domingo, 10 de fevereiro de 2019

Um passeio nas asas da imaginação.



Um passeio nas asas da imaginação.

                         Abri os olhos com os primeiros raios de sol batendo sofregamente na lona da minha barraca. Minha não, da tropa. Uma barraca de enfermaria. Coloquei a mente em alerta para recordar tudo que passou. Lembro-me de Monserrat o Monitor da Onça Parda fazendo às vezes de Escoteiro Socorrista. Que ele tinha a especialidade eu sabia, pois na tropa só ele e Deusdety tiveram essa honra. Lembrei-me da vertigem que tive no salto com vara sobre o riacho das flores. Acho que fiquei desacordado por horas ou será por dias?

                        Abri a porta da barraca, dia fresco, ar puro, cheiro da terra, vento sul soprando entre as folhas do arvoredo da Mata do Tenente. Cantiga de um Sabiá escondido entre as folhas de castanheiras. Ainda não estava pronto para voltar a Patrulha Lobo. Monserrat chegou com uma caneca esmaltada cheia de chá de Alecrim. Com seu sorriso encantador ele disse: Vado Escoteiro quando estamos tristes, chateados ou cansados e nossas energias ficam debilitadas, tome um chá de uma erva e em poucas horas estará pronto para voltar às atividades de novo.

                       Não discuti. Monserrat era um bamba em ervas medicinais. Quanto tempo Monserrat? Ele com seus olhos azuis da cor do mar sorriu e disse: - Três dias. Quase achei que devia ter levado você para o Velho Modato. Velho Modato, pensei. Da tribo dos Caiapós o chamavam de feiticeiro. Curava até asa de periquito partida. Olhei para Monserrat. – Posso? Pode, mas se cuide e não abuse. Afinal você é o terceiro escoteiro o Escriba da Patrulha Lobo e ela precisa de você.

                      Levantei meio grogue, mas forcei as pernas do velho escoteiro do futuro para não cair. Distante uns oitenta metros Fumanchu nosso cozinheiro me fazia um sinal. Fui até lá e ele próximo ao fogão de barro na mesa de bambu que fiz me ofereceu um cafezinho e biscoitos de polvilho em folhas de aroeiras perfeitamente coladas com cola de caule das castanheiras. Adoro! Carlos Toga o intendente apareceu para me dar um abraço. Lá no alto no Ninho de Águia Tonhão o Monitor me acenava. Pensei em subir a escada de Cipó mais conhecidas por liana. Sabia que não ia aguentar. Acenei para Rael que junto a Tonhão deviam estar construindo um caminho de Tarzan!

                      Vais pescar hoje? Fumanchu com sua bela dentadura de índio Potomac sorria para mim. Ele sabia que eu poderia trazer uma fritada de Lambaris Bocarra ou quem sabe uma traíra bem formada. Sentei-me à mesa feita de Bambu Guadua nativos da Amazônia Sul-Ocidental e eram fartos próximo à cachoeira do Sono. O sol repicava formoso e vi entre as arvores a Montanha do Roncador. Fui devagar até a Arena da Bandeira e no Relógio de Sol feito pela Patrulha Tigre vi que se aproximavam das oito da manhã. Sabia que as nove em ponto o Kudu sopraria seus sons de chamada geral. Inspeção, bandeira e quem sabe um jogo acolhedor.

                     Voltei a minha barraca, meu uniforme estava lá. Bem dobrado pronto para envergar meu orgulho de apresentação em qualquer lugar. Como dizia o Chefe Coralino: Garbo não tem hora e nem lugar! O Chefe Coralino chegou devagar. – Vado Escoteiro, melhorou? Fiquei em pé, posição de sentido, saudação e respondi – Sim Senhor Chefe. Estou pronto para outra. Ele riu. Sabia que eu ainda não estava no ponto. – Descanse mais Vado Escoteiro, temos mais três dias pela frente e sua Patrulha vai precisar de você!

                     Monserrat de novo veio ver como estava minha respiração. Com as costas da mão sentiu o calor do corpo na minha testa e depois a batida do meu coração. – Se cuide Vado, não faça estripulias. Termine sua Cadeira de Astronauta e nele desmanche a ossada do seu corpo. Fechei os olhos, imaginei quando fosse um Velho Chefe Escoteiro o que faria sem Monserrat. Caminhei devagar na trilha do Pastor até a cachoeira do Sono. Adorava... Na pedra do sino sentei admirando a queda d’água formosa. Vi peixes pulando mesmo fora de época da Piracema.

                    Voltei a minha barraca de enfermaria. Ventos calmos, nuvens brancas de gelo esvoaçavam no céu. Deitei. Dormi, quando acordar eu sei que voltarei de novo. Sempre indo e voltando. Me lembrei de Cora Coralina: - “É uma oferenda aos teus momentos de luta, e de brisa e de céu... E eu, quero te servir a poesia numa concha azul do mar ou numa cesta de flores do campo”...

Nota – Aos que sentiram minha falta já de volta, calmo, respiração ofegante, mas sem correrias, ainda tentando escrever, pois se um dia parar sei que é hora de morrer! Boa tarde amigos escoteiros do Brasil e do Mundo.