Conversa
ao pé do fogo.
Mochila
ame-a ou deixe-a.
Já tive várias na vida. Tentei guardar a
primeira, mas uma enchente me deixou órfão. Quase chorei. Na sede escoteira
tinha um baú cheio delas. Presentes do Batalhão Militar da cidade. Com o tempo fui comprando outras. Uma delas
ficou comigo por quinze anos. Uma que me deu dor de cabeça, ou melhor, nas
costas foi a com armação de metal. Uma jornada de vinte quilômetros acabou
comigo. Jurei nunca mais usar. Aprendi desde pequeno que mochila não é armário
ou guarda roupa. Aprendi usando. O Akelá disse – Não vou dar lista. Levem o que
acharem necessário para um acampamento de três dias. - Penei. A mochila não
deu. Levei mais um bornal e uma sacola. Fui alvo de gozação. Lobinho pata tenra
só aprende assim. Mas aprendi. E como aprendi. Afinal subir montanhas,
quilômetros e quilômetros em vales e gargantas, atravessar rios ou andar em
lombos de burros ou de trem foi lição para nunca mais esquecer.
Você pode dar uma relação de itens para
eles levarem. Não vai adiantar. Mamãe, titia ou Vovó sempre tem mais um item. Não
são elas que vão carregar, mas se preocupam com você. Nunca ri de Escoteiros
noviços ao chegarem à sede parecendo uma árvore de natal. Mas que dava vontade
de rir dava. Ele chegava vermelho. Sonhando com o acampamento. Eu só dizia –
Vai precisar mesmo de tudo isto? Ele orgulhoso respondia - Claro Chefe. Afinal
não foi o senhor quem disse que quem vai para o mar avie-te em terra? Tá bom.
Aprender a fazer fazendo. Um quilômetro e o pobre bufando. Dois quilômetros
desmaia na sombra de uma árvore. – Aprendeu? Claro que sim. Sem ajuda. Nunca
deixei ajudar. Levou tem de carregar. Faz parte do crescimento.
Eu aprendi assim. Cortava isto, cortava
aquilo e não fazia falta. Não faz mesmo. Nunca levei saco de dormir, ou melhor,
em inglês “sleep”. Um trambolho. É isto mesmo? Não importa. Carregar um nas
costas? Nem pensar. Se quiser conforto fico em casa. Sempre tive dois sacos de
linhagens. Era só encher com folhas secas ou capim e meu colchão estava pronto.
Uma cueca, um par de meias, uma camiseta, um short, minha manta e os dois sacos
de linhagens. Clara higiene e um bom livro. Mais? Não precisava. Se apetrechos
individuais sujassem eu lavava. Tinha técnica até para passar com dois arcos de
madeira. Tive uma mochila que adorava. Simples, verde, gostosa. Nas costas não
machucava. Nas laterais colocava meu facão, uma chaleira e um caldeirão e meu
lampião a querosene. Não precisava de mais. Viajei mundo com ela. Subi serras e
picos, lugares que nunca mais esqueci.
Mas dei boas risadas com as mochilas dos outros. Eu sempre fui um
gozador às escondidas. Nos acampamentos nacionais, regionais e internacionais
era que eu dava gargalhadas mil. E nos Jamborees? Meu Deus! Cada tipo de fazer
inveja. Eles chegavam posudos. Como se fossem os melhores do mundo. Mochilas
enormes. Cheias de balangandãs. – Por que esta rindo? Perguntavam. – Por nada,
desculpe. Mas lá no fundo eu sabia que ele era um eterno “pata tenra” (novato sem
experiência). Você conhece. Você sabe. Só de olhar o Chefe ou o Escoteiro você
sabe ate onde ele é um bom mateiro. E a Patrulha então? Só o Monitor formar e
lá está. Grande ou pequena Patrulha. Não tem erro. Adorava ver um Chefe
tentando me explicar sua mochila machucando na subida da serra. - Aprendeu
papudo? Claro que sim. Ele aprendeu. Achou que sabia tudo e não sabia nada. Mas
não é assim que se aprende?
Quando Escoteiro e
Sênior era bom andar com meus companheiros. Ninguém reclamava. Todos sabiam o
que fazer. Mochilas bem postas, somente o necessário. Hora de falar, hora de
cantar e hora de prosseguir o caminho das nuvens. Andei por alguns lugares com
chefes mateiros. Aprendi muito com eles. Muitas vezes as barracas ficavam. Prá
que? Em meia hora sabíamos fazer uma cabana para dois ou três. Chuva? Uma capa plástica
simples e mais nada. E ela nunca durava para sempre. Mas voltemos às mochilas.
Cada um sabe o que quer. Cada um compra a que mais lhe chamou a atenção. Mas
cuidado. Muito cuidado! Nem tudo que reluz é ouro. Olhe para ela, experimente.
Se sinta confortável subindo uma montanha por dois dias, sol a pino, nenhuma
sombra. Como ela está nas costas? Dói? Então não compre. Veja aquela mais
simples, mais leve. Sei que é feinha, mas vai lhe dar um alivio enorme nas
grandes atividades a pé. Lembre-se você não vai mudar de cidade ou tirar férias
de vinte dias. Vai acampar ou excursionar e voltar para casa.
Ainda sinto saudades. Muitas. Em ver
todos chegando à sede. Dia do grande acampamento. Pais e mães brigando para ver
seus lindos filhinhos colocarem a mochila e dar adeusinho. Os mateiros rindo e
pensando na bela atividade pela frente. Os “pata tenra” vermelhos maldizendo as
vovós e as mamães que lhe entupiram de material. Mas não adianta. Só se aprende
fazendo. Feliz Baden Powell que nos ensinou e muitas vezes esquecemos. Bom
acampamento!