terça-feira, 23 de setembro de 2014

O meu rico dinheirinho que o escotismo quer me tomar.


Crônicas de um Chefe Escoteiro.
O meu rico dinheirinho que o escotismo quer me tomar.

                    Tem hora que eu estranho a mim mesmo. Do contra? Acho que não. Como ser do contra de um movimento que me deu tudo o que sou? Minha visão pensava eu e ainda penso seria a mesma de todos que em uma época dizia que não precisaríamos de dinheiro para fazer escotismo. Desde os primórdios dos tempos que me sentia feliz escoteiramente falando sem pensar em dinheiro. Na nossa época não precisávamos. – Ei Rael! Sábado vamos para o Vale dos Sinos, ração B! – Simples assim. – Neves, mês que vem vamos a Conselheiro Pena. Dá para passar na estação e falar com o Senhor Nonato? Bom demais. Ele reservava um vagão para nós. Mesmo que fossemos poucos e dizia – Vocês merecem! Material? Uma dupla nas lojas bem uniformizados (disso não abríamos mão), nos armazéns e com aquele belo sorriso para o “Seu” Manoel – Tem um facão sobrando? Sobrando Escoteiro? Sobrando não, mas aqui está eu tenho um para vocês!

                    E nas festas do grupo? – Um telegrama e nele escrito – Camilo, mês que vem é aniversário do grupo, avise todos daí. Aqui não tem problema, conseguimos toda a alimentação. É só vocês conseguirem um caminhão na prefeitura e o resto é conosco! Taxa? Esta palavra não existia para nós. Acho que foi lá por volta de 1952 que soubemos que precisávamos fazer o registro na UEB. Tinha taxa. Tinha papelada. Tinha exigências. Ninguém se preocupou o escotismo continuou seguindo seu caminho como sempre seguiu. Não havia a preocupação de hoje. Alguém se machucou? Lembro-me do Fulgêncio. Quebrou o braço em um acampamento, seu pai disse – Meu filho aprenda, escotismo é prá homem! Era bom demais fazer um escotismo alegre e solto. Mamãe nossa panela furou tem uma para doar? Simples demais. A mochila parecia que ia falar. Leve isto, aquilo e aquilo outro. Pronto. Mochila nas costas, material na carrocinha e lá iam as patrulhas estrada afora cantando o Rataplã!

                  Mas a vida moderna não perdoa. O tempo passa e nós temos que seguir o tempo. Ele não dá trégua. Um dia me disseram que eu era registrado na UEB. Acho que foi em 1956 não tenho certeza e olhe que já era Escoteiro desde 1947. – Chefe na “carteirinha” está escrito que as autoridades são solicitadas a nos prestar toda colaboração que pedirmos. O que vamos pedir? (existia algum parecido no verso da Carteira) – O Chefe gente boa ria e dizia – Não vamos pedir nada, mas já falei com o Doutor Leôncio e o Padre Damalto, ela sendo apresentada vocês podem ir ao cinema de graça! Depois soube que foi a prefeitura quem pagou o registro na UEB por muitos anos. E o mundo continuou a girar, o tempo foi passando, tudo foi se alterando e agora eram exigências atrás de exigências. Não havia como fugir dela, afinal eu cresci e tive de me adaptar. Será que daria adeus aquele escotismo de BP? Chapéu na cabeça, lenço no pescoço, bandeiras ao vento, um sorriso nos lábios e um cantar diferente: - Avançam as patrulhas, ao longe, ao longe...

