domingo, 5 de janeiro de 2020

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Jamborees, Camporées, Ajuris e o escambau.




Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Jamborees, Camporées, Ajuris e o escambau.

Quando o Chefe João Soldado irrompeu na sede do Grupo Escoteiro São Jorge em Governador Valadares, no inicio do ano de 1951 reunindo a Tropa, a Alcateia e as patrulhas seniores deu o seguinte aviso: - Fomos convidados para participar de um acampamento em Conselheiro Pena, na Inauguração do Novo Grupo da Cidade. Serão três dias, eles pagarão todas as despesas! Cada Tropa, cada Alcateia e a Tropa Sênior devem envidar esforços para que possamos nos apresentar condignamente e que nosso material de campo esteja primoroso na data marcada. Ficamos estupefatos! Todas as sessões do Grupo Escoteiro só saiam juntas em ocasiões especiais. Para mim um emérito acampador de tropa e em Patrulha era um momento especial. Seria o primeiro Grupo que iria conhecer. Para nós conhecer outro escoteiro ou Chefe era uma apoteose.

- Já tinha conhecido um Escoteiro do Rio, cujas peripécias da visita escrevi aqui em tempos um conto. A Patrulha sênior que veio a pé de Teresina indo para o Rio de Janeiro foi um acontecimento histórico que até hoje ninguém esqueceu. Ficaram horas e dias contando suas histórias escoteiras em sua cidade, e as caronas que conseguiram até aqui... Foi demais. Na partida fui junto com eles até Alpercata na Rio Bahia e quase chorei quando os vi com suas mochilas seguindo em direção a Residência e daí Caratinga e depois Rio de Janeiro. A viagem a Conselheiro Pena precisou de um vagão e meio de segunda classe cedido gentilmente pela estrada de ferro Vitória Minas. Cantorias, sorrisos e expectativa de conhecer outros irmãos escoteiros. O acampamento e suas histórias nunca foi esquecido. Fomos também na inauguração do Grupo Escoteiro de Itabira; - Rataplã, plã, plã... Marchemos para a frente... Seu hino nunca mais esqueci.

Quando Sênior tive a honra de conhecer Um Comissário Viajante da UEB e a visita de um velho com algumas peças do uniforme velhas e rasgadas que achamos ser um ser especial amigo de São Pedro lá do Céu. Na Gare da Estação sempre tínhamos alguém da Patrulha de prontidão para ver se no Trem Rápido ou no paradão (parava em todas as estações) chegava algum escoteiro de algum lugar. Quando aos 17 anos e meio fui autorizado a fazer um Curso em Belo Horizonte, meu coração bateu forte. Preparei-me como nunca. Tudo nos trinques, desde meus distintivos especialidades e uniforme. Minha mochila, meu cantil, facão faca e machadinha com afiação e talqueamento nos conformes. Minha apresentação na chegada vendo aqueles chefes do mar, do ar e da terra produziram sorrisos e sussurros... Assustaram os chefes que viram um matuto caipira metido a soldado graduado. Valeu o curso e se valeu. Cinco dias que ficaram na minha história. Meu primeiro acampamento nacional só aconteceu vários anos depois. O III ADIP em Belo Horizonte. Foi ali que minha vida escoteira virou pelo avesso.

1967 ou 1968 não lembro bem. Novo ainda como Chefe de Tropa no Grupo Escoteiro Walt Disney na Capital me inscrevi no ADIP (acampamento distrital e patrulhas). Assustei ao ver tanta gente de uniforme. Disseram que tinha 12 estados presentes. As delegações desfilaram condignamente. As patrulhas formadas, bandeiras desfraldadas, gente... Era demais. Dizem que estavam presentes mais de 2.500 escoteiros e seniores. Brilhantes no seu uniforme no seu garbo e na sua apresentação. Tudo organizado em subcampo com chefes responsáveis para desenvolver as atividades previstas na modalidade. O Chefe do Sub Campo I de seniores faltou. Até hoje nem sei como me convidaram para substituí-lo. Foi uma honra para mim. Amei aqueles jovens, aquelas patrulhas (38 patrulhas) de vários estados da federação. Fiquei amigo dos monitores, conversava com eles, juntos planejamos jogos e atividades que eu mesmo não conhecia. Uma Patrulha se tornou o símbolo do Sub. Campo. Patrulha Baden-Powell do 70º Grupo Escoteiro São José do Rio de Janeiro. Tinha um grito longo e todas as patrulhas ao terminarem corriam até ela e formavam uma grande Patrulha até terminar o grito.

