sábado, 1 de abril de 2017

Sustenidos e bemóis, coisas de pardais no ar.


Crônicas de um Velho Chefe Escoteiro.
Sustenidos e bemóis, coisas de pardais no ar.

“Senhor ajudai-nos a construir a nossa casa Com janelas de aurora e árvores no quintal - Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores”.

                    A peregrinação me fazia repensar o porquê elevando ao quadrado um sonho abstrato em matemática era como se dirigir ao meu coração que batia calmamente obedecendo às normas surreais de um passeio não programado. Não corria, trilhava o asfalto quente sem eira somente. Pisante macio era como se naquela tarde eu velejava em mar aberto em um céu de brigadeiro. Tarde quente, sol longe do poente. Eu não o via. Estava eu escondido naquela selva de pedra onde se sobressaiam os arranha-céus que queriam tocar as nuvens, mas elas se desmanchavam na poeira do vento amigo. Mente deletéria imaginava como seria fácil ir de encontro ao impossível coisa que não acreditava que pudesse fazer. Sons de veículos passantes, buzinas estridentes, passadas no chão corrente tentando voltar ao lar. Uma gota pequenina de suor correu de mansinho em minha face e se esparramou borrachuda no chão pedregoso. Pensei no homem que faz trabalho penoso, vive do suor do povo. Mentira? Mas não dizem que é fruto de uma jornada, o suor no rosto é custa de muito esforço e grandes penosos sacrifícios?

                  Parei... Eis que sintomaticamente avistei um pequeno parque surgido do nada como se o Mágico Houdini me revelasse que ali era meu lugar. Bonito, resplandecente agora eu ia parquear. Escondido entre as avenidas asfálticas, prédios gigantescos parece que agora encontrei o meu lar. Banco de madeira convidativo, lugar sedutor. Sombra cativante árvores atraentes e áreas esplendidamente vazias. Sentei, me acomodei corporalmente nas curvas gostosas do banco acolhedor. Pensei em voltar meu rosto na direção do sol, e então, as sombras lentamente foram ficando para trás. Amigo, meu objeto direto do desejo de admirar o belo perdido entre as sombras, me alertava que o campo dos sonhos não é onde estamos. Só lá sombras verdadeiras de arvoredo dão as sombras que precisamos. Deixei me levar pelos sonhos. Lembrei-me de Michelle quando escreveu: - Fechei os olhos e me comprometi a sonhar com você. Disse ao sono: venha logo, para que eu possa vê-lo, para que eu possa senti-lo, para que eu possa ter um pouco mais do pedacinho do céu. Logo adormeci. De repente o sol poente estava sumindo.

                            Foi então que me dei conta que era ela que me fazia sonhar. Linda Arvore enorme, verde que te quero verde, uma sombra que se espalhava ao redor do meu mundo que encontrei perdida naquela praça desaparecida entre o os prédios daquela cidade de pedra. Olhei para ela, como era bela, era como se eu disse sem dizer, “eu sei que já faz tempo, mas ainda amo você”! Sombra enorme, vivente, escondida do sol poente braços enormes, me voltei no tempo. Ah! De Camisa de Escoteiro subia como anarquista, explorador, batedor ou pioneiro a descobrir ate aonde ia e onde podia chegar. Elas as árvores que me acolheram sorriam sem me condenar. Venha! Suba você não é um agitador ou um anarquista, aproveite dos meus galhos faça de mim o que quiser... E lá eu ia na correia de mateiro, como bom e valente Escoteiro a explorar as alturas do Jequitibá, da Peroba Rosa, do Pau Brasil e de tantas que se alegraram em me abraçar...

                          Eu absorto naquele lugar encantado, pensativo e concentrado olhava a árvore como se ela sempre fizesse parte da minha vida. A tarde foi se aconchegando no horizonte. Eu me sentia abraçado, amado, e por ela adotado tinha certeza que éramos um só. Eu e a árvore da Praça do arredor. Um bordel de sons começou a se formar. Ventania de revoada, como se fossem trovões tocados ao longe por uma mão invisível naquele céu escuro do alvorecer. Olhei para o céu espantado e vi que a hora tinha chegado. Milhões deles, já iam se recolher. Como se fosse uma sinfonia com sustenidos e bemóis vi que eram coisas de pardais no ar. Nada de novo no front para um Velho que tinha a natureza na alma e viveu tantas sinfonias de rádios de pássaros errantes tocadas em plena floresta do Pica Pau e o Bem ti Vi. Eles foram alcançando os mais altos galhos, os grasnados foram escasseando. Aos poucos o silencio retornou com a brisa fresca do ar. Os pardais dormiam. Hora de partir, levantei tropegamente.

                            Uma partida silenciosa. Não iria acordar a orquestra sinfônica que resolveu se acomodar na mais bela árvore do lugar. Uma duas três passadas trêmulas. Parei. Voltei o rosto para a praça. Tudo quieto, tranquilo, calmo e sossegado. Os pardais dormiam sobre a proteção da árvore da vida. Árvore tão querida que os passantes do dia não sabiam o tesouro que tinham ali intocável, mas que todos podiam usufruir ou desfrutar. Mudei de pensar, sorri ao andar, pensei que nada seria como hoje para mim dora em diante. Pião de madeira... Carrinho de ferro... Tudo era tão solido... Ah! Vida tão cheia de vida, mas que um dia vai acabar...

Gosto quando me falas de ti... e vou te percorrendo
e vou descortinando a tua vida
na paisagem sem nuvens, cenário de meus desejos
Tranquilos

Gosto quando me falas de ti... e então percebo
que antes mesmo de chegar, me adivinhavas,
que ninguém te tocou, senão o vento
que não deixa vestígios, e se vai
desfeito em carícias vãs...
J.G. de Araújo Jorge.


Um som nostálgico, pardais passam ser dizer aonde vão. Meus pensamentos voam pelo céu. Deu-me uma vontade de sentir sinfonias de pardais a cantar no alvorecer. Nesta hora faço poemas, as poesias vêm com vontade bater na porta do meu coração. Escrevo, uma musica soa em meus ouvidos, fecho os olhos, os dedos se esparramam sobre teclas brancas e linhas negras resplandecentes vão mostrando o que vai por entre meus sonhos. Sou sim, um poeta Escoteiro, um mero pardal no ar...