quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro. Ação e reação. 71 anos “Escoteirando” por aí.



Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Ação e reação. 71 anos “Escoteirando” por aí.

Prólogo: - “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”. (Chico Xavier).

                          Estou no escotismo há 71 anos. Vi e vivi tudo que o movimento podia me dar. Entreguei-me a ele de corpo e alma. Enfrentei dificuldades, jornadas incríveis ao vasculhar pessoas em minha volta que me julgavam como achavam que eu devia ser. Fui às vezes ferino na minha maneira de agir e pensar. Quem sabe coisas de homens que se acham maduros, mas ainda não viveram o suficiente para ver onde pisar. Um poeta escoteiro disse o que eu pensava da vida. “A cada dia que vivo mais me convenço de que o desperdício da vida está no amor que não damos, nas forças que não usamos, na prudência egoísta que nada arrisca e que, esquivando-nos do sofrimento, perdemos também a felicidade”.

                        Qual o nosso papel nesta vida? Lembro-me de um final de uma oração escoteira: “Sacrificar-me sem esperar, outra recompensa que há de saber que faço a Vossa Santa Vontade”. Mas sou santo? Anjo? Sei que não. Sou humano, e como tal não dou a outra face para bater. Sei o que disse Lucas ou Mateus que não resistais ao perverso, mas se alguém te ofender com um tapa na face direita, volta-lhe também a outra! Ah! Palavras cheias de amor e vazia para quem não acredita.

                        Mas não tirei o dia para fazer uma pregação entre o bem e o mal. Assim como o escotismo às vezes é perverso outras organizações também o são. Quando o fim da viagem está chegando à gente passa a pensar que ocupados em descobrir os defeitos alheios, esquecemo-nos de investigar os próprios. E vem aquele poeta que já foi escoteiro para completar: “Chefe, o segredo é não correr atrás das borboletas... É cuidar do jardim para que elas venham até você”.

                        Caledônio da Patrulha Coruja já velho como eu costuma dizer que o bom do escotismo é quando somos jovens. Encaramos tudo com espirito de aventura. Chefe a juventude deve ser domada com a razão, não com a força. E assim vamos descobrindo os passos que vamos dar até onde vamos chegar. Sabe aquela capa do caderno Avante onde vários escoteiros sobem uma montanha com uma bandeira do Brasil desfraldada sem saber o que tem do outro lado? Caledônio na sua simplicidade completa: Pois é Chefe, a juventude mostra o homem tal como a manhã mostra o dia! 

                        Não sei se criei histórias, não sei se me mantive no leme do barco que tentei remar. Não criei tantos laços como devia, fui de um canto a outro descobrindo novos rumos aprendendo com a vida como chegar lá. J.F da Patrulha Cuco era mestre em dizer que se olharmos sempre para trás poderemos pisar num futuro de descobertas de aprendizado de vivência e coisa e tal. J.F era um pedagogo, não tínhamos muita amizade e nos víamos vez ou outra.

                        71 anos de escotismo. Alguém do Escotismo de hoje me disse: Vado Escoteiro se não tem registro não pode dizer que tem este tempo de escoteiro. Deus do céu! Quanta pantomima, quanta tapeação, isso sempre foi para mim um embuste para me forçar o que não quero fazer. Sempre acreditei que o que importa é minha consciência. Sou sim um escoteiro, deste os seis anos e meio até hoje. O que me faz pensar assim? Minha promessa, minha lei, meu exemplo minha maneira de vida. Não é o papel e a escrita que vai me dar uma notificação de legalidade.

                       Hoje ainda luto pelo que acredito. Não vou sair por aí comprando rixa, inimizade, discordância ou desarmonia. Se você diz que dois mais dois são cinco não vou discordar. Não importa se me leem e dizem o contrário. Zezito da Patrulha Morcego ria quando diziam que ele era feio. Nunca brigou com ninguém. Ele se olhava no espelho e copiava Branca de Neve. – Espelho, espelho meu, existe alguém tão belo como eu? Tupamaro da Patrulha Lobo era quem completava: - Vado Escoteiro deixa fazer, se vão chegar ou não em algum lugar é problema deles. Cada um tem de pisar no terreno para ver se tem poeira no céu.

                      Coriolano da Patrulha Pantera cantarolava quando alguém discordava. Vado Escoteiro você sabe, com sua experiência basta olhar para saber onde o navio vai afundar. É verdade, a maturidade é a melhor escola da vida. Mas quem nos ouve Baden-Powell? Ah! Se ele estivesse aqui iria sorrir, e dizer: Resultados Vado Escoteiro, o que importa são os resultados.  Enfim se vão dar o que o jovem pediu e sonhou, bato palmas se não vamos começar de novo.

                     71 anos de escotismo farei em abril próximo. Tempo demais. Valeu? E se valeu! Não há arrependimentos não há duvidas. Se fiz assim, se aceitei valores, se cumpri minha promessa só eu posso afirmar. Dei o que podia, amei a todos que me amaram ou não, procurei ser amigo e irmão mesmo com minha cara feia, pois lá dentro de mim meu coração batia de confraternização. Ainda tenho muito para dar, para aqueles que acreditarem em mim. E quando chegar no final da vida vou relembrar Roy Batty (Rutger Hauer) dizendo a Deckard (Harrison Ford) enquanto chovia no filme Blade-Runner:

- “Eu vi coisas que vocês não imaginariam. Naves de ataque em chamas ao largo de Órion. Eu vi raios-c brilharem na escuridão próximos ao Portal de Tannhauser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer”.

Nota – “A interpretação certa de Hauer no filme rouba o fôlego com sua suave evocação de lembranças, experiências e paixões que dirigiram a breve vida de Batty“. Às vezes penso que sou assim!