quinta-feira, 7 de junho de 2012

O profissional Escoteiro e Projeto 2.000


“Viva a cada dia na sua plenitude, os problemas de ontem estão escritos na areia, varridos fora da existência pela própria mão de Deus”. As coisas do futuro que nossos corações possam temer podem ser resolvidas, todas, quando amanhã estiver aqui da nossa vida inteira, apenas estas horas – as horas de hoje.

O profissional Escoteiro e Projeto 2.000 – fasc. 74

          "Velho" vou ficar mais de um mês fora. A empresa me mandou para uma cidade no estado do Maranhão, pois abriram uma nova filial e tenho de organizar o setor de manutenção. – O "Velho" me olhou com aqueles olhos azuis, nada zombeteiros, mas mesmo assim disse – Ótimo, graças a Deus. Vou ficar livre de você por um bom tempo! Quem sabe gosta de lá e não volta nunca mais? – Gosto do "Velho". Muito. Amo como se fosse meu pai e sabia que suas palavras eram de tristeza pela minha ausência.  O "Velho" como a adivinhar o que eu pensava pela primeira vez me surpreendeu. – Olhe ele disse, vais fazer uma tremenda falta. Aprendi a gostar de você de sua maneira de ver o escotismo e hoje o considero um grande Chefe Escoteiro. Gostaria de ter tido um filho como você. Vê se não demora. Não sei quanto tempo ainda tenho nestas minhas horas extras que faço aqui na terra. Não irei embora sem me despedir de você!
         Danado de "Velho". Pegava-me assim sem mais nem menos com esta declaração. Deu vontade de levantar do meu banquinho de três pés e abraçá-lo. Forte. Dar um beijo em sua face e dizer a ele – "Velho", eu amo você como se fosse meu pai! Mas sabia que não poderia fazer isto. Ele não gostava. Nem com os netos e sua filha. Até ri no dia que a Vovó deu nele um beijo gostoso na boca. Ele ficou vermelho, sorriu de leve, não disse nada, pois a Vovó ele respeitava. Bem eu tinha um assunto que gostaria de falar com ele antes de partir. Ele também sabia que eu queria fazer alguma pergunta. O som da vitrola antiga tocava baixinho Thais: Meditation com Gheorghe Zamfir. Linda. Como toca este moço com sua flauta mágica.
       Sabe "Velho", ontem sem querer participei da reunião da diretoria do grupo Escoteiro, e eles discutiram sobre a diferença de um Escoteiro profissional e a de um profissional escoteiro. Alguém deu a ideia de quem sabe o grupo ter um. Já falamos muito sobre isto e para dizer a verdade eu mesmo fiquei em dúvida. Nunca vi em nenhum grupo um profissional assim. Já vi pessoas que trabalham na sede Escoteira. Mas sempre como administrativos. Você tem conhecimento sobre isto? – O "Velho" balançou a cabeça concordando. Escutou os acordes finais de Zamfir, me olhou com aqueles olhos azuis e os cabelos brancos caindo sobre a testa e ficou a pensar.
     - Para lhe ser sincero, falou o "Velho", acredito que nosso movimento poderia ter dado um salto bem maior em quantidade e qualidade se tivéssemos nos preocupado mais com os profissionais escoteiros. Veja bem, entendo como profissional Escoteiro alguém com uma função específica em um órgão Escoteiro, para desenvolver programas de expansão, proselitismo, arrecadação de fundos, e ser um contato entre os grupos escoteiros entre si, seja distrito, região, direção nacional ou mesmo um Grupo Escoteiro. Estou, a saber, que há poucos meses nosso órgão máximo contratou um profissional. Ótimo. Quanto tempo ficaram sem ele. Nunca é tarde para começar.
      Veja bem, estamos falando de um profissional Escoteiro e não um Escoteiro profissional. Acredito que este último está fora de cogitação por enquanto. Ele existe na Boy Scout dos Estados Unidos. Trata-se de um técnico Escoteiro e trabalha como profissional conforme é solicitado nos estados e em grupos. Chega a ponto de alguém contratá-lo para organizar uma tropa, fazer um acampamento, preparar chefes escoteiros, substituir chefes em férias ou viagem enfim múltiplas funções. Aqui acredito que eles irão demorar em existir. Agora bem diferente do Profissional Escoteiro. Sua função é outra. Para isto deve ser bem treinado, pois irá lidar na comunidade em busca de apoio financeiro e apoio logístico.
