Conversa
ao pé do fogo.
A
fantástica “Banda” do Maestro Munir.
(qualquer
semelhança é mera realidade).
... Nos tempos do Covid-19 uma pequena
história para mudar de assunto dos a favor e dos contras de como proceder
conforme a Organização Mundial de Saúde ou conforme as razões do Presidente.
Que toquem as cornetas para seus mortos!
... Sempre Alerta corneteiro! Toque
por favor, para eu dormir o toque do Silêncio. E ao amanhecer o toque da
alvorada! Amo ouvir o toque quando a lua cheia rasgava o céu da noite cheio de
estrelas ou quando o sol vermelho, escondido pelo orvalho da noite, resolvia
aparecer em um céu de brigadeiro. Quantas saudades... Se quiser faça silêncio,
vou cantar para você a mais linda canção da alvorada de todos os tempos! Sei
que irá adorar! “Amanheceu... O céu é cor de anil! Alerta, Alerta, de pé pelo Brasil"!
- Quando Escoteiro eu tinha um sonho. Ou melhor, dois,
acampar no Pico da Bandeira e participar da Banda do Maestro Munir. Com doze
anos um caminhão da prefeitura nos levou até Caratinga. Lá pegamos a Maria
Fumaça para Caparaó (Águas que rolam nas pedras). Minha alegria não tinha
limites. Afinal estive no Pico da Bandeira. Uma linda história para contar, mas
fica para outra vez. Agora precisava entrar na Banda. Osso duro. Munir era
magro e alto. Usava o chapéu Escoteiro virado, mas muitas vezes preferia uma
boina preta tipo Montgomery. Eu nem sabia quem era esse tal Montgomery. Usava o
uniforme caqui curto e uma bota cano longo. Sujeito estranho o Munir. Chamá-lo
de Munir era briga na certa. Senhor Maestro Munir! Ele encarava você nos olhos,
uns dois minutos, você não sabia onde esconder.
A Banda treinava todas as quintas feiras entre sete e dez
da noite atrás do cemitério do Azarão. Um campinho de futebol, próximo à cidade,
mas cujo barulho não incomodava os vizinhos. Só os coitados dos “defuntos”. A
Banda não era grande, se não me falha a memória tinha quatro tambores, mais
quatro surdo mor (daqueles enormes quase um metro de altura) cinco tarois, oito
caixas claras, quatro bombos, seis cornetas e três clarins. Clarins? O meu
sonho. Um dia iria tocar um. Mas precisava ter curriculum na banda para pelo
menos encostar um dedo nele. Munir era severo. Ria pouco. Um olhar dele gelava
todo mundo. A Banda dos Escoteiros era famosa. Nas festividades todos
aguardavam ansiosos a Banda passar. Em frente ao palanque das autoridades fazia
evoluções e depois ia em algumas ruas para saudar os moradores que saiam para
aplaudir a Banda dos Escoteiros.
Munir tinha pose dos oficiais ingleses. Aquela fleuma que
só os ingleses têm. Com sua varinha, seu chapéu virado, sua bota cano alto a
marchar à frente da Banda fazia gestos como se estivesse regendo uma grande
orquestra. Ali era o Rei. Exigente o Munir. Marchar bem, com honra, respeito,
garbo e boa ordem. Bastava um para destoar e ficar fora da banda por meses. Sua
palavra era a lei. Ninguém contestava. Nem mesmo o Chefe João Soldado e o Chefe
Jessé. Eu era freguês de carteirinha dos seus treinos. Ficava abobalhado
olhando o ribombar dos instrumentos. Trinta minutos de ordem unida. Munir não
gritava. Seus gestos eram graciosos. Sabia com perfeição fazer os sinais
manuais de formaturas. Apito? Detestava. Na frente da banda um sinal seu
bastava. Todos obedeciam: - Em frente marche! Se alguém errasse valha-me Deus!
Eu olhava tudo, caixas, tarol, tambores, bombos, cornetas, mas meu xodó era o
clarim. Jasiel e Marquinhos eram senhores da banda. Sentiam-se importantes para
olhar para mim. Eram seniores corneteiros. Uma dádiva de poucos.
