As sementes
Africanas no Escotismo.
O Chifre de
Kudu.
Baden-Powell nos presenteou com
muitas tradições e místicas que aos poucos estão desaparecendo da história
escoteira. A busca incessante no que é moderno acabou com muitas destas
tradições e hoje poucos ainda sabem para que servem. No meu alfarrábio “Simbolismo
e Místicas Escoteiras” eu comento algumas delas. O Chifre de Kudu hoje é
lembrado com uma das excentricidades de Baden-Powell. Em Gilwell Park para os
que se aventurarem a uma volta a Gilwell certamente irá ouvi-lo. Até a década
de setenta os Cursos no Brasil ainda utilizavam. Hoje pelo que saiba são poucos
Formadores que ainda mantém a tradição. Vejamos sua história:
O Kudu (Tregelaphus
strepsiceros) é uma espécie de antílope cujo habitat vai desde a África
do Sul á Etiópia. Um touro Kudu pode chegar a uma altura de 1,5 metros e tem
uma coloração que vai de um cinzento avermelhado até quase azul. As suas características
de visão aguçada, bom sentido de audição, olfato apurado e grande velocidade
fazem dele um animal difícil de capturar. Seguindo uma tradição que remonta há
90 anos, as patrulhas são chamadas a reunir com o toque tradicional do chifre
de Kudu, durante os cursos da Insígnia de Madeira. Pode parecer estranho que o
chifre de um antílope africano, do tipo usado pelos Matabeles como clarim de
guerra no século XIX, seja usado para chamar Escoteiros e Chefes por esse mundo
afora. Mas foi precisamente com um toque deste chifre que os primeiros
Escoteiros foram acordados nos primórdios do escotismo.
Quando realizou o primeiro
acampamento em Brownsea, Baden-Powell lembrou-se do chifre de Kudu que tinha
trazido das guerras contra os Matabeles, e usou-o para dar um toque de
aventura e divertimento ao acampamento. De fato, foi durante o acampamento
experimental de Brownsea, em Poole Harbour, no verão de 1907, que Baden-Powell
colocou ao serviço do Escotismo, e pela primeira vez, o chifre de Kudu. William
Hillcourt, um dos grandes pioneiros do Escotismo, o mesmo que escreveu o resumo
da história de BP no final do «Escotismo
para Rapazes», descreve assim a primeira alvorada em Brownsea: - "O
dia começou ás 6h da manhã, quando BP acordou o acampamento com o som esquisito
do longo chifre de Kudu em espiral - o clarim de guerra que tinha trazido da
sua expedição à floresta de Somabula durante a Campanha Matabele de 1896".
John Thurman, grande nome do
Escotismo britânico, conta como BP conheceu o chifre de Kudu: - "Como coronel na África, em 1896,
Baden-Powell comandou uma coluna militar na Campanha Matabele. Foi num raid
pelo rio Shangani que ele primeiro ouviu o som do chifre de Kudu. Ele andava
confundido pela rapidez com que os alarmes eram espalhados entre os Matabeles,
até que um dia se apercebeu que eles usavam o chifre de Kudu, o qual tinha
uma grande potência sonora. Era usado um código. Assim que o inimigo era
avistado, o alarme era tocado no Kudu, para todos os lados, e assim transmitido
por muitas milhas em pouco tempo".
Depois da ilha de Brownsea, o
chifre de Kudu voltou para a casa de BP onde permaneceu silenciosamente durante
12 anos, enquanto o movimento que ele anunciara se tornava moda e se espalhava
pelo mundo fora. Então, em 1919, Baden-Powell entregou o chifre ao Parque de
Gilwell para ser usado nos primeiros cursos para adestramento de Chefes.
William Hillcourt comenta assim o início do uso do chifre de Kudu no Parque de
Gilwell, na floresta de Epping, Inglaterra, a oito de Setembro de 1919:
- "O primeiro acampamento para adestramento de chefes feito em Gilwell
começou a oito de Setembro. Seguiu o padrão que BP tinha usado com os rapazes
em Brownsea, 12 anos atrás. O sistema de patrulhas foi novamente posto á prova
com 19 participantes divididos em patrulhas e vivendo uma vida em patrulha. A
instrução tomou a mesma forma que em Brownsea. Cada dia um assunto novo era
introduzido e aplicado em demonstrações, prática e jogos. O chifre de Kudu dos
Matabeles que tinha sido usado para chamar os rapazes em Brownsea foi usado
para todos os sinais." - Dez anos mais tarde, aos 72 anos de idade,
Baden-Powell levou consigo o chifre de Kudu para a abertura do 3º Jamboree
Mundial, em Arrowe Park, Birkenhead, Inglaterra, a 28 de Julho de 1929. Foi
constatado, pela experiência de Arrowe Park, que fazer soar o chifre de Kudu é
um desafio. Os resultados, no entanto, foram tão impressionantes quanto se
poderia desejar, segundo as palavras de William Hillcourt:
"O dia da abertura do 3º Jamboree Mundial começou com uma forte chuvarada
que aumentou com o passar do dia; mas, à hora prevista... o tempo tornou-se
«ameno». BP tinha trazido consigo para Arrowe Park o velho chifre de Kudu dos
dias da guerra com os Matabeles e que tinha sido usado para acordar os
acampados em Brownsea no primeiro acampamento de escoteiros do mundo e para
abrir o primeiro curso para chefes no Parque de Gilwell. Levou-o aos lábios
para dar um toque que haveria de ecoar pela extensa parada em frente dele, mas,
com o excitamento, os lábios recusaram-se a fazer o que deviam. O som do chifre
não passou de um fraco «pff». No entanto, como que chamados para a ação pelo
chifre, a marcha começou, com os contingentes a desfilarem atrás de
contingentes em frente da plateia, com as bandeiras de quase todas as nações
civilizadas desfraldadas ao vento, com milhares de pessoas a aplaudirem cada
nação entusiasticamente.”.
Ainda hoje o chifre é usado para
reunir chefes em cursos de formação em todo o mundo. Para todos os que seguem
as pegadas do fundador, é um viver do Escotismo no seu melhor.