Conversa ao pé do fogo.
Do primeiro Curso Escoteiro ninguém esquece.
Muitos irão
torcer a cara, outros com uma interrogação na mente. De novo Chefe? É de novo.
Afinal eram meus tempos e se você não passou por isto não vai entender que foi
uma época de ouro, um escotismo puro, cheio de responsabilidades onde os chefes
nos incentivava a viver as aventuras que o escotismo podia nos proporcionar. Eu
pertencia ao Grupo Escoteiro São Jorge. Não tinha numeral. Nunca teve. Não
precisava. Os grupos vizinhos de outras cidades eram assim também. Na Alcatéia
vivi um Lobismo diferente, mais solto, mais Escoteiro, mas dentro mística da
jângal. Afinal Mowgly tinha liberdade de ir e vir. Acompanhado de seu eterno
amigo o lobo Gris ele se divertia junto a Bagheera e Balu. Acampávamos sim,
olhe nem me lembro de algum acantonamento, só dos acampamentos e excursões.
Cada matilha tinha suas barracas. Sabíamos nós, sinais de pista, já entravamos
na trilha dos semáforos e transmissão de Morse a distancia. Entendíamos a
posição das estrelas, sabíamos ler um mapa simples, enfim, éramos um Mowgly
vivendo a vida na floresta e enfrentando os Shery Khan que apareciam.
A Tropa
tinha quatro patrulhas. A minha era a Lobo. Amava a patrulha e fazíamos reuniões
duas vezes por mês. As outras duas semanas era no campo. Seja excursionando,
bivaqueando, ou acampando. O Chefe Jessé aparecia quando estávamos na sede.
Bandeira, oração inspeção e jogos. Adorava o quebra canela, o briga de galo, Este
Lugar é meu era outro que valia a pena jogar. Não precisávamos de mais. Bola?
Nem pensar. Tínhamos tempo livre para discutir, conversar, aprender e planejar.
Enfim como todos a gente também crescia e aí vinha os seniores. Eles não tinham
Chefe. Diziam que leram não sei onde que onde houver mais de dois seniores não
precisava de chefes. Eu fui um deles por três anos e meio. A liberdade de ação
era a tônica dos seniores. As atividades já contei muitas aqui. Uma manhã
recebi um recado. O Chefe João Soldado (O Chefe do Grupo) queria falar comigo.
– Vado, recebi um convite da Região para um curso. Não posso ir. Quer ir? Tudo
pago por eles!
Dezessete anos
e cinco meses. - Será que me aceitam Chefe? Já mandei um telegrama avisando que
você vai! – Dito e feito, seria a maior aventura da minha vida. Passei semanas
recordando semáforas, Morse, revisei os sinais de pista comuns e o que a
patrulha criou, repassei os 42 nós escoteiros que sabia e claro dei uma escovada
no meu chapéu e fiz brilhar a fivela do cinto e as estrelas de atividade. Tinha
11 delas. Mamãe engomou meu uniforme. Meu Vulcabrás brilhava com as cinco
graxas que eu passei. Minha mochila sempre limpa e asseada. Lavei meu cantil,
dei uma afiada no meu canivete e na minha faca escoteira. Meu cabo trançado
estava conforme tinha visto no livro do Velho Lobo. O Guia do Escoteiro era um
dos poucos livros que tínhamos. O Chefe João Soldado tinha o Livro da Jângal e
o Escotismo Para Rapazes, mas para emprestar ele sempre reclamava da entrega.
Li todos.
Na quinta feira (foi em julho de
1958) fiz questão de vestir o uniforme devagar. Olhei a mochila com minhas
tralhas que sempre usei. Revisei e não faltava nada. Jairo Mexerica me levou a
estação com sua charrete e não me cobrou nada. Minha mãe sorria e meu pai me
deu um abraço. O trem partiu às sete da noite. Sentei na primeira classe
(estava tudo pago) e não dormi. Às sete e meia chegamos na gare da estação de
Belo Horizonte. Desci do trem posudo. Claro com meu chapelão e meu uniforme
curto. Ninguem riu e teve até uma senhora que me deu sempre alerta. Peguei o Ônibus
do Zoo na Praça da Bandeira. Vazio. Só cinco passageiros. Uma hora e meia
depois de atravessar toda a Lagoa da Pampulha cheguei à porta do Zoo. Num canto
sinais de pista. Sorri, sinais mal feitos pensei. Em quarenta minutos me
adentrei na mata. Logo avistei uns trinta chefes conversando em grupos.