        Eles também são muito úteis com bons programa de expansão do escotismo. Isto falta para que nosso escotismo dê um grande salto, principalmente por reconhecimento das autoridades municipais, estaduais e federais. Impossível para amadores executarem esta tarefa. Vou lhe contar uma história que aconteceu comigo a muitos e muitos anos atrás. Recebemos a visita de um antigo profissional já conhecido do CIE (Conselho Interamericano de Escotismo) hoje mais conhecido como Oficina Scout Interamericana. Não sei se realmente se chama assim, mas isto não importa. Não me lembro agora do nome do profissional que nos visitou. Eu já o conhecia de outras visitas com outras finalidades. Uma pessoa muito simpática e quando vinha ao Brasil parecia pisar em ovos. Mais tarde explico por que.
        Seus lideres conseguiram em vários países através de uma grande campanha financeira e até com boa ajuda da BSA, uma quantia razoável para a expansão do escotismo na América do sul. Foi feito um plano que chamaram de Projeto 2.000. Um plano simples, mas eficaz. Deu certo em vários países menos aqui no Brasil. Vamos a ele – Contrata-se um Profissional Escoteiro que em principio deve conhecer bem o escotismo, paga-se um bom salário (acho que hoje seria por volta de dois mil e quinhentos dólares) No contrato ele receberia integral no primeiro ano, setenta por cento no segundo e no terceiro só trinta por cento. Após o quarto ano a verba seria suspensa. Ele continuaria como profissional, mas teria que fazer seu próprio salário.
         Enfim, O projeto consistia em escolher uma área, que seria denominado distrito e o profissional iria allí desenvolver o escotismo com objetivo de em menos de três anos ter dois mil escoteiros. Nota-se que a área não poderia ter nenhum grupo. O próprio Profissional do CIE iria treinar os profissionais escolhidos no Brasil, pois o projeto iria abranger mais de oito estados brasileiros. Ele o profissional iria aprender como manter contatos e se relacionar com fábricas, igrejas, comércios, empresas diversas, enfim a seara para desenvolver o escotismo na área. Ele seria responsável para arrumar sedes, chefes, diretorias e principalmente os meios necessários para prover todas as necessidades do Grupo Escoteiro no seu início. Depois a diretoria seria a responsável. Pensava-se que cada grupo Escoteiro teria por volta de cem membros. Portanto teria de ser organizado mais de 20 grupos.  De toda arrecadação que conseguisse na comunidade, teria uma porcentagem para suprir seu salário, seu escritório e futuramente auxiliares.
        Um grande plano. Foi-nos passado que deu certo em muitos países. Se desse certo no Brasil teríamos em três anos mais dezesseis mil escoteiros desta vez em grupos bem organizados e estruturados. Mas o plano não iria parar por aí. A própria UEB daria prosseguimento em outros estados e a expansão nos demais estados onde foi implantado. Belo Plano. Belo mas no papel. Aí começaram as dificuldades. Chefes Escoteiros com ciúmes do profissional. Trabalho inteiramente diferente, mas os chefes não viam isso. Muitos desempregados ou mal pagos assistiam com criticas o desenrolar do Projeto. O Distrital da área achava que o outro profissional era pago e ele não. Muitas vezes dizia que era preterido pela região me razão do outro.  Vários amigos escoteiros sem condições insistindo para serem escolhidos. Os ciúmes e dúvidas também chegaram à direção regional. Algumas delas achavam que o profissional do CIE era mais importante e a palavra final nunca eram deles.
         Finalmente soube que dois estados aceitaram. Em um atingiu-se parcialmente o desejado no outro se extinguiu em menos de um ano. A índole do Chefe escoteiro em nosso país se firma muito no servir e muitos não sabem discernir entre o profissional e o Chefe Escoteiro voluntário.  Veja bem, soube que a BSA (sempre ela, mas é nosso referencial) tem centenas de profissionais Escoteiros e também muitos Escoteiros Profissionais. São designados para todos os distritos nos estados e o resultado é surpreendente. Nunca teria os cinco milhões que hoje possuem de membros se não fossem o trabalho dos profissionais escoteiros e olhe, estão lutando para em dez anos chegarem aos trinta milhões de escoteiros! Lá se faz um trabalho sério.
