Uma
viagem no tempo.
O
incrível exército de Brancaleone ou Dom Quixote de La Mancha.
Prólogo: Escrevi este artigo em 2009. Faz tempo. Hoje está acontecendo a
Assembleia Nacional e a aprovação do seu novo estatuto feito sob medida para os
donos do poder continuar perpetuando seus mandos de maneira ante democrática,
mas aceita por todos. Pouca coisa mudou. Uma luta contra os moinhos de vento que
se perderam no tempo.
Uma frase interessante de Cervantes: - Onde a
virtude estiver em grau eminente, verás que é perseguida; poucos, ou nenhum,
dos famosos varões que passaram na terra, deixaram de ser caluniados pela
malícia. Dom Quixote
de La Mancha.
Não sabia quanto tempo eu estava ali na Sala Grande. Acho que mais de
duas horas. Sentado no meu banquinho de três pés ouvia o Chefe Ubiraci, um
antigo Comissário e hoje considerado um Velho Escoteiro das antigas. Seus
olhinhos quase fechando, suas palavras recauchutadas para se fazer compreensível
olhava em minha direção, Eu não sabia se ele estava me vendo. Dona Ondina sua
esposa sempre prestativa servia um cafezinho feito em fogão à lenha, coador de
pano adoçado com rapadura. Quantas saudades! Eu sempre que podia ia visitá-lo. Era
para mim meu segundo pai.
Ouve um tempo que era sorridente, alegre um pé adiante da sua vivacidade
e que hoje estava desaparecendo. Contava-me de suas lutas, dos seus sonhos, dos
seus moinhos de vento, pois se associou não sei por que a Dom Quixote e a
quixotesca aventura com seu cavalo Rocinante. – Tentei argumentar: - Chefe,
desistindo? Olhou-me enviesado. – Quem sabe? Tem hora que não sei onde me
posicionar. Vivi outro escotismo este que está aí não é o meu. Sempre tive de
fazer escolhas. De um lado meu herói Brancaleone. Do outro meu querido Dom
Quixote. Um mostra as estruturas políticas, religiosas, culturais e mentais da
época. Brancaleone, um cavaleiro que apesar do título vive em uma cabana pobre e
se diverte com seu insubordinado cavalo Rocinante e brinca com a hierarquia medieval
onde o mais importante era a situação financeira e a classe social. Outro é Dom
Quixote, já de certa idade, entrega-se a leitura de romances, perde o juízo e
acredito que o que leu é verdadeiro e decide tornar-se um cavaleiro andante.
Cervantes o historiador satiriza os preceitos que regiam as histórias
fantasiosas daqueles heróis de fancaria. Mas seriam fantasiosas? Chefe não
estou entendendo; aonde quer chegar? Porque tudo isto? Olhem para dizer a
verdade se eu não conhecesse poderia dizer que estava dizendo o nada com nada. Estaria
senil? Sorrindo me respondeu: - Boa pergunta. – Porque me sinto no meio dos
dois. Poderia ser Brancaleone onde critico as estruturas da UEB sem satirizar é
claro, pois só desejo o seu crescimento. Ou quem sabe melhor seria dom Quixote,
pois alguns já disseram que perdi a razão e fico a lutar junto com meu amigo
Sancho Pança e é ele quem tem uma visão mais realista das coisas. Dizem que
minha luta contra os moinhos de vento seria porque desejo me transformar em um
mito quixotesco.
- Olhei para ele. – Divertidamente me disse: - De vez em quando apareciam
amigos e amigas que empunhavam as armas e armaduras suas lanças e ficavam do
meu lado. Eram poucos. A maioria ficou do outro lado. Acreditavam que a cartilha
Marxista deles era melhor. Muitos me perguntavam: - Chefe qual é sua luta? Eu
não tinha dúvidas. Acabar com a ditadura do proletariado. Nada a ver com a
ideologia de Karl Marx, pois até que seria boa uma tomada do poder pelos
operários aqui denominados escotistas, pois só assim poderia se evitar esta
exploração capitalista. Nunca soube vender meu peixe. Aposentei meu bastão e me
servi da bengala.
Insistia que era preciso mudar. Mudar os estatutos, mudar o sectarismo
desta cartilha “trotskista” onde a liberdade de pensamento se traduzisse com a
participação de todos, não este afunilamento que hoje impuseram para permanecer
no poder. Afinal já pensou se todos associados tivessem o mesmo direito e não
uma minoria como hoje? Seria formidável e não essa minoria de menos de 0,5% do
nosso efetivo que podem votar e ser votado. De norte a sul todos dando suas
sugestões, opiniões e nada seria decidido sem uma grande pesquisa nacional. Aí
então o escotismo daria um salto de liberdade. Pois hoje não acredito que
tenhamos. Até acredito que haja uma conspiração silenciosa onde cada um pode
ser advertido ou repreendido se aderirem a ideias que não sejam as definidas
pela EB. Posso afirmar que amigos do passado que tentavam dar uma nova
conotação as normas que existiam e ainda existem gentilmente foram convidados a
se afastarem do convívio e da “trupe”.
Muitos ainda não
abriram os olhos para ver os mandos e desmandos que estamos tendo. Não critico,
pois eles entraram em um movimento onde se exige lealdade e onde a palavra
Servir a União dos Escoteiros do Brasil faz parte da promessa dos adultos. Dificilmente
irão notar que não passam de seguidores. Estão fazendo uma verdadeira lavagem
cerebral, do pensamento das atitudes e crenças em chefes novos e considerando indesejáveis
os que pensam o contrário. Pretendem se necessário usar métodos agressivos tais
como o novo manual da Comissão de Ética. E ainda dizem que somos um movimento de
liderança, onde ensinamos aos jovens as tomarem atitudes por sí mesmo.
Interessante que o Próprio Baden Powell dizia que devemos olhar alem da ponta
do nariz e sobre democracia e escolha.
Eu olhava para o Velho
Chefe pensativo. Oitenta e sete anos não era brincadeira. Mas eu sabia que
muitas vezes ele pecava pelos seus pensamentos e ideias e muitas delas passavam
de longe do que pensavam os dirigentes. Tudo bem que ele tinha um passado.
Viveu um escotismo diferente, mas por um instante será que ele não tinha razão?
Seria razoável fazer uma eleição livre? Muitos diziam ser impossível.
Impossível? Com os meios de comunicação que temos? Com as regiões? Com os
distritos? Com o PAXTU? Não seria uma forma de criticar esta possibilidade uma
maneira de permanecer no poder? Quem sabe um Zé Ninguém poderia ser eleito? E
se fosse? Afinal isto não é democrático?
Dona Ondina entrou na
sala. Viu seu marido dormindo. Olhou-me com um sorriso meio sem jeito. Chefe, agora
é sempre assim. Dormia na sua poltrona de vime já gasta com o tempo. Ela sabia
que não ia durar muito. De leve o tocou
no ombro e o chamou. Ele acordou, virou para mim e disse – Sabe meu amigo, eu
gosto muito de você, muito. E foi para seu quarto claudicando. Despedi-me de
todos e fui para minha casa. Estava chovendo. Tinha ido a pé para a casa do meu
velho amigo. Que se dane a chuva. Sem correr percorri os três quarteirões que
me distanciava da casa dele até a minha. Vazia a rua. A chuva varria o asfalto
e um vento forte me pegou de jeito. Agora era correr. Entrei em minha casa
encharcado. Mais um dia, mais uma noite e quantas ainda poderia usufruir de sua
companhia? Melhor dormir. O futuro a Deus pertence!