segunda-feira, 13 de agosto de 2018

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Quebra Coco. O último desafio!



Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Quebra Coco. O último desafio!

Nota: Há tempos era uma tradição cantar a canção Quebra Coco nos fogos de conselho. Quebra Coco é uma tradicional canção escoteira, provavelmente adaptada do folclore do Estado do Para. Conforme o Chefe Fabio Neiva, o primeiro registro desta canção foi de uma publicação da revista Escoteiro da Gloria, do Rio de Janeiro de fevereiro de 1926´. Provavelmente parodiando antigos repentistas e com o tempo se tornou muito popular nos fogos de conselho.

                 Acho que o tempo apagou estas lembranças incríveis. Quase não vejo alguém cantar ou falar desta canção. Sempre foi um desafio incrível. Deve ser os novos tempos, novas músicas, novas canções. E quem se anima a cantar as antigas? Elas devem ter ficado no tempo presas na mente dos antigos escoteiros que ainda vivem seus sonhos em um passado distante. Acredito que devem ser poucos que ainda lembram-se do desafio em um Quebra Coco que só foi terminar lá pelas tantas com o sol dando as caras pela manhã. Na minha época um tremendo e bom desafio.

Como era gostoso cantar e ver os desafiantes meditando e montando a estrofe que iria cantar. Até quando fui Chefe de tropa tentei incutir em todos o desafio do Quebra Coco. Acho que não fui feliz. Os jovens não se interessavam mais. Tudo foi mudando, novas ideias novos Fogos de Conselho. Quem diria que naquela época teríamos um animador de fogo? Nunca! Animador? Nem pensar. O fogo era espontâneo.

               Lembro-me do meu primeiro acantonamento/acampamento no sitio do Vale Feliz. Lobinhos cantavam as canções antigas com vigor. Fizeram um desafio e eu aceitei sem saber como montar uma estrofe. Lobos acampando? Risos. Claro, era comum. E porque não? Era mais divertido. Lembro-me do Miúdo (era nosso Balu, nunca fiquei sabendo seu nome real) e do Munir Boca Grande (nosso Bagheera) a fazer os almoços e jantas e que manjar! Eles eram bons e todos nós em volta ajudando, buscando água, lenha, cantando e contando “pataquadas”.

                Bons tempos. Já tinha participado de dois Fogos de Conselho. Não sabia como era o Quebra Coco. Foi o Akelá Laudelino quem explicou. Tratava-se de um desafio entre escoteiros. A tropa antes de encerrar o Fogo de Conselho fazia o desafio. No começo todos participavam, mas depois de algum tempo ficavam dois ou três. Os demais não eram bons repentistas e se quisessem podiam ir dormir. Mas ninguém arredava o pé enquanto não houvesse um ganhador.  

              Quando escoteiro e sênior o quebra coco era minha diversão favorita nos Fogos de Conselho. Desenvolvi uma facilidade grande em criar versos. Nada dos conhecidos. Isto era para Patas Tenras. Poucos tinham a “audácia” de me desafiar. Iniciava o quebra coco cantando: – “Meus amigos, escutem bem, hoje estou um pouco rouco, mas é bom ficar sabendo, sou o campeão do Quebra Coco” e daí em diante não parava mais.

              Mas tudo mudou quando quebraram meu orgulho de cantador. Fui humilhado por um matuto de uma pequena cidade do fim do mundo. Fomos acampar em Serra Vermelha com uma Tropa da cidade de Guanhães e foi um desastre. Todos perguntando se tínhamos bons “cantadores” do Quebra Coco. Apontavam-me e eu ficava todo orgulhoso. Não falaram nada do Mandinho. Um Escoteiro magrelo, desengonçado e achei até que ele era gago. Quando chegou a hora e ele em pé aceitou meu desafio, sorri de leve. “Este está no papo”.

               Deus do céu! Onze horas, meia noite e o danado lá aceitando todos meus versos e devolvendo em dobro! O Chefe disse que quem quisesse podia ir para as barracas, mas ninguém arredou o pé. Minha cabeça fervilhava, a busca de versos era medonha. Mais de quatro horas e o danado do Mandinho ali com um sorriso simples, sem afetação me colocando no chinelo! – Entreguei os pontos. Fui lá do outro lado à fogueira cumprimentá-lo. Parabéns Mandinho. O elogiei. Faz parte da Fraternidade Escoteira. – “Mandinho, estou orgulhoso de você”! Pensei em encerrar minha carreira de cantador, mas quando se canta pela primeira vez a gente mantem no coração a chama escoteira. Ganhar é bom, mas se perdeu paciência. (Nosso Chefe Jessé dizia).

               Os tempos foram mudando. Participei de muitos Fogos de Conselho. O Quebra Coco se tornou saudades de um tempo no passado. Chegaram novas canções e ele, o meu amado Quebra Coco ficou na história de um livro que não foi escrito. Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá, Escoteiro Quebra Coco e depois vai trabalhar! Até hoje eu canto com boas lembranças.

             Aqui na minha salinha mágica onde viajo pelo mundo escoteiro, olhei para o passado e fui para minha varandinha querida. Meu recanto. Onde penso e faço minhas histórias. Sentei na minha cadeira rústica e olho pela fresta do portão e vejo a meninada jogando bola. Uma rua íngreme. Poucos carros. Cada um se diverte como gosta. Cantava baixinho o Quebra Coco. Saudades vêm e vão e eu "Velho" Escoteiro vou lembrando como posso dos meus tempos de criança. Quebra Coco, O meu Chapéu tem Três Bicos, o Yupy Aia, a Árvore da Montanha e tantas outras. Onde está meu violão? Acho que as cordas arrebentaram. Preciso comprar novas e ficar aqui na minha varandinha relembrando. Fazer a melodia brotar de novo pelo som do meu violão. Quebra Coco, Quebra Coco, na ladeira do Piá... Escoteiro quebra coco, e depois vai trabalhar!


“Minha mãe chamava Caca, E meu pai Caco Maria,
Juntando caco com caco, Eu sou filho da Cacacaria!

A turma do Facebook, Não são doidos varridos,
É uma turma das boas, Turma de muitos amigos.

Fui na horta apanhar couve, esqueci apanhei repolho,
Vou mandar cê prús infernos, pru capeta fazer molho.

Não chorem na minha partida, Hora de o Velho sumir.
A hora passou no tempo Desculpem, preciso dormir.