Conversa ao
pé do fogo.
O trabuco do
pistoleiro Calango.
(para divertir)
Não sei de onde o danado
apareceu. Sorriu para mim com seu 45 cano longo apontado para minha testa. Eu
sabia que seu sorriso era enganação. Calango era um pistoleiro. Matava por qualquer
tostão. Mas me matar? Eu não fiz nada, era de boa paz, sei que tinha a língua
grande e afiada e escrevia o que não devia dos “homes” lá de cima, assim
diziam, mas não queria mal a ninguém. Levantei as mãos! – Calango porque quer
me matar? Sou de paz meu amigo, sou Escoteiro, agora um Velho Escoteiro, dizem
que sou chato e implicante, mas não me mate agora. Deixe pelo menos eu dar um
abraço na Célia antes que me mande para minha última morada nas estrelas! -
Cale a boca seu merda! Você fala muito, escreve o que não deve, ele disse. Chega
desta palhaçada de escrever contra a nossa querida UEB. Vou mandar você para o
inferno e lá irá prestar contas de sua esperteza ao capeta. Diga a ele o que
aprontou aqui na terra. Quer uma bala no bucho? No trazeiro? Na boca? Ou no
coração? – Deus do céu que me proteja. – Calango, não quero bala nenhuma a não
ser de hortelã ou puxa-puxa de chocolate que adoro!
Calango estava possesso. Foi
menino como eu. Nunca usou arma nenhuma e quando brigava era de socos. Um dia
tentou ser Escoteiro e Galo Seco Guia da Tropa falou para o Chefe Farofa: - Melhor
não chefe, este menino vai ser um ladrão ordinário e nem Baden-Powell pode dar
jeito. O Chefe Farofa sabia que quando Galo Seco falava era para levar a sério.
Sei não, quem sabe se ele tivesse sido Escoteiro eu não estaria ali agora todo
mijado e quase borrando as calças? Calango prometeu dar uma coça no Galo Seco.
Não conseguiu, pois Galo Seco era macho prá xuxu. Quem levou uma coça foi
Calango. Calango descontou em muitos Escoteiros raquíticos eu mesmo apanhei
duas vezes. Passamos a andar sempre em dupla. Não podíamos facilitar. O tempo
passou, eu cresci, fiquei bobo e envelheci. Mal conseguia andar e falar e o
filho da mãe ali na minha frente dizendo que ia me matar pode?
Ajoelhei e disse – Calango me deixa rezar.
Quero ir para o céu sorrindo e em paz com o Senhor. Orar faz bem, por favor,
Calango! – Ele me olhou, seus olhos estavam vermelhos de ódio. Achei que o
demônio o incorporou. – Me jogou uma sacola – O que tem na sacola Calango? A
vestimenta Escoteira seu maldito. Vista e vou deixar você viver mais alguns
anos. – Putz grila! Vestir aquele troço? – Calango camisa para fora da calça ou
dentro? Ele me fuzilou com os olhos. De meinha branca ou azul? Ele vomitou de
raiva. Calça comprida ou curta? Ele
apontou o trabuco para mim. Lenço amarrado nas pontas ou puxado pelo arganéu? Chapéu
australiano ou texano? Vá a merda ele gritou. Vista logo antes que lhe meta uma
bala naquele lugar! – Bah! Ia doer prá xuxu. Calango! Falei atire nos meus olhos!
Estou com catarata se uma bala entrar virarei defunto com barata. Kkkk. Levei
um chute no traseiro. – Vista logo seu merdinha. A UEB me disse que se eu
mandar uma foto sua com a vestimenta e publicar nas redes sociais, eu posso deixar
você viver mais dois anos. – Só dois anos Calango? E agradeça a benevolência dos
presidentes do CAN e do DEN, são gente boa. Não regatearam quando pedi cem mil
reais para mandar você para o inferno. Olhe que eles gastam muito menos para
processar esta cambada tradicionalista que se juntam por aí e que dizem ser
Escoteiros!
Olhei a vestimenta. Ardeu
como pimenta! Vestir este troço? Não disse um dia que nem morto iria usar?
Tirar meu caquezinho querido e colocar esta coisa escura no corpo? Coisa feia
que até o lenço Escoteiro e os distintivos reclamam? – Olhei para Calango,
tirei meu lenço de IM que ganhei em 1966, minha camisa caqui e só de calças
curtas e meião disse: - Atire seu merda! Prefiro morrer a vestir este troço!
Calango não se fez de rogado. Engatilhou e atirou. Tiro certeiro. Abriu uma
brecha em minha testa. Morri na hora com meu caqui querido. Acordei com o Anjo
Gabriel e Baden-Powell lutando com dois capetas e um demônio. Queriam me levar
para o céu e os outros para o inferno. – Calma! Calma eu disse. Se a capetada e
o demônio vestir a vestimenta Escoteira irei com eles sem reclamar e me queimar
nas profundezas do inferno! O Demônio e a capetada me olharam sorriram e
disseram: - Nem morto, nem morto Velho Escoteiro de uma figa!
Acordei aos berros com a
Celia me chamando. Acorde Osvaldo, acorde! Pare de gritar. – Perguntei a ela: -
Cadê o Calango? Calango? Não conheço e nunca ouvi falar. Ele existe? Sorri, a
respiração voltou ao normal. Corri até o Guarda Roupa, meu caqui estava lá
limpinho e bem passado. Vesti com orgulho e fui dormir de novo, desta vez
uniformizado e abraçado ao meu chapéu de três bicos. Sonhei com coqueiros,
montanhas picos enormes, vales inimagináveis e minha patrulha ao meu lado
cantando o Rataplã!