Velhos escoteiros... Para que servem?
Dei um salto no tempo... Cheguei à
terceira idade, e o pior cheguei como Escoteiro. Isto é bom ou é ruim? Platão
na sua sabedoria escreveu que devemos temer a velhice, porque ela nunca vem só.
Bengalas Chefe Vado são provas de idade e não de prudência. Pois é, mas adoro
minha bengala, ela me abre alas, me dá privilégios e ninguém se incomoda quando
espero no Posto de Saúde, ou no pronto socorro eu posso dormir sentado
escorando nela sem ninguém para me acordar. Leonardo da Vince que como eu ficou
velho me disse em um acampamento: Vado Escoteiro o conhecimento torna a alma
jovem e diminui a amargura da velhice. Colhe, pois, a sabedoria. Armazena
suavidade para o amanhã. – Ele já naquele século devia imaginar que um dia teríamos
o Google para dirimir dúvidas, ensinar, lembrar e recordar frases dele e de
diversos sábios do passado.
Mas estou ficando cada dia mais esclerosado,
decrépito, cocoroca e caquético. Como dizia meu compadre Chefe Wander hoje lá
no céu: “Chefe Vado tem gente que gosta”... Ele se referia aos Chefes que de
uma maneira geral diziam sempre o que o jovem quer o que devemos dar a ele e
coisa e tal. Ele tem razão. Alguém perguntou? Ouviu eles mais que falou? Que adianta
martelar que são os jovens a razão de ser do escotismo? Que adianta expressar, exprimir,
cavaquear aos ventos do sul, do norte, do este e do oeste que eles podem dizer
o que é bom, o que não é e o que gostariam de fazer? Não condeno afinal hoje o
escotismo é outro. Moderno, novas técnicas de educação e coisa e tal. Já deve
ter alguém de alto coturno a escrever como erudito pensador pedagogo suas novas
teorias da formação escoteira segundo ele e não Baden-Powell. E eu um velhote
escoteiro ultrapassado que um dia foi lobo/escoteiro/sênior/pioneiro/Chefe e o
diabo a quatro, sou um peixe fora d’água na nova metodologia que trazem os
novos tempos modernos.
Jacques Rousseau na calada da noite na
subida do Morro da Onça Pintada sussurrou ao meu ouvido: - Vado Escoteiro, na
juventude deve-se acumular o saber, na velhice fazer uso dele. – Bonito isso! A
Infância é a idade das interrogações, a juventude a das afirmações e a velhice
a das negações. Fico olhando de soslaio na janela das redes sociais onde o
escotismo moderno vai parar. Sem ofensas meu nobre amigo Chefe, arauto
professor e erudito pensador das novas técnicas de ensino e formação
educacional da juventude. Que não me venha Gabriel Garcia Marques me dizer que
o segredo de uma velhice agradável consiste apenas na assinatura de um honroso
pacto com a solidão. Pode ser...
Mas sem desmerecer os “çabios”
escoteiros da atualidade, mexo, sacudo bamboleio pensativo se eles tem razão. Perscruto
no meu passado se haviam tantos chefes que me ensinavam, me adestravam, faziam
palestras, mostravam seus saberes aprendidos ou no que fizeram nos seus tempos
ditosos no escotismo. Será que eles podem afirmar que tudo que disseram os
resultados foram surpreendentes? Quantos jovens que viveram escotismo por vários
anos hoje sacodem seus velhos tempos vociferando que valeu? Mas e a porta do
marketing que hoje quase não existe, a volta da evasão que bate solta nas Unidades
Locais (puxa! Antes era Grupo Escoteiro, agora é UL. Bom demais!). Será que o
jovem é tão servil assim? Aceita o que lhe impõe, não sabe o caminho a seguir,
converge sempre na trilha do Chefe e ninguém lhe disse que se um segue um cego cai
no buraco e outros também vão cair?