Foi meu primeiro acampamento onde vi tanta gente escoteira junto. A prioridade eram as patrulhas. Chegavam completas. Tinham sua história, seu grito, seu lema e viviam em seu campo com sua tralha, com seu Monitor, sub cozinheiro e tantos outros. Ouvi falar em Jamborees, mas era um sonho distante. O tempo passou. Participei de muitos outras grandes atividades escoteiras. Jamboree estava fora da minha realidade. Conheci um Chefe sem tropa, dizem Assistente do Chefe do Grupo que vivia para os Jamborees. Passava os quatro anos trabalhando e juntando seu rico dinheiro só para estar presente. Naquele tempo os chefes presentes se preocupavam com suas tropas, sempre conversando com seus monitores. Ainda não existiam os Chefes Turistas, Chefes sem tropa, Chefes que só apareciam nas grandes atividades escoteiras. Os pais ainda não eram participantes ativos. Sempre soube do sonho adulto de escoteirar. Fazia isso com meus amigos, organizei Indabas distritais e regionais quando Comissário. Eram anuais e ali se confraternizava, trocávamos ideias, ouvia sugestões em Grupos de Trabalho. A preocupação naquela época era o jovem, sua Patrulha sua vida em equipe escoteirando com ela e vivendo sua própria vida no seu campo de Patrulha.

Hoje tudo mudou. Surgiram os tais chefes Staff. Os chefes sem tropa, os chefes turistas, os chefes que não sabem onde ficar. Em um acampamento nacional em São Paulo com mais de 3.000 participantes fiquei triste e fora da trupe dirigente. Só vi discussões da politica da UEB, quem devia ser eleito e os conchavos para adquirir fama que não mereciam. Dizem que lá no sul no JamCam HD (não entendi o HD) onde só se vê fotos de chefes e nenhuma patrulha completa. Onde foi parar a unidade da equipe dos meninos... Agora é um amontoado de barracas cada um fazendo sua própria vida no acampamento. Ouvi que lá também a politica está na ordem do dia. Dizem que a Escoteiros do Brasil está reunida para finalizar seu novo estatuto, sem ouvir e sem dar voz aos seus associados adultos. Comentam que ali a perpetuação no poder e se eternizar como dirigente será uma realidade. Basta ver os Grandes Dirigentes em mesas redondas, sem uniformidade alguns só de lenços no pescoço discutido o futuro do escotismo sem ouvir os demais.

Triste ao dizer e saber que alguns ainda não entendem a profundidade de minhas palavras... Ah! “Como era bom o meu tempo”. Tempo da descoberta, da amizade, do respeito da lealdade. Tempo do Chefe menino exemplo, vivendo para eles e fazendo deles bons cidadãos. Sei que ainda existem como eu escoteiros sonhadores, fazedores de trilhas e caminhos a descobrir e percorrer. Sei que ainda existem patrulhas que unidas galhardamente dizem: “Ou vão todos ou não vai ninguém”. Sei que ainda existe Chefes que como eu se preocupam com seus jovens, com suas patrulhas com o espírito de tropa e não com seu próprio umbigo. Agora não sei se estas mudanças que alguns novos pensadores, pedagogos que não viveram a essência do escotismo de Baden-Powell podem criar neste presente e no futuro, o escotismo que muitos como eu viveram e sonharam. Enfim, cada um vive com seu pote de ouro do Arco Iris doado ou quem sabe descoberto por ele mesmo a procura dos seus sonhos impossíveis. Só quem viver verá!