sábado, 3 de agosto de 2019

Conversa ao pé do fogo. Era uma vez... Um comissário Viajante da UEB. (uma história baseada em fatos reais)




Conversa ao pé do fogo.
Era uma vez... Um comissário Viajante da UEB.
(uma história baseada em fatos reais)

Prólogo: - Hoje dia de reunião para a maioria dos Grupos Escoteiros. Na minha varanda apesar do frio intenso e não podendo participar mais com a escoteirada, me lembrei desta história verídica por sinal dos meus tempos de sênior, bons tempos, outras reuniões, outros papos, tudo feito como antigamente. Que o acontecido não sirva de exemplo. Não fomos cavalheiros com o Comissário. Minhas desculpas...

Tudo aconteceu lá pelos idos de 1957, com dezesseis anos respirava escotismo em todos os poros. Estudante pela manhã, ajudava meu pai em sua oficina e a noite ia para a sede encontrar com a Patrulha, planejar atividades, falar das namoradas, canções desafinadas e saber das novidades. Éramos duas patrulhas seniores, a maioria remanescentes da alcateia e tropa escoteira, exceto José Lima que entrou como Sênior. Nosso Chefe Sênior aparecia aos sábados. Reuniões simples, bandeira, papos, provas e revisão de programas e saber como ia nosso treinamento técnico. Romildo nosso Monitor era mais um amigo sem muita prosa. Sentados embaixo da mangueira do pátio vimos quando Micoçar com sua charrete chegou. Foi uma surpresa. Dela desceu um Chefe, todo prosa, caqueano, chapéu nos trinques, bela barriga como a minha hoje e gritou “Sempre Alerta Escoteiros”.

Moreno claro, idade por volta dos seus cinquenta anos logo perguntou: - Cadê o Chefe? Tãozinho falou baixinho: - Hoje não veio, foi para Baixo Guandu no expresso, só volta segunda. – E o Chefe do Grupo? Romildo emendou: Na casa dele no Morro do Chapéu. – Ele pomposo disse: - Alguém pode avisar que o Comissário da UEB está aqui? - Ninguém falou nada. Não estavam gostando do tipo. Muito metido e arrogante com ar de dono da bola. Acostumados com um aperto de mão, apresentação, um sorriso e fraternidade nem seu nome disse. Mindinho se ofereceu para ir avisar o Chefe João Soldado. – Não é só para avisar, disse. Diga a ele que é um comissário da UEB, que ele venha logo! – Rimos baixinho. Comprava briga sem saber com quem estava lidando. Se conhecesse o Chefe ficaria na sua.

Vinte minutos ouvindo seu prosear, contava seu tempo de escoteiro e como chegou ao posto de Comissário. Até que foi interessante. Mindinho chegou. – O Chefe mandou dizer que ele o receberá em sua casa. Micoçar sabe onde é. Micoçar era um charreteiro de aluguel. Naquela época as charretes faziam a festa na rodoviária e na estação ferroviária. Micoçar era o xodó das moçoilas, pois sempre tinha uma rosa para as que viajassem com ele. Saiu sem despedir-se. Ficamos sabendo depois que o Chefe João Soldado ficou uma “arara” com seu estilo topetudo e cheio de exigências. Falando alto, repetia que era Comissário da UEB e tinha plenos poderes. – Lá pelas seis e meia da tarde o Chefe João Soldado chegou com ele à sede. Já estávamos saindo quando nos chamou. – Patrulhas o Comissário quer fazer uma reunião com vocês. Disse que iria fazer uma autêntica reunião escoteira. Seria com os escoteiros, mas estão acampando. Todos aqui amanhã por volta das nove horas!

