quarta-feira, 2 de maio de 2018

Se não posso voltar a Gilwell Um dia vou voltar ao Campo Escola do Jaraguá.



Se não posso voltar a Gilwell
Um dia vou voltar ao Campo Escola do Jaraguá.

“Nas tardes bolorentas surge à magia que encanta e o por sol se esconde nas montanhas... E a noite o perfume da mata se transforma em pétalas de flor... E nos meus sonhos quando chega à primavera... É hora de voltar de novo ao Campo Escola”

                     Uma postagem do Chefe Angelo Ernesto me trouxe belas lembranças. Tive a honra de viver boa parte da minha vida Cursando no Campo Escola do Jaraguá. Lugar mágico, empírico, cheio de tradições e místicas que aquele que ama a filosofia escoteira vai sentir e ver as boas vibrações que lá estão. Lá eu morei nos finais de semana, junto aos amigos cursantes vivenciando o Espírito de BP. Nas emanações de seu filosófico método que nunca será igualado.

                     Toda vez que chegava para um curso minha mente voltava na minha infância nas Matas do Tenente, ou nas Florestas do Rio do Peixe, do Monte Ibituruna e de tantos outros que vivi. Eu gostava muito do Campo Escola do Jaraguá. Em poucos minutos eu me transportava de uma selva de pedra para o mais puro ar que se respira. Só quem conhece sabe como é o aroma de folhas, galhos, árvores enormes a esconder o sol que a seu modo tenta penetrar em pequenas olheiras de galhos entrelaçados naquele lugar mágico.

                     Não sei se ainda tem os macacos pregos, o gavião da montanha, o quati perdido na mata, a passarada cantante das madrugadas... E o Bicho Preguiça que vez ou outra vinha abiscoitar os alunos no seu corre-corre para aprender. Vi o lago com pontes pioneiras, feitas por cursantes e hoje é somente uma pontezinha de cimento a embelezar a natureza. Os alunos chegavam, respiravam, sorriam e então sentiam a fleuma do lugar.

                      Naquela época uma casinha de telhado suíço, um pequeno refeitório que servia nos dias de chuva para palestrar em conversas gostosas e aprender a fazer fazendo. Preservaram a natureza, a beleza do lugar. Estive lá há dois anos, meus olhos correram as matas, alguns inhambus perdidos um canário belga me saudou voando para dentro da floresta. Uma tarde, esperando as patrulhas retornarem da sua jornada, eu sentado próximo à boca da mata, me lembrei de Zezito, um sapato novo, calos, andou descalço por alguns quilômetros, tirou um lençol rasgou e fez um mocassim de pano. Apelidaram-no de Pé de Pano. Não sei se ficou.

                      Agora tem banheiros e novas salas, dormitórios, mas sem implicar com a natureza preservada. Lembro como se fosse hoje, antes de dar uma palestra subia um pouco numa trilha onde hoje tem banheiros e salas para me confraternizar com a floresta e poder transmitir aos chefes amigos tudo que meu coração podia dar. Gostoso, cento e poucos metros dentro da mata, fechava os olhos e deixava a natureza entrar em mim. São Paulo a cidade de pedra desaparecia. Eu voltava ao rio do Peixe, nas cavernas do Velho Chico, na subida do Rio Pomba, bolas eram lembranças boas demais.  

                Nunca avistei a antena gigante de uma TV no Pico do Jaraguá. Eu fiz amizade com um bicho Preguiça e gostava de marcar o tempo que ele levava para chegar ao topo. Afinal para que correr? Um dia ela vai chegar assim como todos nós chegamos. Cheguei a ver um Tatu-Canastra, Bugios gritantes a rirem de mim. Sempre que estou na natureza me lembro de Gonçalves dias: - “Minha terra tem palmeira, onde canta o sabiá, as aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. E as noites? Lindas demais.

                  Em um CAB Escoteiro levei a turma até o meio da clareira. Sentávamos. Olharam-me espantados. Silêncio. Dez e meia da noite. O que vai ser Chefe? – Nada, meia hora para todos apreciarem o céu de estrelas. Eu me deleitava, alguns não entendiam a natureza, não estavam ainda preparados para serem chefes. Só algum tempo depois se tocaram que a palestra seria sem som, apenas imaginar e admirar o céu coberto de estrelas mesmo em uma noite enluarada.

                     Lembrar e sonhar com os versos de Gonçalves Dias era bom demais. “Nosso céu tem mais estrelas, nossas várzeas têm mais flores, nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores. Mais prazer encontro lá”. Lá? No Campo Escola dos tempos idos. Para quem viveu junto as Palmeiras, bromélias, begônias, orquídeas, cipós e briófitas, pau-brasil, jacarandá, peroba, jequitibá-rosa tantos e tantos nunca vai esquecer.

                     Um dia voltei lá, não por convite, mas por distração. Já não era o mesmo Campo Escola, mas ainda continuava lindo. É meu amigo escritor Gonçalves Dias, até hoje nas horas do silêncio, da alvorada, do por do sol, nas montanhas e campinas não esqueço nunca das matas verdejantes do céu dos meus amores que sempre lá encontrei. Se pudesse eu gostaria de quando partir, sempre voltar ao campo escola, trazer a magia do sol, da noite e da primavera em flor!

Nota – Angelo Ernesto postou em sua página a magia e a mística que existe no Campo Escola do Jaraguá. Na década de oitenta passei lá boa parte dos meus fins de semana; Quase uma centena de cursos. Adorava, pois me sentia como se estivesse nas florestas onde um dia acampei na minha infância. Quantas vezes ficava até uma da manhã sentado na clareira e as patrulhas dormindo e eu olhando uma réstia de estrelas e vendo coisas que não posso contar. Saudades... Muitas saudades...