Estes pensadores dos velhos tempos não
me deixam descansar. La vem Marcel Proust me afirmar que acontece com a velhice
o mesmo que com a morte. Alguns enfrentam-nas com indiferença, não porque
tenham mais coragem que os outros, mas porque têm menos imaginação. Batuta o
pensador. E eu um reles chefete enfiado na idade que dizem da razão, me escondo
atrás daquele menino, que no alto de sua sabedoria, saiu e voltou a sua velha Patrulha
radicada por anos no bairro onde mora. Lembro-me dele sorrindo e pensando: Aqui
eu tenho voz e voto! Ele sabe que ali é melhor que sentar em cadeiras, ver o
quadro negro e um Chefe falando, e falando e falando! Perguntei a ele e me
respondeu: - Chefe Vado Escoteiro, cansei, falam demais, se mostram demais. Nem
fotos nossas eles tem para avultar. Tem sim deles, dos cursos, das insígnias,
das promoções, das festas de adultos voluntários, uma plêiade só deles afinal Chefe,
eles precisam disto. Muitos não foram escoteiros e aqui é o lugar deles para
escoteirar...
Não me esqueço de antigos chefes que
conheci que me diziam: - Não faça se eles podem fazer; Deixo-os caminhar com as
próprias pernas, ensine aos lideres e os lideres que se virem com os demais,
desde é claro que seu olho passeia nos tempos de antes e no depois. Não gosto
de magoar e nem mostrar que sou um professor. Sinceramente sou um zero a esquerda
pedagogicamente. Gosto do velho mote Badeniano: - “Só se aprender a fazer
fazendo”. Estes supimpas inventores da metodologia moderna precisam ver para
crer... Se deu certo! Piso no meu direito com o esquerdo (quase caio ao chão),
fazer experimentos com jovens? E se der errado? De quem é a culpa? Alguém será
levado aos tribunais da razão?
Não adianta, abro uma página lá está o
chefão, abro outra e lá vem muitos chefões. Bolas! E as fotos dos jovens? Eles
existem ou não existem? Tem fotos de acampamentos, atividades mil, um sorriso,
uma vontade de dizer: “Amo você escotismo”, afinal só os adultos de hoje sabem
o que é melhor para os jovens? Nem me venha com seminários, Indabas,
assembleias para discutir sobre eles se não se dignaram a ouvi-lo se é isto que
eles querem. Nem vou falar do sonho escoteiro, do herói da selva, dos
bandeirantes exploradores do Brasil. Nem vou falar que eles ainda entram no
escotismo esperando ter voz, aprender fazendo, morando na floresta, sorrindo,
batendo pratos, lavando panelas, pulando no riacho e gritando a Deus e ao
Mundo! – “Isto é bom demais”.
Mas sei que vem o retorno. Irão dizer
que estou velho, esclerosado, que estou enganado e que meu escotismo não foi
melhor. Engano sei que hoje muitos acham que o seu é o melhor. Agora eu só
pergunto quantos jovens você tem em sua alcateia, sua tropa escoteira, sua
tropa sênior com pouca evasão? Quantos alcançaram o Cruzeiro do Sul, o Lis de
Ouro, o Escoteiro da Pátria e a Insígnia de BP? Quantos pergunto, e não é um ou
dois por ano, pois isto é minoria. Temos aqui nas redes sociais um plêiade de
bons chefes, que demonstram seus conhecimentos nas diversas duvidas que surgem,
alguns eruditos no que diz BP em seus alfarrábios, será que toda essa sabedoria
tem lugar em suas sessões?
Como dizia o humorista João Canabrava,
fecho a conta e passo a régua. Paro por aqui. Não antes de ler Sêneca que na
calada da noite na subida do Pico dos Marins bateu nas minhas cotas e disse: -
Vado Escoteiro, quando a velhice chegar, aceita-a, ama-a. Ela é abundante em
prazeres se souberes amá-la. Os anos que vão gradualmente declinando estão
entre os mais doces da vida de um homem. Mesmo quando tenha alcançado o limite
extremo dos caos, estes ainda reservam prazeres. E viva Marco Aurélio, que ninguém
sabe onde foi e onde agora deve morar!