A reunião seria realizada no Campinho de futebol onde nos reuníamos. Matutando o que ele iria fazer ninguém gostou da ideia, mas ordens são ordens. Eu preocupado por perder os seriados da matiné no Cine Pio XII. Buffalo Bill contra o Sioux Hunkpapa e na sequência Nyoka, a Rainha da Selva. Uniformizados não pagávamos ingressos. Ordem dada ordem cumprida. A reunião se transformou em correria de louco. Naquela época achamos ser um besteirol aprontar aquela correria. Para dizer a verdade eu estava gostando. Tinha outros que não. O tal comissário bufava e corria para lá e para cá e como apitava. Uma enorme audiência se formou. Ele dava palestra, jogos, corria saltava e resolveu fazer um comando Crow. Não sabia que éramos peritos na corda. Na primeira fila rindo a valer estava Micoçar com seu bigodinho a lá Charles Chaplin. Conhecia-o de vista, nunca fomos amigos. Foi então que o Comissário formou um circulo e ensinou-nos uma canção que mais tarde adorei, mas naquela época! Vixe, que vergonha. Era a Piaba. “Sai, sai, sai ô piaba saia da lagoa”. Tinha de rebolar, dar uma umbigada e dançar requebrando. Uma canção que não foi feita para os machões seniores como nós.

Fui obrigado a cantar e dançar. “Sai, sai, sai oh piaba saia da lagoa”! Quando alguém dava uma umbigada à turma da arquibancada rolava de rir. Na minha vez Micoçar começou a gritar: - Vai Telírio! Vai Telírio! Mostre seu requebro! Bem aquilo foi demais. Chamar-me de Telírio era briga na certa. Hoje não, mas naquela época os homossexuais da cidade serviam de comentários maldosos e ridículos. Chamar alguém pelo seu nome era motivo de palavrão. Telírio era o mais conhecido. Eu vermelho de vergonha tentei dançar. Difícil requebrar. A turma da arquibancada gritando: - Vai Telírio, requebra e mostre que você é o maior dançarino da cidade! Desisti. Outros Seniores também. O povo morrendo de rir. O chefão gritando: - voltem todos. Não dispensei ninguém! O comissário raivoso gritava possesso: - Nem cantar sabem? Que raios de seniores são vocês? Mocinhas lavadeiras do Rio Doce? Ninguém ficou lá. Micoçar a gritar no meu ouvido me chamando de Telírio. Puxei a velha faca mundial que usava na cintura e disse que era a vez dele dançar. Dance se não vai sentir o sangue correr. Estava possesso! A turma do deixa disso chegou.

O Comissário saiu com Micoçar e foi direto a casa do Chefe João Soldado. Esqueci-me de dizer ele era Primeiro Sargento da Policia Militar. Soube que ameaçou fechar o grupo. Tanto falou que o Chefe João Soldado o pegou pela camisa o arrastou até a charrete de Micoçar dizendo: - Suma! Se aparecer na minha frente de novo quebro seus dentes e o coloco uma semana no xilindró. Micoçar se trazer ele aqui outra vez tu tá marcado comigo! Dia seguinte quando o Chefe João Soldado nos contou toda a conversa à tropa caiu na gargalhada. - Ora, ora, na minha cara disse que não tínhamos seniores. Tínhamos sim um bando de moleques indisciplinados (até certo ponto com razão). Exigiu que fizéssemos um Conselho de Tropa e destituísse ambos os Monitores. Disse que enquanto não fizermos tudo isto o grupo nunca seria registrado. Interessante é que nunca fomos registrados. Nosso grupo tinha mais de trinta anos de atividade e nunca fizemos registro. “Belle Époque”, outros tempos.

Hoje se voltasse no tempo não faria isso de novo. Mas era outro escotismo, mais campismo, aventuras e poucas reuniões de sede. Eu e Micoçar nos tornamos grandes amigos. O Comissário alugou sua charrete por dois dias e não pagou. Foi embora e deu o cano. As patrulhas fizeram uma “vaquinha” e pagamos em suaves prestações. Charretes! Também foram engolidas pela modernidade; assim como o escotismo pelos novos tempos!