                  Fecho os olhos e vou para os dias atuais. Não tem como fugir. Taxas da UEB podem ser conseguidas de graça. Temos agora duas classes no escotismo brasileiro. Os ricos e os isentos. Claro que dos ricos tem muitos pobres que passam o ano todo juntando seu rico dinheirinho para pagar a UEB. Nada contra, mas haja dinheiro para eles. O que tem de grupos a fazerem festas e promoções tudo para que o “dólar” entre e possa pagar os materiais Escoteiros, a intendência, o ônibus do acampamento e Deus do céu! Agora tem gente alugando seu sitio ou fazenda para eles acamparem! Pode isto? Todo mundo quer tirar sua xepa. E os vendedores Escoteiros que dizem ter tudo? Panelas, distintivos, camisetas, chapéus lenços, anéis, caramba agora é assim, não tem como fugir. Ou cai de bruços na loja Escoteira ou nos atravessadores. Eles estão errados? Never! Errado sou eu por ser das antigas. Meus distintivos minha mãe fazia e só o noviço, a segunda classe e a primeira classe a gente comprava. Sapato daqui sapato dali, uma engraxadinha e pronto. Meu rico dinheirinho estava pronto para gastar.

                    Mas será que o escotismo é mesmo só para ricos? Alguém me disse que não e outro disse que sim. Eu mesmo tenho vontade de visitar grupos na minha cidade. Lá estão muitos a me convidar. Festa do sorvete, festa do bacalhau, festa do peão, Feijoada de dar água na boca, festa dançante, festa disto, festa daquilo. Seria ótimo eu chegar lá e dar um abraço e um sempre alerta em todo mundo, mas não. Tudo é pago. Beneficente Chefe! Putz! Eu sou um duro, não tenho Money então o melhor é ficar em casa. Obrigado pelo convite! Este ano recebi centenas deles quase todos  seria dinheiro para lá comidinha pra cá! Errado? Nunca, afinal o mundo é outro. Eles precisam. Mas eu nos meus anos de vida sempre fui contra este tal dinheiro. Meu escotismo não precisava e se tivesse forças eu faria o mesmo que fazia no passado. Ninguém se preocupa muito com o Escoteiro pobre. Coitado dele. Inventaram uma vestimenta que ele só pode comprar na mão deles. Ou compra ou fica pelado escoteiramente falando. Como diz o Caco Antibes, “detesto pobre”. Afinal o que ele pode contribuir para o escotismo nacional? Pode pagar? Pode viajar? Tem Money para taxas? Pode ir num jamboree? Pode ir no acampamento regional e distrital? Ele nunca terá condições de ir a uma reunião dos grandões lá em Genebra na Suíça e se sentir importante na WOSM. Nunca. Então o melhor é ele sumir do mapa. Escotismo para pobre? Nem pensar!

                Mas eu gostaria de fazer o Escoteiro pobre feliz. Sem taxas, sem pagar nada. Afinal desafio a alguém que acampou mais que eu. Que rodou terras de bicicleta como eu neste Brasil gigante. Que nunca teve nada e seu rico dinheirinho era uma caixa de engraxate. Quem sabe ainda temos centenas de chefes lutando pelo Escoteirinho pobre, dando a ele todas as condições para que ele um dia não se arrependa de ter sido um Escoteiro. Nada de esmolas. Não precisamos disto. Basta uma vontade, um querer, pensar que somos um por todos e todos por um. Pensar que ou todos vão acampar ou não vai ninguém. – Pedrinho! Vamos na sexta à noite. Leve a ração A e o material C para três dias. Todos sabem do que se trata. Vamos divertir, vamos viver a aventura que ninguém viveu. Vamos deixar os rapazes e moças  serem os aventureiros que querem ser sem pensar no seu rico dinheirinho. Ainda tem muitos lugares para ir de graça. Pagar pela terra para acampar? Na minha terra? Onde dizem que o petróleo é nosso e nunca me deram uma gota dele? Deus meu! Que Cabral me condene, mas nem pensar. Ainda tem muitas pessoas que gostariam de ajudar. Lembre-se que a melhor esmola é aquela que, quando suas mãos estão vazias, você oferece ao próximo à ajuda que elas podem lhe dar.


E por favor, não me leve a mal. Abaixo a riqueza no escotismo e a burocracia. Deus do céu! Quanta burocracia! Mas eu? Eu meu amigo só sei hoje criticar, afinal fiz outro escotismo e como a vida para mim não será mais tão longa, eu meto o pau nos que ainda não aprenderam que o pobre tem de ter o seu lugar. E como diz o mineiro – “Inté” a todos!