domingo, 26 de fevereiro de 2012

VERBORRAGIA ESCOTEIRA


Verborragia Escoteira

(Verborragia – Vem do Latim Verbum. Escorrer, fluir, pessoas quando abre a boca parecem dar escoamento a um infinito rio de palavras. São os donos da verdade. Não aceitam qualquer tentativa de resposta de parte do interlocutor.).

Interessante. O que o Chefe de Campo de Gilwell, John Thurman (falecido) escreveu em 1950 permanece vivo até hoje. Disse ele que o escotismo é um movimento sério, mas que uma de suas melhores coisas seria a alegria em participar. Completou dizendo que isso serviria tanto para os dirigentes como para os jovens. E complementava: - Cuidado com o perigo de se pensar em termos educacionais ou psicológicos, pois isto nos faz perder nossas condições de amadores. E fechou suas palavras assim: - Como amadores somos bons, mas como profissionais somos péssimos.

Não é interessante? Vejam, de trinta anos para cá, começamos a ter uma revolução na educação Escoteira. Tudo antes era simples, muito. Lembro que um Chefe Escoteiro conhecia facilmente o “adestramento” que deveria existir na sua sessão. Pata-tenra, primeira estrela, segunda e cruzeiro do sul e depois vinha o noviço, segunda e primeira classe. E nos seniores, algumas eficiências e o Escoteiro da Pátria. Nos primórdios só um livrinho. ”Para ser Escoteiro”. Depois insistiram com o Chefe Floriano para desmembrar em noviço, segunda e primeira classe. Mas era tudo muito simples.

Nos lobinhos um pequeno manual e a insistência para que os chefes não deixassem de ler o Livro da Jângal de Kipling. Uma beleza! Tudo na moleza como se diz. Afinal sempre fomos amadores.  Aí começou a chegar os doutores. Os pedagogos, psicólogos. Altos professores e dirigentes eméritos. Começaram as mudanças. Arrumaram tantos programas para lobinhos que quando dirigia cursos correlatos tinha de me cercar de doutores e doutoras “lobísticas” para não me perder. Risos.
E a “coisa” não parava. Fizeram da ficha modelo 120 um emaranhado de datas. O pode e não pode (risos). Era uma ficha famosa. Acho que ainda existe. Até aí tudo bem. Mas veio a chegada dos profissionais da educação Escoteira, tudo passou a ter uma data específica. Tanto para a especialidade tal, tanto para a segunda classe tanto para a primeira e assim também os cordões de eficiência e o adestramento Sênior. Se o jovem quisesse tal especialidade só se já tivesse a outra tal e tantos meses e anos.

 Nunca me intrometi nisso. Quem sabe eles teriam razão? Sabia que quando o jovem estava pronto para receber seu Liz de Ouro ou Escoteiro da Pátria, havia nos grupos “doutores” em preparar o processo. Tinha de ser assim se não era devolvido. Conheci vários casos de devoluções em cascata. Jovens que choraram por não receber e outros que com a idade acima não se interessavam mais. Não sei como é hoje.

O programa Escoteiro que era aplicado de maneira simples, gostosa, aventureira, sem aquelas complicações de programas a curto médio e longo prazo nas reuniões de sede, começou então a ter uma sequência que sem muita preparação, poucos conseguiriam atingir. Já não era mais para amadores. Agora tínhamos de nos transformar em profissionais. Nossos dirigentes, sempre que apareciam novos na cúpula, tinham ideias miraculosas. Sem consultar a base iam mudando. Chegou afinal a um programa que agora vejo muitos dizendo que não deu certo, mas o que vai ser aplicado é de primeira qualidade. (?)

A biblioteca Escoteira cresceu. A lista da loja Escoteira é enorme. Haja condição financeira para ter todos. E ler então? Outro dia me assustei. Alardearam que agora os chefes de lobinhos estavam com a faca e o queijo na mão. Cinco manuais a disposição. Cinco! E para as sessões subsequentes? E aí vieram os cursos. De adestramento simples do passado agora se chama formação. Tem cada coisa que até me arrepio. Acho que são válidas, mas se eu voltasse atrás iria correr disto tudo.

Se Baden Powell conforme diz nosso amigo John Thurman conseguiu criar uma das mais formidáveis ideias e práticas que levam os rapazes a segui-la com entusiasmo, e nos métodos, e modo simples de manejar e guiar os jovens, agora tudo mudou. Não adianta dizer que devíamos manter como antes, um clima de simplicidade, da alegria e do entusiasmo que ele inspirou. Ainda copiando o John, os únicos que são capazes de por tudo a perder pela austeridade demasiada são os próprios dirigentes. E isto está acontecendo.

O escotismo nasceu em 1907 entre meninos pobres e, se economicamente os rapazes melhoraram desde então, ainda existem milhares de pobres que aspiram fazer escotismo como naquela época. Mas quando se toca no assunto, como continua a dizer o John (já falecido) muitos se tornam arrogantes, complacentes e se fazendo passar demasiadamente autossuficientes e com isto podem arruinar o movimento. Peço a Deus que não.

Está na hora de mudar e quem sabe uma volta ao passado. Estamos com muitos novos em nossas lideranças que não viveram a simplicidade do escotismo de outrora e aqueles que passaram pela vereda Escoteira como jovens não sei porque se mantém ao largo. Acho que também pensam que tudo está indo para melhor. Mas eu digo que não.

Lembro que o escotismo sempre foi uma atividade de fim de semana, duas ou três horas. Mais um pequeno tempo em uma atividade aventureira. Complicar em fazer do "Chefe" Escoteiro um profissional é fazer com que não caminhe para o sucesso da formação Escoteira. Nosso tempo restrito, corrido em nossas vidas profissionais, sociais e familiares não pode ser tomado com a austeridade de uma profissionalização. Se nos considerarem amadores, nos derem um programa para amadores como no passado, então o escotismo irá florescer.

Mas não sei se minhas palavras escritas significaram alguma coisa. Pelo menos eu luto pelo que acredito. O futuro se for coberto de sucesso pelo que estão fazendo vai merecer meu aplauso, mas se for para alguém dizer como dizem hoje que não acertaram então o caminho não foi frutífero eu se ainda estiver aqui direi - O tempo passou, perdeu-se tudo. Vamos recomeçar de novo? Ainda vai dar tempo?