domingo, 3 de fevereiro de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Mais um domingo em minha vida.



Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Mais um domingo em minha vida.

                                    Toca uma melodia em minha vitrola... Parece indígena uma espécie de saudação a Manitu ou um Deus das tribos de índios qualquer. Gosto... Parei para ouvir... Deve ser uma melodia dos índios Wuauquikuna... Admiro os índios, não importa o país, todos têm lindas histórias para contar. Desci de jangada o Rio Doce várias vezes depois de Derribadinha até o Alto Crenaque para visitar uma tribo. Fiz amizades com os botocudos. Mesmo na dificuldade havia um cantinho para dormir e comer. Kauê, Ubiratan, Ubirajara, Kaiowa e tantos mais ficaram no meu coração. Há não ser no alto amazonas não temos mais guerreiros das nações indígenas que habitaram no Brasil.

                                     Hoje é domingo... Fecho os olhos em busca do passado. Muitas de minhas lembranças se perderam no tempo. Tento recordar meus amigos da Patrulha Lobo, da minha Matilha Marrom, dos Tigres Seniores e até mesmo dos pioneiros e só ficaram os rostos do Rael Fumanchu Darcy e Lobato. Voltei à agulha da vitrola, queria ouvir de novo a Musica Indígena... Fechei os olhos e parecia estar lá, em um vale qualquer das Matas de Crenaque da minha imaginação. A tribo dançando naquele lusco fusco da noite me hipnotiza. Transporto-me, agora sou somente sonho e nada mais...

                                   Ah natureza! Florestas exuberantes, rios caudalosos, fauna e floras... Maravilhoso! Os índios com seus mistérios e misticismo se transportam nos seus rituais e crenças... Dança e musica se confundem. Volto ao presente, hoje só eu e Célia, olho para ela, ela olha para mim. Nossos olhares se confundem. O que ela está pensando? E eu o que penso para ela? Fecho os olhos, vejo-me em uma trilha como se fosse um jovem índio adolescente voltando da caçada.

                                 Piso devagar no capim gordura que nos rodeia, sorvo os perfumes da floresta adiante, trilho veredas familiares conhecidas. Nas costas carrego um trançado de folhas verdes de paxiúba, preso à cabeça por uma faixa de embira, meu trunfo de dois mutuns. Minhas mãos estão livres para tocar minha flauta de bambu, o kutirap. As lembranças da minha amada ainda mocinha com seus cabelos longos às vezes de trança me vem à lembrança. A melodia ecoa pelo verde da floresta, as notas e sons correspondem o meu amor por ela...

                               Os olhos cemi-serrados... Olhos nos olhos dela... Os pensamentos vão e vem. Um dia iremos nos separar para de novo nos reencontrar quem sabe em um cantinho do céu. Na minha trilha da floresta que amo, ela sabe que o canto da minha flauta lhe é destinado. Uma pequenina flauta diferente das flautas grossas de seres do além, os Guyanei! Ela agora uma menina indígena corre para pegar seus arquinhos Iridinam, como se fosse pequenos violinos de uma corda só...

                               Os sons mudam quando ela mexe nas cordas com os dedos. Tento acompanhar com minha flauta... Na tribo todos sabem que só as mulheres tocam cantigas para seu amor e ou seu amigo. Ela canta: - ¶ “O vento sopra amor do bambu do meu amado. Vem me dar o que caçou... No seu nariz o enfeite é a pluma de arara, É vermelha e armada. Ele é grande caçador. Ele é o melhor caçador da minha pele rosada nela deixarei arriada sua pena de cor Mole, mole aninhada no meu corpo acolhedor”.

                               Acordo... Olho para a rua, deserta a essa hora do dia. Celia dormita como se estive nos meus braços nas Montanhas da Lua. Será que ela está pensando como eu nos Paiterey uma tribo perdida no alto Amazonas? Eles são apaixonados, efetivos, acolhedores. Dão sempre a impressão de sinceros, de terem prazer nas amizades. Gostam de quem chega, são curiosos... Adoram conversas... Ciúme, casamentos forçados, brigas não fazem parte desse paraíso.

                               Domingo... Sonhos e esperanças... Volto no tempo e J.B me vem à lembrança: Vado Escoteiro suba sempre pelas escadas da vida, mas nunca use um amigo seu como degrau. O verdadeiro amigo não é aquele que enxuga suas lágrimas, mas sim aquele que não as deixa cair. - Por mais que exista escuridão, ela nunca é total. Tem sempre uma luz em algum lugar. - Um pequeno gesto vale muito. Basta que sejas uma gota de água pura que vem banhar uma pequena folha. - Cada um pensa em mudar a humanidade, mas ninguém pensa em mudar a si mesmo. - Escolha um trabalho que você ame e não terás que trabalhar um único dia em sua vida.

                               Ah! Vida que te quero vida... Saudades loucas das jangadas do rio Doce, das florestas de Crenaque de tantas coisas que não voltam mais...