Só faltava ao treino da Banda quando ia acampar. Este era
sagrado. Uma excursão, bivaque, acampamento sempre estiveram em primeiro lugar.
Um dia achei em um pé de Manga, um galho que se cortado iria ficar igual a um
clarim. Preparei meu instrumento medieval com carinho. Ficava em casa horas com
ele na mão. Levava a boca, fingia que tocava, balizava e sorria. Sonhava em
tocar a Alvorada, o Silêncio, o reunir, debandar, a saudação à autoridade e
tantos outros toques. Decorei todos. A Patrulha me absorvia. Eu amava minha
patrulha Lobo. Entre ela e a Banda só tinha uma escolha. A patrulha. Um dia
tomei coragem. Procurei o Maestro Munir. Conferi meu uniforme, tinha que estar nos
trinques como se fosse uma inspeção. Munir era exigente. Posição de Sentido,
meia saudação – Sempre Alerta Senhor Maestro Munir, gostaria de participar da
Banda! – Tinha treinado em casa em frente ao espelho como falar com ele. Se
errasse ele nem na minha cara ia olhar mais.
Tomei um susto. Ele olhou para mim. Nem piscou. Cara
fechada. Ficou também em posição de sentido. Bateu um calcanhar sobre o outro.
Plok! Sinal Escoteiro estilo militar. - Quinta! As sete em ponto! Se chegar
atrasado não venha nunca mais! – Sai gritando de alegria. Contava para todo
mundo. A Patrulha me parabenizou. E agora como você vai fazer? – Fácil disse.
Os treinos são as quintas e dificilmente saímos em atividade neste dia. Nos
desfiles vão todos. Portanto dá para conciliar. – Não dá disse o Romildo
Monitor. Quinta agora não vamos acampar em Bom Jesus? É feriado lá e aqui.
Minha nossa! Eu pensei e agora. – Bom Jesus ficava a vinte quilômetros de
distancia. Iríamos de bicicleta. Não podia perder meu primeiro dia na Banda e
nem no acampamento. Tinha uma menina em Bom Jesus que me olhava e ria. Quem
sabe estava ficando apaixonado?
Dito e feito. Na quinta às quatro da tarde voltei sozinho a
minha cidade no meu cavalo de aço correndo como um louco estrada a fora.
Cheguei no campinho as sete em ponto. Suando, cansado, mas com um sorriso no
rosto. Posição de sentido e lá estava eu me apresentando ao senhor Maestro
Munir. No primeiro dia só treino de ordem unida. Ele só me deu um tambor
pequeno oito treinos depois. Terminando voltei correndo para Bom Jesus. Só três
anos após comecei na corneta e depois no clarim. A “embocadura” demorei seis
meses para adquirir. Meu sonho na Banda aconteceu. Toquei clarim por muito
tempo. Quando servi o exército era com muito orgulho o corneteiro do dia. Nunca
faltei a um treino, desfile e nem tampouco nas minhas atividades ao ar livre.
Encontrei Munir anos depois em Colatina. Ele bem velho. Eu
com meus trinta e cinco anos. Olhou-me com aquela cara feia, ficou em posição
de sentido. “Ploc” ouvi seu calçado bater. Sempre Alerta! Ele disse. Eu fiz o
mesmo. Maestro Munir! Que prazer! Já com aquela idade ainda tinha medo do Senhor
Maestro Munir. Ele riu. Nunca o tinha visto dar um sorriso. Abraçou-me. – Sabe Vado
Escoteiro, eu sempre gostei de você. Nunca o esqueci. Aquele abraço foi demais.
Uma alegria, pois nunca o vi dar um abraço em ninguém.
Os tempos são outros. Muitos sem ter nenhuma base da
formação futura dos jovens abominam bandas e ordem unida. As bandas e fanfarras
não são como antigamente. Não existem mais os Maestros como o Munir. Sei de
muitos grupos escoteiros que venderam ou doaram sua banda. Imposição dos
dirigentes? Que pena. Dá para conciliar. Da para treinar sem incomodar. Até
hoje olho com saudades os desfiles. Amava a banda dos Fuzileiros Navais. Ainda
existem Maestros Munir por aí? Não sei. Mas ainda tenho saudades daqueles tempos,
da minha Patrulha, da minha banda do meu clarim!