Crônicas de um Chefe
Escoteiro.
O meu rico dinheirinho
que o escotismo quer me tomar.
Tem
hora que eu estranho a mim mesmo. Do contra? Acho que não. Como ser do contra
de um movimento que me deu tudo o que sou? Minha visão pensava eu e ainda penso
seria a mesma de todos que em uma época dizia que não precisaríamos de dinheiro
para fazer escotismo. Desde os primórdios dos tempos que me sentia feliz
escoteiramente falando sem pensar em dinheiro. Na nossa época não precisávamos.
– Ei Rael! Sábado vamos para o Vale dos Sinos, ração B! – Simples assim. –
Neves, mês que vem vamos a Conselheiro Pena. Dá para passar na estação e falar
com o Senhor Nonato? Bom demais. Ele reservava um vagão para nós. Mesmo que
fossemos poucos e dizia – Vocês merecem! Material? Uma dupla nas lojas bem
uniformizados (disso não abríamos mão), nos armazéns e com aquele belo sorriso
para o “Seu” Manoel – Tem um facão sobrando? Sobrando Escoteiro? Sobrando não,
mas aqui está eu tenho um para vocês!
E nas
festas do grupo? – Um telegrama e nele escrito – Camilo, mês que vem é
aniversário do grupo, avise todos daí. Aqui não tem problema, conseguimos toda
a alimentação. É só vocês conseguirem um caminhão na prefeitura e o resto é
conosco! Taxa? Esta palavra não existia para nós. Acho que foi lá por volta de
1952 que soubemos que precisávamos fazer o registro na UEB. Tinha taxa. Tinha
papelada. Tinha exigências. Ninguém se preocupou o escotismo continuou seguindo
seu caminho como sempre seguiu. Não havia a preocupação de hoje. Alguém se
machucou? Lembro-me do Fulgêncio. Quebrou o braço em um acampamento, seu pai
disse – Meu filho aprenda, escotismo é prá homem! Era bom demais fazer um
escotismo alegre e solto. Mamãe nossa panela furou tem uma para doar? Simples
demais. A mochila parecia que ia falar. Leve isto, aquilo e aquilo outro.
Pronto. Mochila nas costas, material na carrocinha e lá iam as patrulhas
estrada afora cantando o Rataplã!
Mas a
vida moderna não perdoa. O tempo passa e nós temos que seguir o tempo. Ele não
dá trégua. Um dia me disseram que eu era registrado na UEB. Acho que foi em
1956 não tenho certeza e olhe que já era Escoteiro desde 1947. – Chefe na
“carteirinha” está escrito que as autoridades são solicitadas a nos prestar
toda colaboração que pedirmos. O que vamos pedir? (existia algum parecido no
verso da Carteira) – O Chefe gente boa ria e dizia – Não vamos pedir nada, mas
já falei com o Doutor Leôncio e o Padre Damalto, ela sendo apresentada vocês
podem ir ao cinema de graça! Depois soube que foi a prefeitura quem pagou o
registro na UEB por muitos anos. E o mundo continuou a girar, o tempo foi
passando, tudo foi se alterando e agora eram exigências atrás de exigências.
Não havia como fugir dela, afinal eu cresci e tive de me adaptar. Será que
daria adeus aquele escotismo de BP? Chapéu na cabeça, lenço no pescoço,
bandeiras ao vento, um sorriso nos lábios e um cantar diferente: - Avançam as
patrulhas, ao longe, ao longe...
Fecho os
olhos e vou para os dias atuais. Não tem como fugir. Taxas da UEB podem ser
conseguidas de graça. Temos agora duas classes no escotismo brasileiro. Os
ricos e os isentos. Claro que dos ricos tem muitos pobres que passam o ano todo
juntando seu rico dinheirinho para pagar a UEB. Nada contra, mas haja dinheiro
para eles. O que tem de grupos a fazerem festas e promoções tudo para que o
“dólar” entre e possa pagar os materiais Escoteiros, a intendência, o ônibus do
acampamento e Deus do céu! Agora tem gente alugando seu sitio ou fazenda para
eles acamparem! Pode isto? Todo mundo quer tirar sua xepa. E os vendedores
Escoteiros que dizem ter tudo? Panelas, distintivos, camisetas, chapéus lenços,
anéis, caramba agora é assim, não tem como fugir. Ou cai de bruços na loja
Escoteira ou nos atravessadores. Eles estão errados? Never! Errado sou eu por
ser das antigas. Meus distintivos minha mãe fazia e só o noviço, a segunda
classe e a primeira classe a gente comprava. Sapato daqui sapato dali, uma
engraxadinha e pronto. Meu rico dinheirinho estava pronto para gastar.