Na minha
melhor posse gritei alto; - Sempre Alerta! Vado Escoteiro do Grupo Escoteiro
São Jorge! Todos me olharam e sorriram sem graça. Tirei a mochila e fui de
grupo em grupo me apresentando. Em cada apresentação juntava os cascos e dizia
meu sempre alerta com gosto. Só um Chefe de Curvelo que foi mais fraterno. Abraçou-me
e me senti bem com seu abraço. Um som esquisito que não conhecia tocou no ar.
Depois fiquei sabendo que era um Chifre do Kudu. Formamos em ferradura. Eu
sempre em pose militar. Aprendi assim desde Lobinho e não iria mudar agora.
Chefe Floriano se apresentou e apresentou a equipe. Chefe Darcy Malta, Chefe
J.F e o Chefe Hélio da UEB. Havia mais cinco escoteiros que chamavam de
patrulha de Serviço. Fiz amizade com eles. Bandeira, oração e formação das
novas patrulhas. Sorria, iria dar uma lição naqueles chefes de escotismo. Era
bamba em nós, em sinais, em cozinha, tinha 26 especialidades, dentre as quais a
de socorrista acampador e mateiro.
Foi-nos
dado o material de patrulha. Antes o chefe J.F me chamou. – Cara mal educado.
Foi logo condenando minhas especialidades, meu distintivo de primeira classe,
meus cordões de eficiência e perguntou se eu trabalhava no circo. Espantei,
nunca esperava aquilo. Meu deu cinco minutos para tirar tudo. Sai de perto dele
e procurei o Chefe Floriano. Expliquei. Ele pelo menos foi mais educado. Disse que
Chefe não usa tais distintos. Só o de promessa, as estrelas e o penacho.
Vivendo e aprendendo. Olhe o curso para mim foi uma surpresa. Nunca esperava
que fosse assim. Imaginava que iriam nos tomar provas Escoteiras. Nada disto.
Ninguem falou nada das técnicas Escoteiras. Bem todas as patrulhas sabiam bem
fazer uma pioneiria. Eu mesmo aprendi ali nos campos de patrulha que não era o
que pensava nas construções mateiras. Foram cinco dias maravilhosos. Cinco dias
que nunca mais esqueci. Fiz amigos que nunca pensei em fazer. Aprendi tanto que
até hoje nunca esqueci as palestras e a forma com que eram dadas.
Cada dia as
funções na patrulha se revezavam. Tive a oportunidade de ser cozinheiro,
bombeiro e lenhador, aguadeiro, intendente, escriba sub e monitor. Levantávamos
as seis para a física. O próprio monitor dirigia. O café e a inspeção a seguir.
Custamos para tirar a Eficiência de Campo. Havia atividades surpresas como
discussões de temas às três da manhã. Um Chefe deu uma palestra sobre acidentes
com todos no lago com água pela cintura por vinte minutos às quatro da manhã.
Contar mais? Chorei a cântaros quando o curso terminou. Juramos manter a
amizade por toda a vida. Prometi fazer o Insígnia parte II no ano seguinte.
Sabia que seria nove dias. Teria que ocupar vocês por muitas páginas para
contar tudo. Tive uma experiência incrível de como ser um Chefe Escoteiro.
Dizem que isto é passado, hoje tudo é mais moderno. Chefes não agem assim. Não
vou discutir, pois só quem viveu esta época sabe o que dizer.
Temos
depois fui nomeado DCB e depois DCIM. Meus cursos ainda se mantinham como a
escola que aprendi. Hoje sou um dinossauro perdido no tempo que não sabe para
onde estamos seguindo. Não sei explicar em palavras bonitas como nossos
dirigentes o escotismo do futuro. Que assim seja. Mas sinceramente? – Este não
é meu escotismo!