        Difícil no Brasil pensar assim. Somos leigos neste assunto. Vou lhe dar outro exemplo. A muitos e muitos anos atrás um estado no Brasil através do seu presidente contratou um Profissional Escoteiro com experiência em outros países. Como o Presidente era pessoa bem relacionada e um profissional experiente na comunidade e em suas empresas o sucesso não se fez esperar. Combinou-se com ele (o profissional) uma porcentagem em todas as arrecadações e se não me engando era coisa de dez por cento. Ele conseguiu tanto dinheiro que os dez por cento se transformou numa fábula de salário. Daí para os ciúmes, desavenças (ele passou também a colaborar como técnico em cursos) foi um passo. Eu mesmo fui visitá-lo uma vez. Recebeu-me muito bem e me ofereceu um uísque importado. Um absurdo na mente dos voluntários escoteiros. Quando foi eleita nova diretoria mandaram-no embora. Como dizem por aí, o leite secou. A região empobreceu.
         Na década de sessenta e setenta, um Profissional da UEB deu grande contribuição para o desenvolvimento Escoteiro no Brasil. Ficou muitos anos, pois era uma pessoa bem relacionada e amiga. Deu enorme contribuição para a formação de muitos escotistas em vários estados brasileiros onde aplicou cursos e palestras diversas. Com exceção do novo Profissional contratado pela UEB recentemente, há muitos anos não temos ninguém nesta seara. Claro, as leis trabalhistas no Brasil muitas vezes prejudicam em muito a contratação de um profissional. Não sei das regiões, mas acredito que nenhuma possui um profissional Escoteiro como se espera. Nada a comparar com funcionários executivos dos escritórios locais.
         Agora veja bem, já pensou se cada grupo tivesse um? Não precisava ser um alto executivo. Mas deveria ser alguém bem treinado para se sair bem em suas funções. Quais? Acho que deveria ter boa escolaridade e melhor se fosse curso superior. Trabalhar no comercial local da sua comunidade em busca de sócios, colaboradores e doadores ao Grupo Escoteiro. Já pensou? Mas quanto ele receberia? Salário seria impossível. Nenhum grupo teria condições de pagar um profissional assim. Mas e se lhe dessem vinte por cento de tudo que conseguisse? Será que os grupos topariam? Mesmo? Acredita nisto? E se amanhã ou depois ele conseguisse arrecadar mais de trezentos mil por ano? Muito? Menos? E ele ficaria com vinte por cento?
        Claro que haveria gritos, sussurros, reclamações, pois dificilmente a maioria dos escotistas dos grupos escoteiros no Brasil atingem um salário como o executivo iria receber. E depois até onde ele iria? Conseguido os valores programados poderia abrir um escritório seu ou ficaria no próprio grupo? E o Diretor Técnico? Os Presidentes? Passariam a exigir dele como exigem do voluntário? Ouve uma época que a UEB desenvolveu um Curso de Profissional Escoteiro. Não conheci o curriculum do curso. Os resultados foram pífios. Não sei se deram continuidade. Muitos senões, muitos ventos a favor. O "Velho" parou de falar. Para mim seria um tema que achava deveria ser obrigatório em todos os órgãos escoteiros. Nunca seriamos nada em termos de quantidade e qualidade para comparar a tantos outros países sem bons profissionais escoteiros em número razoável atuando em todo Brasil.
          Nenhum plano de expansão teria êxito sem eles. Não sei o que estão fazendo, quais os planos, objetivos, mas seria bom que todos pensassem a respeito. Um profissional hoje é um pingo d’água no oceano. Tomei um café rapidamente e me despedi do "Velho". Um abraço afetuoso e fraternal. "Velho"! Eu disse, eu voltarei! O "Velho" riu, mas vi em seus olhos pequena gotas de lagrimas escondidas. Desci as escadas sem olhar para trás. A lua enorme mostrava toda sua força provando que Deus existe. Um vento frio e gostoso soprava em uma brisa leve e intermitente. Um profissional Escoteiro será que eu poderia ser um? Risos. Acho que não. Os jovens são meus preferidos. Um mês e quinze dias sem ver o "Velho". Meu coração ia aguentar?
“Siga tranquilamente, entre a inquietude e a pressa, lembrando-se de que há sempre paz no silêncio”. Tanto quanto possível sem se humilhar, mantenha boas relações com todas as pessoas. Fale a sua verdade mansa e claramente e ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes, pois eles também têm sua própria história.