro de Itabira; - Rataplã, plã, plã... Marchemos para a frente...
Seu hino nunca mais esqueci.
Quando Sênior tive a
honra de conhecer Um Comissário Viajante da UEB e a visita de um velho com
algumas peças do uniforme velhas e rasgadas que achamos ser um ser especial
amigo de São Pedro lá do Céu. Na Gare da Estação sempre tínhamos alguém da Patrulha
de prontidão para ver se no Trem Rápido ou no paradão (parava em todas as
estações) chegava algum escoteiro de algum lugar. Quando aos 17 anos e meio fui
autorizado a fazer um Curso em Belo Horizonte, meu coração bateu forte. Preparei-me
como nunca. Tudo nos trinques, desde meus distintivos especialidades e
uniforme. Minha mochila, meu cantil, facão faca e machadinha com afiação e
talqueamento nos conformes. Minha apresentação na chegada vendo aqueles chefes
do mar, do ar e da terra produziram sorrisos e sussurros... Assustaram os
chefes que viram um matuto caipira metido a soldado graduado. Valeu o curso e se
valeu. Cinco dias que ficaram na minha história. Meu primeiro acampamento nacional
só aconteceu vários anos depois. O III ADIP em Belo Horizonte. Foi ali que
minha vida escoteira virou pelo avesso.
1967 ou 1968 não lembro
bem. Novo ainda como Chefe de Tropa no Grupo Escoteiro Walt Disney na Capital
me inscrevi no ADIP (acampamento distrital e patrulhas). Assustei ao ver tanta
gente de uniforme. Disseram que tinha 12 estados presentes. As delegações
desfilaram condignamente. As patrulhas formadas, bandeiras desfraldadas,
gente... Era demais. Dizem que estavam presentes mais de 2.500 escoteiros e
seniores. Brilhantes no seu uniforme no seu garbo e na sua apresentação. Tudo
organizado em subcampo com chefes responsáveis para desenvolver as atividades
previstas na modalidade. O Chefe do Sub Campo I de seniores faltou. Até hoje
nem sei como me convidaram para substituí-lo. Foi uma honra para mim. Amei
aqueles jovens, aquelas patrulhas (38 patrulhas) de vários estados da federação.
Fiquei amigo dos monitores, conversava com eles, juntos planejamos jogos e
atividades que eu mesmo não conhecia. Uma Patrulha se tornou o símbolo do Sub.
Campo. Patrulha Baden-Powell do 70º Grupo Escoteiro São José do Rio de Janeiro.
Tinha um grito longo e todas as patrulhas ao terminarem corriam até ela e formavam
uma grande Patrulha até terminar o grito.
Foi meu primeiro
acampamento onde vi tanta gente escoteira junto. A prioridade eram as
patrulhas. Chegavam completas. Tinham sua história, seu grito, seu lema e
viviam em seu campo com sua tralha, com seu Monitor, sub cozinheiro e tantos
outros. Ouvi falar em Jamborees, mas era um sonho distante. O tempo passou. Participei
de muitos outras grandes atividades escoteiras. Jamboree estava fora da minha
realidade. Conheci um Chefe sem tropa, dizem Assistente do Chefe do Grupo que
vivia para os Jamborees. Passava os quatro anos trabalhando e juntando seu rico
dinheiro só para estar presente. Naquele tempo os chefes presentes se
preocupavam com suas tropas, sempre conversando com seus monitores. Ainda não
existiam os Chefes Turistas, Chefes sem tropa, Chefes que só apareciam nas
grandes atividades escoteiras. Os pais ainda não eram participantes ativos.
Sempre soube do sonho adulto de escoteirar. Fazia isso com meus amigos,
organizei Indabas distritais e regionais quando Comissário. Eram anuais e ali
se confraternizava, trocávamos ideias, ouvia sugestões em Grupos de Trabalho. A
preocupação naquela época era o jovem, sua Patrulha sua vida em equipe
escoteirando com ela e vivendo sua própria vida no seu campo de Patrulha.
Hoje tudo mudou.
Surgiram os tais chefes Staff. Os chefes sem tropa, os chefes turistas, os
chefes que não sabem onde ficar. Em um acampamento nacional em São Paulo com mais
de 3.000 participantes fiquei triste e fora da trupe dirigente. Só vi
discussões da politica da UEB, quem devia ser eleito e os conchavos para
adquirir fama que não mereciam. Dizem que lá no sul no JamCam HD (não entendi o HD) onde só se vê fotos
de chefes e nenhuma patrulha completa. Onde foi parar a unidade da equipe dos
meninos... Agora é um amontoado de barracas cada um fazendo sua própria vida no
acampamento. Ouvi que lá também a politica está na ordem do dia. Dizem que a
Escoteiros do Brasil está reunida para finalizar seu novo estatuto, sem ouvir e
sem dar voz aos seus associados adultos. Comentam que ali a perpetuação no
poder e se eternizar como dirigente será uma realidade. Basta ver os Grandes
Dirigentes em mesas redondas, sem uniformidade alguns só de lenços no pescoço
discutido o futuro do escotismo sem ouvir os demais.
Triste ao dizer e saber que alguns ainda não entendem a profundidade
de minhas palavras... Ah! “Como era bom o meu tempo”. Tempo da descoberta, da
amizade, do respeito da lealdade. Tempo do Chefe menino exemplo, vivendo para
eles e fazendo deles bons cidadãos. Sei que ainda existem como eu escoteiros
sonhadores, fazedores de trilhas e caminhos a descobrir e percorrer. Sei que
ainda existem patrulhas que unidas galhardamente dizem: “Ou vão todos ou não
vai ninguém”. Sei que ainda existe Chefes que como eu se preocupam com seus
jovens, com suas patrulhas com o espírito de tropa e não com seu próprio
umbigo. Agora não sei se estas mudanças que alguns novos pensadores, pedagogos
que não viveram a essência do escotismo de Baden-Powell podem criar neste
presente e no futuro, o escotismo que muitos como eu viveram e sonharam. Enfim,
cada um vive com seu pote de ouro do Arco Iris doado ou quem sabe descoberto
por ele mesmo a procura dos seus sonhos impossíveis. Só quem viver verá!