Os ventos da modernidade.
Há tempos um Chefe Escoteiro gentilmente
me respondeu a uma afirmação minha de que no meu tempo o escotismo era melhor. –
Chefe, ele disse, “cada tempo é um tempo, o meu o seu e o do escoteiro de hoje
são os melhores. Cada um vê ao seu modo o escotismo que pratica e de uma
maneira sincera ama o que faz”! Concordei com ele. Às vezes ficamos presos a
uma filosofia que criamos e não nos afastamos dela. Se perguntarmos aos jovens Wesley,
Robson, ou ao Jonathan aqueles meninos ingleses que sonhavam ao ler o primeiro fascículo
do Scouting for Boys o que achavam das sonhadas aventuras que realizavam nos
bosques nas cercanias de Londres, eles iriam dizer: - Foi o melhor escotismo
que fizemos!
Se pudéssemos voltar no tempo, lá por
volta de 1907/1910, e pudéssemos perguntar ao jovem Aurélio Azevedo Marques, o
primeiro Boy Scout Brasileiro como foi o seu escotismo, sem sombra de dúvida
ele iria dizer: - Igual eu nunca vi! E assim sucessivamente escalando décadas de
escotismo em nosso país cada um ao seu modo irá dizer que sem sombra de dúvida
o seu foi o melhor escotismo que existiu. Tivemos no passado ótimas literaturas
escoteiras para nos despertar o sonho da aventura. O marco delas foi o Guia do
Escoteiro do nosso querido Velho Lobo, Almirante Benjamin Sodré. A partir daí
uma nova visão aconteceu aos olhos dos rapazes escoteiros do Brasil que
praticavam o escotismo. Os desenhos encantavam. As provas eram desafios que todos
queriam fazer. O livro correu de mão em mão e eu sem me colocar no topo dos
admiradores do Velho Lobo, li o livro em 1951 em uma noite e sem dormir fui para
o Ginásio com um sono atroz!
Os anos passam cada um vê uma
descoberta particular ao entrar no Movimento Escoteiro, falo para os rapazes e
moças de hoje, pois faz somente trinta e poucos anos atrás que as garotas,
vulgarmente chamada por nós de pirralha fedelha adentraram no escotismo. Quando
era um fedelho miúdo nunca pensei que isso iria acontecer. – Valha-me Deus! Uma
moleca pirralha na Patrulha Lobo? Nem pensar. Ali era lugar de homens, durões,
viajantes das estrelas (em sonho), caminheiros das trilhas que cercavam a nossa
cidade. Lembro uma vez que Zé Raimundo mais conhecido como Fumanchu nosso
cozinheiro, enfrentando a fumaça do seu fogão a lenha de barro, me olhou e
disse: Queria ver a Toninha aqui no meu lugar! Toninha era sua namorada e vivia
dizendo que um dia seria escoteira.
Ainda lembro os antigamentes que dizem
foram substituídos para melhor. Melhor? Melhor era o fogão de barro, feito de
barro branco ou vermelho retirado cuidadosamente das margens dos Rios Corrente,
ou Rio do Pó. Fumanchu era mestre. Olhava o barro, mexia, rabiscava para ver se
tinha um cisco uma pequena folha, um pedrinha solta... Exigia os troncos verdes
para barrear. A mesa tinha que ficar firme, afinal cair na hora que a boia estava
pronta era um Deus nos acuda! Até ali ascender o fogo exigia um palito! Sim um
palito e sem direito a dois! Valha-me Deus se perdesse o primeiro... E foi
então que fomos acampar em Conselheiro Pena, um novo Grupo, meninada bonita,
filhos do prefeito, do juiz, do delegado e dizem que tinha um que era filho do Conego
local... Rarará... Cala-te boca!
