Conversa
ao pé do fogo.
A
modernidade não tem preço, ou tem?
Trinnn! Trinnn! Trinnn! Lá estava ele
berrando no bolso ou não mão de alguém. Quem aguenta? Tem gente que adora como
diz um compadre meu. Dizem que muitos não sabem viver sem ele, outros gastam o
que não tem para trocar todo ano e outros acostumaram tanto que ficam olhando
para ele dia e noite. Noite? Sim. Outro dia visitei um amigo, ele com seu
celular na mão quase não falava comigo, a esposa nem me olhou de olho no
celular, sua filha não tirava os olhos. Sei de uma guia que acorda de madrugada
e olha o celular para ver se tem recados, passa para o WhatsApp e quando dá
conta é seis da manhã hora de ir para o colégio. Não se preocupem, o danado vai
com ela. No banheiro, no café da manhã, no ônibus e é uma briga quando a escola
proíbe. Sinceramente eu que sou um Velho
saudosista fico pensando sobre a juventude de hoje e a de 1970. Ou será 60?
Eu francamente não gosto.
Devia gostar. Nunca tive um. Dizem que é importante ter um no bolso. Nem que
seja para emergências. Meus filhos insistem para que compre um ou então vão me
presentear. Não quero. Por favor, não! Outro dia sonhava os meus velhos tempos
de Escoteiro lá na década de 50 e o celular fazia parte do dia a dia de todos. Assustei.
O que era aquilo? Vi-me, no cerimonial de bandeira, éramos a patrulha de
serviço do dia, eu com a Nacional, e junto a mim outros com a do Grupo e a do
Estado. O Chefe diz – Firme! A bandeira em saudação! Começa o farfalhar das
bandeiras, coisa bonita de se ver. E Cacilda, diversos celulares começam a
tocar. – Oi linda, estou na ferradura diz um, ligue mais tarde logo estarei na
reunião de Patrulha e falo com você. Ou mamãe, quando acabar vou direto para
casa diz outro eu prometi chegar cedo não disse? Você tem de me pagar o que
deve ouve um assistente da tropa. Ele fica vermelho. Estava no viva voz. Não
sabíamos de um caloteiro na tropa. Risos. E a bandeira? Acho que o cerimonial
perdeu todo o significado.
E eis que vamos
acampar. Coisa boa, coisa gostosa, mochila nas costas, bandeiras ao vento e Trinnn!
A patrulha para. Um atende o celular. – Gata, vou acampar, sabe que eu gosto de
você, mas agora me deixe viver a natureza! Acampados, o campo de patrulha sendo
montado, o cozinheiro construindo uma linda sopa de macarrão com batata e
linguiças. Puxa que fome! Trinnn! Agora são cinco celulares tocando. Para-se
tudo. Uns sentam, pois sabem que a prosa vai ser longa. E vem a noite, daqui a
pouco uma Conversa ao Pé do Fogo gostosa. Quem não gosta? Sentar em frente a
uma barraca, sorrir, cantar, contar causos, ouvir um violão que toca
apaixonadamente. A gente olha para o céu estrelado, lindo de morrer, um cometa
passa voando, hora de fazer um pedido – Trinnn! Acabou o encanto, hora de
atender a namorada, a mãe preocupada e alguns deitam na relva, pois sabem que a
conversa vai longe. Alguém grita alto cobrindo o canto da coruja, dos grilos
falantes, deixando de lado a brisa gostosa: Mó! Eu te amo você sabe disto! Não
vou deixar meu escotismo, mas adoro você!
E vem a semana da Pátria. A Tropa
se prepara com esmero, uma patrulha é responsável pela bandeira. Treino marcha,
saudação à autoridade. A banda bate o ritmo, o clarim anuncia a hora de saudar
as autoridades. Orgulho no peito, hora de dizer que temos o coração Escoteiro.
Para-se em frente à praça, lá está o palanque. Danação, mais de trinta celulares
tocando. A Tropa enfia a mão no bolso para ver se é o seu. – Querida! Estou no
desfile! Dá um tempo – O prefeito diz: Doutor Pancrácio, a prefeitura não tem
reserva financeira! – O secretário procura um canto para atender: - Se me der
vinte por cento compro sua mercadoria! O Delegado com ar de valente diz: Se ele
aparecer aqui lhe meto uma bala na testa. Belo espetáculo dos tempos modernos.
E eis então o dia esperado.
Um Escoteiro vai fazer a promessa. Preparou seu uniforme, leu de novo a Lei e a
Promessa. Sabia de cor. O Chefe já tinha conversado com ele. – A Tropa formada,
o Chefe pergunta: - Quem vem lá? – Os celulares tocam. O do Escoteiro que vai fazer
a promessa do monitor e do Chefe. – Um diz... de novo? Não me deixa em paz?
Outro diz: - Mãe estou em reunião! E o promessado atende sem graça no seu
grande dia. – Chico meu pai ainda não sabe que tirei zero em matemática! Eis
que toca também o do Diretor Técnico, é a esposa – Está no viva voz – Mauro!
Você não deixou o dinheiro para pagar a Dona Filomena! Ela disse que se não
receber não faz mais faxina em casa e vai dar parte de você na delegacia!
O celular. Bela invenção. Super moderno. Agora podemos andar pela rua
falando nele. Ninguem olha mais para ninguém. Olhos fixos naquela telinha infernal.
Duzentos e seis milhões de habitantes, duzentos e trinta celulares vendidos no
país. Ops? Mais que a população? Tem muitos que tem dois. Os tais de chips ajudavam
a pagar menos. O telefone é bom, mas tira o sossego na nossa morada. Ninguem
quer saber se estamos tomando banho, almoçando, lendo o belo livro e eis que o
danado toca. Do outro lado na maior cara de pau um diz: - Quem está falando?
Ele que ligou e vem com essa? E ainda insiste em saber quem está falando? Se
você diz que é o Fagundes ele diz, chama a Maricota. Nem te diz bom dia! Não
pede. Ordena. Isto é modernidade? Para mim não por isto não tenho não quero,
não vou comprar e se for morar na minha estrela quando me for, se lá tiver celular,
pegarei carona em um cometa e desapareço no espaço.
Sei que cada tropa e cada Alcatéia tem sua
maneira de agir. Uns proíbem nas reuniões, mas já vi alguns no acampamento
lendo meus contos no Facebook. E nos sábados? Quantos estão de olho e postam
aqui? Chegam até a colocar fotos. Ainda vou acampar de novo, sem um deles. Juro
pela minha honra que nunca terei um.
Assim poderei ir para o campo, viver em plena natureza, ouvir o som do
vento, sentir uma cotovia bem perto a me olhar com aqueles olhos sonhadores. Irei
sorrir montando minha mesa, minha poltrona de astronauta. Irei cantar o rataplã
quando fizer minha sopa de cebola. Se ficar sem fazer nada, construo um ninho
de águia, uma ponte pênsil, um relógio do sol ou uma passagem do Tarzan. Que
bom ficar sozinho em uma clareira da floresta, ouvindo o cantar dos pássaros, o
rebimbar de uma cascata de águas cristalinas. Que bom deitar na relva, olhar as
estrelas, contar uma por uma, fechar os olhos e sonhar que amanhã um sol
vermelho e lindo estará vibrando no ar a minha espera!
Fiquem com os seus. Não tenho, e nunca vou ter. Celulares! Eu era feliz
sem eles e continuo feliz não os tendo!