Conversa ao
pé do fogo.
Ninguém
esquece seu primeiro curso escoteiro.
Curso é curso, o primeiro ninguém
esquece. O meu nunca esqueci. Foi há tantos anos e até hoje se mantem vivo na
memoria. 1958? Acho que sim. Fui convidado pela região de Minas e me pagaram a
passagem e a taxa do curso. Convidaram todos os chefes do grupo e devido a motivos
profissionais declinaram. – Preparei-me com esmero. Eu não tinha a mínima ideia
de como seria o curso. Pensei que seria uma competição de técnicas Escoteiras
para testar o conhecimento de um Chefe.
Não perdi tempo, renovei meus
conhecimentos em nós e amarras sem esquecer as cinco costuras de arremate que
fazia com precisão. Nós e sinais de pista não havia segredo. Dominava mais de
40 dos escoteiros e marinheiros. Fiquei dias praticando semáforas, Morse,
orientação, leitura de mapas, medições de distancia, altura. Não me esqueci do passo duplo e do passo
Escoteiro.
Se me perguntassem da Lei, iria
dizer de cor. Primeiros socorros dava para o gasto. Armava com maestria
qualquer barraca. Sabia afiar e amolar uma ferramenta de corte com perfeição. O
machado do lenhador e o Traçador não tinham segredos. Cozinha mateira e
observação da floresta entendia sem discussão. Revisei tudo. Tintim por tintim.
Não sabia o que esses chefes da cidade grande e estes comissários iriam pedir
para fazer. Embarquei uniformizado em uma terça no noturno da Vitória Minas.
Sapato engraxado fivela do cinto brilhando, meu chapéu tinindo, e o meu lenço bem
dobrado de fazer inveja.
Achando que era certo, coloquei
todos os distintivos que ganhei na camisa escoteira. Cruzeiro do Sul, Segunda
Classe, Primeira Classe e 23 especialidades, Correia de Mateiro, Cordão
Dourado, as duas tiras de Monitor no bolso esquerdo e meu distintivo da
Patrulha Lobo. Faca limpa e protegida, Cantil lavado e um cabo trançado
completava minha indumentária. Claro, as estrelas de atividade estavam lá. Quatro
de lobo, quatro de escoteiro, três de sênior e uma de pioneiro estampada na
minha camisa caqui.
Cheguei a capital às sete da manhã.
Mochila nas costas e a pé procurei o ônibus do Zoológico. Às onze e meia cheguei.
Uma seta indicava o ponto de encontro do curso. Localizei a clareira. Vários
alunos conversavam. Sem me olharem juntei os cascos e disse alto Sempre Alerta!
Todos me olharam espantados. A maioria começou a rir. – Sorri também. Tirei o
cantil na melhor pose e bebi uma talagada d’água. Ninguém me pediu um
“golinho”. Em seguida ouvi um som de berrante. Interessante disseram ser o
Chifre do Kudu. Putz! Que nome. Se falasse isto para os seniores iriam dizer
que era um palavrão.
Formamos uma ferradura. Bandeira, oração. A
equipe se apresentou – Chefe Francisco Floriano de Paula, Chefe Darcy Malta e
Chefe JF (João Francisco de Abreu). Começou ali minha saga de cursos. Conhecemos
a Patrulha de Serviço, seis meninos escoteiros que ajudavam a equipe. Cada
aluno se apresentou. Envergonhado mal disse meu nome e minha cidade. Feito os
avisos, fomos formados em patrulhas. JF me chamou a frente a todos. Rispidamente
disse que um Chefe não usa distintivos, pois era incentivo para os escoteiros. Chefe
só use seu lenço, distintivo de promessa e mais nada. Deu-me uma hora para
tirar tudo! Ia mandar ele a M... Mas pensei bem e não o fiz.
Foi um curso inesquecível Seis dias. Meu
primeiro. Fiz grandes amigos que perduraram por toda a vida. Tinha Capitão,
Coronel, Professor, Juiz de Direito, Dentistas e padre. Chefes que nunca
esqueci foi o Chefe Gafanhoto e o Chefe Wander. Aprendi muito com eles. Deixei
minha soberba de ser o melhor. Deixei minha índole de não levar desaforo para
casa. Mas o melhor mesmo que não esqueço até hoje foi a fritada de Bacon. Não
conhecia. Gostei demais.
Bem foi meu primeiro curso. Um CAB
(Curso de adestramento básico Escoteiro) caminho para a Insígnia de madeira. Na
época seis dias. (minha insígnia foi nove dias). Hoje? Sem desmerecer mesmo
preso em um alojamento, ou em barracas, comida pronta ou quentinhas acredito
que para quem participa ainda é inesquecível. Quantas mudanças se passaram de
ontem para o hoje. Outro dia pensei em me inscrever em um curso de Assessor
Pessoal. Só para saber. Afinal nunca é tarde para aprender não é?
Será que nos cursos hoje ainda
tem aquela canção Guin-gan-guli que cantamos de madrugada dentro do lago? Quem
sabe tem um caminho do Tarzan? Ou um Ninho de Águia? Acho que não. Na minha vez
de cozinheiro não me saí mal. Fritei batatas, linguiças e fiz um arroz
soltinho. Soube outro dia que já existe curso de Staff. Aprender tudo sobre
como colaborar com um Jamboree ou acampamentos nacionais. Acho que vou fazer
um. Sei que será diferente quando fui Chefe de Sub Campo Sênior, com 36
patrulhas para brincar em um acampamento nacional.
Sei que aqueles cursos do
passado ficaram no tempo. Hoje tá tudo mudado. Dizem não posso afirmar que tem
formador que nunca desceu de uma árvore com um nó de evasão e nem sabe fazer um
fateixa ou um Balso pelo Seio. Que nunca construíram uma barraca suspensa. Mas
isto é importante? Quem sabe em Gilwell Park os cursos também foram alterados.
Sem técnicas escoteiras. Dizem que tem muito formador que não sabe sorrir. Tem
pose de chefão e perde um enorme tempo tentando explicar um contratempo de
alguém que não entendeu.
Disseram-me que não se fazem mais “antigamente”
como antes. E se você estiver triste com seu último curso, faça como o Zé das
Quantas: - Se a vida estiver muito amarga, dá uma rebolada. Às vezes o açúcar
tá no fundo! Sempre Alerta!
nota - Quem não se lembra do
seu primeiro curso escoteiro? Sair de lá vibrando, abraçando, trocando
endereços e telefonemas. – “Não esqueça de mim! Não deixe de telefonar”. Hoje
com Whatsap deve ser demais. Escotismo tem disso. Marca demais. Alguns dizem
que sua vida mudou depois que entraram para o Movimento Escoteiro. Acredito.
Comigo também aconteceu assim.