E não é que eles tinham um fogareiro a
gás para cozinhar? Onde se viu isto gente? Fogareiro? Gás? E os lampiões a gás
eram demais. A gente olhava e os olhos coçavam de tanta luz! Darci Bereba jurou
que nunca ia abandonar seu lampião a querosene. O meu vermelho achava que nunca
ia aposentar. “Necas de catibiriba”! Gostava dele, uma luz gostosa, calma, não
dava dor de cabeça, não havia perigo de explosão, não quebrava camisinha e nem
o vidro local. Hoje dizem que ninguém mais usa. Bem cada um é cada um. Agatão
no banquete de Platão tirando onda de pensador disse: - O que não se tem ou o
que não se sabe, também a outro não poderia dar ou ensinar.
Bem, mas o pior estava por vir. Orelhudo sem avisar, me aparece com um rolo
pequeno de sisal. Vado! Tente com ele pioneirar! É melhor que cipó! Olhei,
toquei de leve e perguntei: - Onde arrumou isso Orelhudo? Ele ria e ria. Quer
saber, demorou anos para usar o tal de sisal. Afinal conhecia cipós pelo nome simplório
de matuto, cozido, mexe-mexe e nunca estudei os nomes científicos dele. Dizem
que tem dezenas de espécies não só no Brasil como no mundo. Com o tempo só de
olhar sabia qual o melhor para dar uma amarra, ou para fazer uma rede simples,
ou uma costura de arremate. Convenhamos que não era tão rápido como o sisal, mas a Patrulha enquanto lá estive nunca pôs a
mão em um sisal.
Dizem que hoje você no seu celular
entra no Paxtu e compra o que quiser. Lembro que fiquei quase quatro meses
juntando meu dinheirinho na graxa de sapato na esquina da Rua Peçanha com a
Minas Gerais. Quando voltava do ginásio um dia, vi na portão da minha casa,
mamãe e minhas irmãs rindo e batendo palma. Chegou Vado, chegou, Tia Cota
voltou do Rio de Janeiro e Trouxe seu chapéu e o disco do Trio Irakitan! Minha nossa!
Foi o mais belo dia de minha vida. E a carrocinha? Gente, a Patrulha deu duro
para fazer. Juntou dinheiro, pagou ao Norberto sem dedo o melhor Marceneiro do
bairro com a condição que durante quinze dias ajudarem a ele na confecção. Que
festa! Nem imaginam a primeira vez. Na estrada do Dendinho indo acampar no Córrego
dos Pintos eis que uma roda quebrou o eixo! Não tinha como. Deixamos a carreta escondida
em um matagal próximo e levamos a tralha no lombo! Eita saudades dela...
Mas convenhamos, cada um tem sua história
para contar. Seja ontem ou hoje o nosso escotismo sempre foi o melhor. Melhor
para mim, para ele e para os que ainda irão nascer e serão os futuros
escoteiros do Brasil. De uma coisa me orgulho, não conhecia Televisão, rádio
sim, mas dava tempo? Necas, nosso negócio era escoteirar. Era ter um feriado,
um fim de semana sem obrigação e lá íamos nós com nossas mochilas, ração A ou B
ou C não importa, onde ao chegar Zé do Monte pegava os saquinhos da ração,
juntava em sacos maiores e sua intendência toda proza já tinha pronto duas ou
mais prateleiras bem feitas e que a chuva caia, que os bichos cheguem, mas ali
nada iria ficar fora do lugar.
Coço a cabeça e penso, qual seria a
história que meu trineto vai me contar lá em Capella quando ficar velho como
eu? Dos seus velhos tempos? Dos seus acampamentos nas estrelas? E em Marte ou
na Lua arvorar onde a Bandeira Nacional? Não sei, mas eles os futuros escoteiros
viajantes das estrelas terão suas tralhas modernas, onde com um simples botão tudo
vira um acampamento dos bons. Às vezes penso que no futuro como na Nave
Interprise, os escoteiros terão em suas sedes um Holodeck ou Holosuite, tipo
holografia como forma de registrar imagens em três dimensões e ali montar
florestas, rios, picos, chuva, sol lua estrelas e acampar! E eles como você e
eu ou mesmo o Aurélio o primeiro escoteiro do Brasil com certeza irão dizer: NO
MEU TEMPO ERA MELHOR!