Conversa ao
pé do fogo.
O pecado de
todos nós.
Eu disse para a Célia: - Não vou!
– Ela respondeu vai sim! – Célia, o que eu vou fazer lá? Você sabe como vou ser
recebido! – Meu marido, você não vai por causa deles, vai para encontrar muitos
outros amigos que estão lá e querem conhecê-lo. – Não tem jeito, a Célia sempre
me deu ordens e eu as obedeci. Parti rumo a São Bernardo do Campo onde seria o
meu calvário. No início da Anchieta encontrei uma passeata da CUT. Pararam-me –
Dilma ou Aécio? Perguntaram. Responder o que? Estava de uniforme caqui calça
curta e Chapelão – Respondi sorrindo! - Voto no Baden-Powell. O cara da CUT
riu. Chamou o Lula. – Presidente! Ele é Escoteiro! – Deixa passar, esta turma é
chata, mas não incomoda ninguém! São uns incompetentes, nem pedir eles sabem.
Porque não pediram um cargo na Petrobrás? – Agradeci ao Lula. Sua esposa sorriu
me olhando enviesado. Atrás de uma árvore escondida vi a Presidente Dilma.
Pensei em descer e dar a ela um abraço, mas não iria pegar bem. São tantos
chefes no Facebook malhando a coitada que seria melhor ficar na minha.
A Policia Federal me mandou
seguir não sem antes ver meus documentos e ver que não estava fugindo da
Lava-Jato. – Quem sou eu moço! Disse. Quando menino me disseram que o petróleo
era nosso, mas até hoje não vi nem uma latinha de óleo de graça. – Ele me olhou
com aqueles olhos que só enxergam deputados senadores, diretores e gerentes da
Petrobrás para levar a Curitiba. – Fugi logo dali. Agora eu tinha certeza, não
devia ter vindo à Assembleia Nacional. Mas Célia é Célia. Ela mandou tá mandado.
Errei ruas e entrei em um viaduto que não conhecia em São Bernardo. Pudera a última
vez que fui lá, tem tempos. Foi em um Congresso Nacional que agora chamam de
Assembleia. Wander meu amigo Escoteiro do peito ainda estava vivo. Percival
também. Zé Renato hoje afastado se refastelava nas altas esferas nacionais. “Belle
époque”! Eu era o Diretor Regional de Adestramento. Hoje dizem ser formadores. Deus
do céu! Quantas mudanças.
Com muito custo avistei o
imponente local onde seria o epicentro do sismo que abalaria meu modo calmo de
vida. Na porta sorrisos, gente de toda parte. São Paulo é São Paulo. O maior
efetivo nacional sempre dá show de comparecimento. Não viram no Jamboree em
Natal? 4.300 participantes, 1.600 paulistas! Turma endinheirada! Gosto daqui,
pois aqui se faz escotismo para ricos! Como diz aquele comediante no SBT na Praça
da Alegria: - Pobre que se exploda! – A UEB adora! Sempre me dei bem com a
paulistada. Cheguei aqui em 1977 e estou até hoje. Como criei caso com os donos
do poder aqui. Na liderança regional só queriam me ver pelas costas. Kkkkk.
Ainda bem que nunca dei as costas para ninguém. Foi aqui que tentei mudar tudo
na estrutura Escoteira nacional. Perdi feio. Amigos que se diziam amigos se
afastaram. Fui colocado na lista dos mais procurados Escoteiros do mundo. Tive
que me esconder. Montei uma barraca nas matas verdes do Brasil no Pico do
Jaraguá e de lá avistava o campo escola da Região! Bah! Que saudades.
Mas vamos cumprir minha sina.
Custei horas para achar um estacionamento. Os que tinham vagas custavam os
olhos da cara e eu um Velho Escoteiro aposentado e duro não podia pagar. Enfim
um flanelinha ficou com dó de mim e por vinte pratas me deixou estacionar meu
carrinho. Cheguei à porta do evento. – Olhei e pensei, Vado é melhor dar a
volta e ir para seu lar. Aqui não vai dar! – Mas sou insistente, na entrada um Chefe
magro, alto, empertigado, com um olhar de tanajura me olhou e perguntou: - Tem
celular? Tem inscrição? É lotado na UEB? Tem SIGUE? ´- Putz! Deus do céu. E
agora? – Olhei para o chão, um medo danado. Tinha que ter celular para entrar? –
Moço doutor Chefe Formador, não tenho nada disto! Falei com uma vozinha de Velho
chorão! – Ele me olhou com aquele olhar de Capo di tutti i capi (Chefe de todos os chefes) e me
disse: - Cacilda, o que veio fazer aqui? É chefão por acaso? Foi eleito? É rico?
Com os olhos cheios d’água ele me olhou novamente e com pena do Velho Escoteiro
disse: - Olhe entre, mas não encha o saco de ninguém, entendeu?
Já estava arrependido de estar
ali. Era Chefe passando, Chefe correndo, Chefe gritando e Chefe se escondendo
em salas secretas para discutem as mudanças dos estatutos. Muitos candidatos ao
CAN em rodinhas aqui e ali dizendo: - Se votar em mim, pagarei seu corte de
cabelo e uma barraca de “lambuja”, se votar em mim, comprarei um pente de osso
de crocodilo para você e mais uma machadinha de Gilwell! Se votar em mim ganha
uma passagem de ida e volta ao Jamboree em São Paulo! Um deles me pegou pelo
braço e falou baixinho: - Se votar em mim juro que vais ganhar uma vestimenta
completa, você pode escolher dentre os dezoitos tipos existentes! – Deus do
céu! Onde estava me metendo? Será que ele não sabe que prefiro morrer de cabeça
prá baixo a colocar a danada? Perguntei a ele onde estava sendo discutido os
novos estatutos. Ele riu e me falou baixinho: - Chefe já tá tudo combinado. Lembrei-me
da musica do balanço geral – Já tá tudo combinado, a gente vai curtir um som, a
gente vai se namorar, o que rolar vai ser tão bom!
Achei melhor voltar. Descia as
escadas devagar, com calma para não cair. Agora não vou esquecer, preciso
comprar uma bengala. Andar sem ela não dá, e ela vai ter inúmeras utilidades.
Já pensou quantas bengaladas eu daria aqui nesta cambada? Acordei tremendo. Célia
dizendo que ia me levar para o pronto socorro. Outra vez Celia? - É... As
coisas são assim para um Velho Escoteiro. Recordar é viver? A
primeira metade da vida passa-se a desejar a segunda; a segunda, a recordar à
primeira. E assim vai. Belo sonho, belo amanhecer, ou melhor, belo
pesadelo e bela dor de cotovelo?
Na noite fria o silêncio.
Na minha mente momentos.
A lembrar dos acampamentos.
O sol, a chuva, o vento.
O vagabundo escoteiro sou eu.
Preciso ir acampar.
Ninguém quer estar mais aqui.
Ninguém quer estar perto de mim.