quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Ser ou não ser, eis a questão!




A preguiça anda tão devagar, que a pobreza facilmente a alcança.

Conversa ao pé do fogo.
Ser ou não ser, eis a questão!

                Leon não tirava férias no final do ano e nem tampouco em julho. Sempre trabalhou duro, mas sabia que sem férias ele poderia dar um “piripaque”, pois seu trabalho exigia muito. Saia sim, por quinze dias em setembro. Comentou isto com a Assistente Social da empresa. Moça simpática, eles conversaram por horas e ele viu outra estrada em sua vida. Mais trabalho? - Outro tipo de trabalho Leon – ela disse. O voluntariado. Leon pensou muito sobre o assunto. Ela mesma fez questão de lhe dar uma lista onde precisavam de voluntários para ajudar. – Olhe Leon hoje em dia as empresas no mundo inteiro estão valorizando muito o colaborador da empresa que participa do trabalho voluntário. Não deu outra. Ia ser um voluntário. Olhou na lista e viu mais de 50 entidades assistenciais. Nenhuma lhe chamou a atenção. Lembrou que sempre interessou por aventuras, viagens, explorações em montanhas e atividades aventureiras. Quem sabe encontraria alguma assim? Sentado na poltrona de sua quitinete viu pela televisão uma turma de Escoteiros em reuniões de sede. Nunca foi e nunca pensou em ser. No seu microcomputador fez uma pesquisa. Estavam lá o fundador, as atividades, o método e como era o escotismo no Brasil.

          Leon pensou porque uma organização de jovens com um programa tão bonito não tinha um marketing mais agressivo para arregimentar voluntários. Viu que ela nem estava na lista da assistente social. Não havia um chamativo não havia nada a não ser se alguém se interessasse em procurar para saber o que era o Escotismo. Procurou na sua região o Grupo Escoteiro mais próximo. Isto aconteceu há três anos e os pormenores do que houve, do seu treinamento, dos cursos e da sua promoção a Chefe da Tropa não entraremos aqui em detalhes. Leon amou o escotismo. Entregou-se de corpo e alma e tinha uma meninada na tropa que o adorava. Em principio não houve questionamentos. Ele começou a aprender a fazer fazendo as técnicas escoteiras com seus monitores. Leu sobre isto nos livros do fundador. Transformou-se em um mestre. Só havia um problema que Leon questionava sempre. O tempo útil com seus Escoteiros. Ele somou os dias de reuniões no ano e achou que se dedicava apenas três ou quatro horas por dia num total de 36 dias. Pouco. Muito pouco. Isto não dava 120 horas por ano.

           Leon lembrou que tinha de somar os acampamentos, acantonamentos, excursões e atividades distritais e regionais e mesmo assim nunca passou de 200 horas por ano. Pesquisou outras formas de trabalho voluntário e viu que em todos eles o tempo despendido era bem maior. Na sua empresa 200 horas era o que fazia em vinte e poucos dias. Se o movimento Escoteiro queria mudar o jovem na sua formação individual, dando a ele oportunidade de desenvolver seu caráter, sua liderança por sim próprio o tempo dedicado era escasso. Pensou muito sobre as férias do Grupo Escoteiro. Acreditou que eles estavam se comparando a uma escola que sempre tinha mais de 4 horas de aulas por dia, cinco dias por semana. 30 dias corrido em julho. 60 em janeiro e fevereiro e sem contar dezembro dariam mais de 70 dias. Isto considerando que paravam em 15 de dezembro e só voltavam em março. Ele achava que era muito tempo perdido. Pensou muito em tudo isto e viu que nas reuniões de tropa se perdiam muito tempo com outras atividades que eram necessárias, mas que as mais importantes não eram feitas. Sempre dois ou três jogos, quase trinta minutos com cerimonial de abertura e encerramento. Notou que quase não sobrava tempo para as patrulhas se reunirem, conversarem, trocarem ideias e se adestrarem. Ele tinha sugerido que os monitores convencessem os demais a fazer uma reunião extra na semana. Só a patrulha. Podia ser na sede ou em casa de algum patrulheiro. Isto quem sabe podia ajudar.

             Ele lembrou-se das palavras de Confúcio que dizia – Transportai um punhado de terra todos os dias e fareis uma montanha. Não queria raciocinar sozinho. Queria ouvir as patrulhas e os monitores. Ele tinha dois assistentes. Alessandro e Ramon. Ambos casados e ambos com filhos no grupo. Sabia que viajavam sempre nas férias um para o litoral e outro para o interior. Eles ficaram ressabiados quando Leon tocou no assunto. Mas Leon não forçou. Se houvesse uma mudança ela teria que ser feita sem pressa e bem pensada. Não foi Shakespeare quem comentou que se todo ano fosse de férias alegres, divertirmo-nos tornar-se-ia mais aborrecido do que trabalhar? Estavam em meados de setembro. Leon levantou o tema com os monitores. Que eles discutissem em suas patrulhas – Disse para todos que gostaria de opiniões sobre as férias que eles tinham e a tropa ficava inativa. O que eles achavam? Ele por experiência sabia que no retorno das férias para voltar ao normal demorava-se três ou quatro reuniões, ou seja, um mês e isto sem contar muitos faltantes.