Mas
será que o escotismo é mesmo só para ricos? Alguém me disse que não e outro
disse que sim. Eu mesmo tenho vontade de visitar grupos na minha cidade. Lá
estão muitos a me convidar. Festa do sorvete, festa do bacalhau, festa do peão,
Feijoada de dar água na boca, festa dançante, festa disto, festa daquilo. Seria
ótimo eu chegar lá e dar um abraço e um sempre alerta em todo mundo, mas não.
Tudo é pago. Beneficente Chefe! Putz! Eu sou um duro, não tenho Money então o
melhor é ficar em casa. Obrigado pelo convite! Este ano recebi centenas deles
quase todos seria dinheiro para lá comidinha
pra cá! Errado? Nunca, afinal o mundo é outro. Eles precisam. Mas eu nos meus
anos de vida sempre fui contra este tal dinheiro. Meu escotismo não precisava e
se tivesse forças eu faria o mesmo que fazia no passado. Ninguém se preocupa
muito com o Escoteiro pobre. Coitado dele. Inventaram uma vestimenta que ele só
pode comprar na mão deles. Ou compra ou fica pelado escoteiramente falando.
Como diz o Caco Antibes, “detesto pobre”. Afinal o que ele pode contribuir para
o escotismo nacional? Pode pagar? Pode viajar? Tem Money para taxas? Pode ir
num jamboree? Pode ir no acampamento regional e distrital? Ele nunca terá
condições de ir a uma reunião dos grandões lá em Genebra na Suíça e se sentir
importante na WOSM. Nunca. Então o melhor é ele sumir do mapa. Escotismo para
pobre? Nem pensar!
Mas eu
gostaria de fazer o Escoteiro pobre feliz. Sem taxas, sem pagar nada. Afinal
desafio a alguém que acampou mais que eu. Que rodou terras de bicicleta como eu
neste Brasil gigante. Que nunca teve nada e seu rico dinheirinho era uma caixa
de engraxate. Quem sabe ainda temos centenas de chefes lutando pelo Escoteirinho
pobre, dando a ele todas as condições para que ele um dia não se arrependa de
ter sido um Escoteiro. Nada de esmolas. Não precisamos disto. Basta uma
vontade, um querer, pensar que somos um por todos e todos por um. Pensar que ou
todos vão acampar ou não vai ninguém. – Pedrinho! Vamos na sexta à noite. Leve
a ração A e o material C para três dias. Todos sabem do que se trata. Vamos
divertir, vamos viver a aventura que ninguém viveu. Vamos deixar os rapazes e
moças serem os aventureiros que querem
ser sem pensar no seu rico dinheirinho. Ainda tem muitos lugares para ir de
graça. Pagar pela terra para acampar? Na minha terra? Onde dizem que o petróleo
é nosso e nunca me deram uma gota dele? Deus meu! Que Cabral me condene, mas nem
pensar. Ainda tem muitas pessoas que gostariam de ajudar. Lembre-se que a melhor esmola é aquela que, quando suas mãos estão
vazias, você oferece ao próximo à ajuda que elas podem lhe dar.
E por favor, não me leve a mal. Abaixo a
riqueza no escotismo e a burocracia. Deus do céu! Quanta burocracia! Mas eu? Eu
meu amigo só sei hoje criticar, afinal fiz outro escotismo e como a vida para
mim não será mais tão longa, eu meto o pau nos que ainda não aprenderam que o
pobre tem de ter o seu lugar. E como diz o mineiro – “Inté” a todos!