Crônicas de um Velho Chefe escoteiro.
Será que o mundo moderno não é meu lugar?
Eu dormitava na sombra de um pé de Ipe. Não havia sol, mas aquela sombra e o banco de madeira eram convidativos. Não costumo sonhar nos meus cochilos, mas consigo sorrir e babar de vez em quando. Bem sei que os velhos fazem isto e eu um representante da classe não ficaria atrás. – Chefe Osvaldo! - É o Senhor mesmo? – Olhei para meu interlocutor. Um jovenzinho de seus trinta e poucos anos. Barbinha por fazer, simpático, um sorriso e cabelos bem penteados. Ainda bem que não tinha um pilsen nem um brinco à mostra. Risos. – Não imagina Chefe a minha alegria em encontrar o Senhor aqui. Eu tinha tantas coisas para falar e por e-mail ou no Facebook a gente não diz tudo que deveria dizer. – Putz! Lá vem bomba pensei1 – Chefe sei que o senhor é metódico na sua maneira de pensar e viver, sei que é um tradicionalista de mão cheia e acha que só seu passado Escoteiro é o melhor!
Olhei de novo para meu interlocutor. O danado até que era simpático e mesmo com seus trinta e tantos anos tinha a juventude na flor da pele. Meteu a mão no bolso e tirou seu documento Escoteiro. Olhei sem graça. Afinal eu não tinha um. Já tive, mas no passado era mais simples hoje não. É linda de morrer! – Até pensei em comprar um. Afinal só tem quem paga a taxa da UEB. Metil as mãos no bolso e saiu duas notas de um real. Caramba! Não ia dar. Melhor deixar o moço jovem dizer a que veio. – Chefe! – Outra vez? Só me chama de Chefe? – Deixei prá lá. – Chefe! Eu tenho lido suas crônicas e historias Escoteiras. Até que suas histórias são palatáveis apesar de muita apelação. – Olhei de novo para o moço simpático – Olhei seu nariz e pensei se lhe desse um soco bem na ponta se ia ficar vermelho como o do Pinóquio.
Chefe! – Fala moço o que quer e pare de dizer Chefe! – Ele riu sem graça. Chefe! Desculpe. Mas vejo no senhor uma mágoa muito grande com os dirigentes de hoje. Acho que o senhor os menospreza, não dá valor, não sabe o sacrifício que fazem para estarem nesta posição para ajudar. – Queria completar sobre as medalhas que recebem de graça, sobre suas passagens pagas pela direção onde quiserem ir, suas taxas absurdas para engordar o caixa, o almoço grátis e seus rompantes de acharem que só eles tem ideias, mas não disse nada. Chefe! Olhei para ele, fechei a mão e pensei comigo – Se falar Chefe de novo vai levar um “catapumba” na orelha! Ainda bem que ele voltou ao assunto que queria me dizer – O Senhor sabe, as transformações sociais, culturais pedagógicas e psicológicas do jovem de hoje não são as mesmas. Soube que o senhor através da imprensa falada e escrita acompanha as vantagens da tecnologia Moderna. Afinal ela pode ser muito benéfica para nós. Os computadores, os novos Aparelhos de TV, Os telefones celulares e sua maravilhosa conexão com o mundo. Afinal o conhecimento de informática e tecnologia é essencial para nós.
Apalpei meu bolso pensando que tinha um celular. Não tinha. Velho duro sem dinheiro não tem. Olhei para o céu e disse: - Graças a Deus! – O danado do moço simpático continuou: - Ia falar Chefe, mas olhou meus punhos pronto para lhe dar uma cacetada na orelha. – Olhe qualquer um que ler John Dewey, o pensador que pôs a prática a força do pensamento; em Émile Durkheim, o criador da sociologia da educação; Em Édouard Ciaparêde, um Pioneiro da psicologia infantil, Alexander Neil o promotor da felicidade na sala de aula e Paulo Freire o mentor da educação para a consciência sabe que as mudanças no escotismo foram benéficas! – Olhei para o linguarudo chato. E Baden-Powell? Não tem lugar nesta lista? Só pensei não disse nada. – Veja o Senhor, implantamos o Macpro como sabe o século XX foi caracterizado por profundas revisões nos diferentes aspectos culturais. A educação não foi exceção. Dezenas de teóricos e metodólogos questionavam as finalidades e os diversos métodos de educação nas propostas educativas.
Afinal o mundo mudou. Qualquer um pode ver isto. Baden-Powell teve sua gloria na sua época. Seus métodos hoje estão ultrapassados. Nossos dirigentes e pedagogos sempre disseram que o então Programa Escoteiro não atendia as necessidades educativas da juventude. Uma mudança seria necessária. Assim implantaram sem ninguém perceber uma mudança no cenário antigo formalizando o Método de Atualização e criação Permanente no Programa de jovens (Macpro). Não ficamos sozinhos, boa parte da América do Sul fez o mesmo. Eles diziam que com a aplicação poderiam conseguir superar o mesmíssimo Baden-Powell. – Já não aguentava mais, ou ia embora ou dava o soco no danado chato que me encontrou dormitando um sono gostoso naquele Ipe fenomenal. Olhei para ele. Em qual parte do seu rosto eu lhe daria uns tabefes? Pensei comigo, não faça isto, não fica bem. Afinal somos amigos de todos e irmão dos demais escoteiros. Mesmo os chatos como ele.
Levantei do banco, peguei no seu colarinho e o fiz sentar. – Moço, você nem me disse seu nome, deve ter o que uns cinco ou dez anos de escotismo. Nem vou visitar seu grupo para não me decepcionar. Você nem sabe quantos meninos chegaram e quantos saíram. Você se conseguiu algum Lis de Ouro ou Escoteiro da Pátria foi milagre de Deus. Pode me dizer nosso efetivo em 1990 já com as moças e qual o nosso efetivo hoje? Pode me dizer quantos homens que hoje tem o poder nas mãos, seja politico seja empresarial ou mesmo educacional temos que exorta o escotismo em seu meio social? Pode-me dizer onde estamos na mente da comunidade brasileira como um movimento de educação? Pode me dizer quantos grupos escoteiros nos temos nos mais de 5.500 municípios Brasileiros? Pode me dizer quantos somos em porcentagem relativamente à população jovem no país?
Olhei para ele e ele sem graça sorriu azedo. – Terminei dizendo: - Olhe meu amigo como diz um escritor Escoteiro, eu não choramingo de saudades das jarreteiras, do chapelão, não me importa o escotismo que fazíamos e o que fazem hoje. Se antes matávamos galinhas no campo para comer e hoje isto é abominável mesmo sendo uma experiência de sobrevivência valeu a experiência. Não temos exemplos para acreditar que iremos ser reconhecidos pela população brasileira. Somos um pequeno punhado de guerreiros que aprenderam a amar o escotismo. Seu treinamento e formação não dá condições para que possam fazer do jovem o homem de amanhã. Os grupos mais estruturados são um pequeno punhado que mesmo com excelente trabalho não chega ha dar os resultados esperados. Enquanto tivermos esta sede de poder, enquanto os que estão lá não abdicam de suas ideias, enquanto não houver um pensamento único que só a democracia resolve nunca chegaremos lá, seja com Macpro ou não.
Ele se levantou, não sorriu, eu mesmo lhe dei um aperto de mão e um abraço. Ele ficou sem jeito e foi embora. Como disse o meu amigo no seu extenso artigo em seu blog. – Depois de 20 anos, dizem que estamos colhendo a primeira safra de adultos forjados sob o principio da nova formação escoteira. Penso em B-P lá em cima vendo tudo isto. Sorrindo ou chorando?