         O assunto extrapolou a tropa. Foi interpelado pelo Diretor Técnico. Ainda bem que era um Chefe compreensivo. A princípio propôs que poderiam estudar dois grandes acampamentos em julho, janeiro ou fevereiro. Ele comentou que os acampamentos de tropa eram de dois ou três dias e poucas vezes ficaram quatro dias. - Já pensaram disse fazermos um acampamento de seis ou oito dias? Seus assistentes o olharam de esguelha. – Calma ele disse, poderemos nos revezar. Podemos fazer uma pesquisa com os pais quando eles iriam voltar de férias. Não vai ser difícil chegar a um denominador comum. Vocês devem saber que os acampamentos de férias particulares oferecem pouco por um valor enorme. E sempre os jovens que vão ficam mais de sete dias e sei que quase não tem vagas nestas épocas. Leon sorriu e viu que sua ideia germinava. Os poucos acampamentos que faziam eram muito corridos. Lá também se perdia tempo. Quase não dava para fazer o que ele sempre sonhou. Viver e conhecer a natureza. Grandes aventuras. Grandes pioneiras, caçadas com armadilhas e grandes pescarias. Ele adorava pescar. Queria ensinar sua tropa a pescar assar e comer o próprio peixe pescado.

          Não foi Pitágoras quem disse que com organização e tempo, acha-se o segredo de fazer tudo bem feito? Leon sabia por
experiência que tudo tem de haver um começo. Se na primeira dificuldade ele desistisse era melhor desistir de tudo agora. Custou um ano a preparação, a pesquisa com os pais, convencer os demais chefes no grupo e então Leon viu seu sonho realizado. Em julho ele fez um acampamento de seis dias, em janeiro quase no final do mês outro de oito dias! Todos os jovens da tropa contavam a dedo quando chegariam às férias. Agora seriam outras férias. Adoraram pescar, eles aprenderam a seguir pista de animais, Roque o Monitor se encantou quando conseguiu chegar perto de um quati aprendendo a usar o vento a seu favor. Descobrir ninhos e ver como eram feitos levou um dia. Fazer amizade com uma coruja não foi fácil. Aprender o canto dos pássaros e dos animais demorou-se bastante tempo. Descobrir aberturas nas matas, atravessar riachos, tudo feito por eles mesmos sem chefes por perto eram uma aventura. Achar uma orquídea num vale distante deu o que falar. E a jornada? Um dia inteiro com mapas e croquis e claro com uma Bússola Silva velha de guerra e uma Prismática. Fizeram um grande jogo de madrugada, um apito de socorro acordou todo mundo. A ajuda ao próximo com os olhinhos mortos de sono valeu qualquer jogo que fizeram antes. A construção de uma passagem aérea com cipós e o ninho de águia foi demais. O elevador deu o que falar.

           Leon sorria quando se lembrava de técnicas que todos falavam e nunca usaram ou aprenderam. Agora tinham tempo. Nada de correrias de levantar muito cedo, fazer a inspeção sim, bandeira almoço jantar tudo feito com calma. Joguinhos sem graça foram colocados no fundo do bornal. Agora era tudo diferente. Aprenderam a dar um nó de evasão de cabeça para baixo, ficar pendurado em uma corda e fazer uma amarra quadrada ou diagonal na construção de uma torre, e os nós? Feitos na prática. As costuras de arremate eram feitas com rapidez. Aprenderam a lavar a roupa e passar no estilo Escoteiro. Um volta de fiel duplo no alto da arvore, um arnês, um balso pelo seio e tantos outros agora era divertido fazer. Aprenderam a acender e fazer uma bela fogueira sem fósforos ou isqueiros. Eles ficaram técnicos em percursos de Giwell, orientação pelas estrelas e constelações à noite sem bussola, treinaram até cansar o passo Escoteiro, o passo duplo. O jogo de transmissão noturno com Morse foi um sucesso. E o Semáforo? Eles riam a valer com os erros e acertos. Treinaram provas de cozinha, o frango no barro, o arroz sem panelas, assar um peixe na brasa, fazer café sem coador e tantas outras iguarias que quase todos queriam também ter sua especialidade de cozinheiro. Agora eles tinham tempo. As patrulhas ficavam mais tempo juntos. Os chefes deixavam sempre eles aprender fazendo. Leon conseguiu um belo serrote de carpinteiro e um Traçador. Deram belas risadas quando foram serrar uma tora já cortada na mata. Era para serrar 28 bancos com os tocos e no primeiro dia nenhum. Risos. A turma aprendeu tudo com amor, pois ele levou um marceneiro amigo de um pai Escoteiro.

            Valeu a pena e se valeu. A união das patrulhas aumentou ninguém naquele ano desistiu do grupo, vários outros jovens quando souberam destes acampamentos aventureiros procuraram entrar e em pouco tempo as patrulhas estavam completas. Não foi tanta modificação que Leon fez, mas os dois acampamentos nunca serão esquecidos por nenhum dos jovens que tiveram a oportunidade de participar deles. Os pais até se alegravam, pois ter os filhos em casa, sem reuniões e sem escola dava trabalho. Leon continuava seu trabalho na empresa. Comentou com a Assistente social. Ela ria da alegria de Leon. Ela mesma disse que vários na fábrica gostariam de participar. Devagar, devagar ele disse. Tudo há seu tempo. Férias? Pensou Leon, 90 dias parados? É coisa do passado. Ser ou não ser? A questão não é essa. A questão é quem sabe o que faz e procura vencer nos seus sonhos tem seu dia de glória!     

Tempo: - Só no escotismo que o voluntário tira férias de três meses ou mais. Os demais voluntários que ajudam em outras obras assistenciais param sim, nos dias que vão viajar. Depois na volta continua seu trabalho a que se propôs fazer. E afinal, 90 ou 60 dias? Quem viaja tanto?             
  
Aqueles que não fazem nada estão sempre dispostos a criticar os que fazem algo.