terça-feira, 29 de setembro de 2015

A modernidade não tem preço, ou tem?


Conversa ao pé do fogo.
A modernidade não tem preço, ou tem?

          Trinnn! Trinnn! Trinnn! Lá estava ele berrando no bolso ou não mão de alguém. Quem aguenta? Tem gente que adora como diz um compadre meu. Dizem que muitos não sabem viver sem ele, outros gastam o que não tem para trocar todo ano e outros acostumaram tanto que ficam olhando para ele dia e noite. Noite? Sim. Outro dia visitei um amigo, ele com seu celular na mão quase não falava comigo, a esposa nem me olhou de olho no celular, sua filha não tirava os olhos. Sei de uma guia que acorda de madrugada e olha o celular para ver se tem recados, passa para o WhatsApp e quando dá conta é seis da manhã hora de ir para o colégio. Não se preocupem, o danado vai com ela. No banheiro, no café da manhã, no ônibus e é uma briga quando a escola proíbe.  Sinceramente eu que sou um Velho saudosista fico pensando sobre a juventude de hoje e a de 1970. Ou será 60?

                      Eu francamente não gosto. Devia gostar. Nunca tive um. Dizem que é importante ter um no bolso. Nem que seja para emergências. Meus filhos insistem para que compre um ou então vão me presentear. Não quero. Por favor, não! Outro dia sonhava os meus velhos tempos de Escoteiro lá na década de 50 e o celular fazia parte do dia a dia de todos. Assustei. O que era aquilo? Vi-me, no cerimonial de bandeira, éramos a patrulha de serviço do dia, eu com a Nacional, e junto a mim outros com a do Grupo e a do Estado. O Chefe diz – Firme! A bandeira em saudação! Começa o farfalhar das bandeiras, coisa bonita de se ver. E Cacilda, diversos celulares começam a tocar. – Oi linda, estou na ferradura diz um, ligue mais tarde logo estarei na reunião de Patrulha e falo com você. Ou mamãe, quando acabar vou direto para casa diz outro eu prometi chegar cedo não disse? Você tem de me pagar o que deve ouve um assistente da tropa. Ele fica vermelho. Estava no viva voz. Não sabíamos de um caloteiro na tropa. Risos. E a bandeira? Acho que o cerimonial perdeu todo o significado.

                     E eis que vamos acampar. Coisa boa, coisa gostosa, mochila nas costas, bandeiras ao vento e Trinnn! A patrulha para. Um atende o celular. – Gata, vou acampar, sabe que eu gosto de você, mas agora me deixe viver a natureza! Acampados, o campo de patrulha sendo montado, o cozinheiro construindo uma linda sopa de macarrão com batata e linguiças. Puxa que fome! Trinnn! Agora são cinco celulares tocando. Para-se tudo. Uns sentam, pois sabem que a prosa vai ser longa. E vem a noite, daqui a pouco uma Conversa ao Pé do Fogo gostosa. Quem não gosta? Sentar em frente a uma barraca, sorrir, cantar, contar causos, ouvir um violão que toca apaixonadamente. A gente olha para o céu estrelado, lindo de morrer, um cometa passa voando, hora de fazer um pedido – Trinnn! Acabou o encanto, hora de atender a namorada, a mãe preocupada e alguns deitam na relva, pois sabem que a conversa vai longe. Alguém grita alto cobrindo o canto da coruja, dos grilos falantes, deixando de lado a brisa gostosa: Mó! Eu te amo você sabe disto! Não vou deixar meu escotismo, mas adoro você!

                   E vem a semana da Pátria. A Tropa se prepara com esmero, uma patrulha é responsável pela bandeira. Treino marcha, saudação à autoridade. A banda bate o ritmo, o clarim anuncia a hora de saudar as autoridades. Orgulho no peito, hora de dizer que temos o coração Escoteiro. Para-se em frente à praça, lá está o palanque. Danação, mais de trinta celulares tocando. A Tropa enfia a mão no bolso para ver se é o seu. – Querida! Estou no desfile! Dá um tempo – O prefeito diz: Doutor Pancrácio, a prefeitura não tem reserva financeira! – O secretário procura um canto para atender: - Se me der vinte por cento compro sua mercadoria! O Delegado com ar de valente diz: Se ele aparecer aqui lhe meto uma bala na testa. Belo espetáculo dos tempos modernos.

                    E eis então o dia esperado. Um Escoteiro vai fazer a promessa. Preparou seu uniforme, leu de novo a Lei e a Promessa. Sabia de cor. O Chefe já tinha conversado com ele. – A Tropa formada, o Chefe pergunta: - Quem vem lá? – Os celulares tocam. O do Escoteiro que vai fazer a promessa do monitor e do Chefe. – Um diz... de novo? Não me deixa em paz? Outro diz: - Mãe estou em reunião! E o promessado atende sem graça no seu grande dia. – Chico meu pai ainda não sabe que tirei zero em matemática! Eis que toca também o do Diretor Técnico, é a esposa – Está no viva voz – Mauro! Você não deixou o dinheiro para pagar a Dona Filomena! Ela disse que se não receber não faz mais faxina em casa e vai dar parte de você na delegacia!

      O celular. Bela invenção. Super moderno. Agora podemos andar pela rua falando nele. Ninguem olha mais para ninguém. Olhos fixos naquela telinha infernal. Duzentos e seis milhões de habitantes, duzentos e trinta celulares vendidos no país. Ops? Mais que a população? Tem muitos que tem dois. Os tais de chips ajudavam a pagar menos. O telefone é bom, mas tira o sossego na nossa morada. Ninguem quer saber se estamos tomando banho, almoçando, lendo o belo livro e eis que o danado toca. Do outro lado na maior cara de pau um diz: - Quem está falando? Ele que ligou e vem com essa? E ainda insiste em saber quem está falando? Se você diz que é o Fagundes ele diz, chama a Maricota. Nem te diz bom dia! Não pede. Ordena. Isto é modernidade? Para mim não por isto não tenho não quero, não vou comprar e se for morar na minha estrela quando me for, se lá tiver celular, pegarei carona em um cometa e desapareço no espaço.

                   Sei que cada tropa e cada Alcatéia tem sua maneira de agir. Uns proíbem nas reuniões, mas já vi alguns no acampamento lendo meus contos no Facebook. E nos sábados? Quantos estão de olho e postam aqui? Chegam até a colocar fotos. Ainda vou acampar de novo, sem um deles. Juro pela minha honra que nunca terei um.  Assim poderei ir para o campo, viver em plena natureza, ouvir o som do vento, sentir uma cotovia bem perto a me olhar com aqueles olhos sonhadores. Irei sorrir montando minha mesa, minha poltrona de astronauta. Irei cantar o rataplã quando fizer minha sopa de cebola. Se ficar sem fazer nada, construo um ninho de águia, uma ponte pênsil, um relógio do sol ou uma passagem do Tarzan. Que bom ficar sozinho em uma clareira da floresta, ouvindo o cantar dos pássaros, o rebimbar de uma cascata de águas cristalinas. Que bom deitar na relva, olhar as estrelas, contar uma por uma, fechar os olhos e sonhar que amanhã um sol vermelho e lindo estará vibrando no ar a minha espera!


      Fiquem com os seus. Não tenho, e nunca vou ter. Celulares! Eu era feliz sem eles e continuo feliz não os tendo!