terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O último acampamento do Velho Lobo.


Conversa ao pé do fogo.
O último acampamento do Velho Lobo.

                Contaram-me que ele queria fazer seu último acampamento escoteiro. Sua idade avançada não permitiria mais esta extravagância e sua família ficou muito preocupada. Dia e noite ele só falava nisto. Todos o conheciam. Fora Escoteiro desde lobinho e agora com seus 84 anos mal conseguia andar. Ele claudicava, tremia, respira mal e sua vóz quase não se entendia. Um dia resolveu lembrar-se do seu passado. Comprou um pequeno balão de oxigênio que dava para seis dias, preparou um bornal com tudo que precisava para seu problema pulmonar. Sorria para sí mesmo. – Será meu último acampamento. Se morrer acampando morrerei feliz ele dizia. No inicio contou para todos os amigos e depois parou de contar. Ninguém concordava com este absurdo. Mas ele era teimoso e obstinado. Sua esposa horrorizada tentou demovê-lo da ideia e não conseguiu. Ela chamou os três filhos e nada adiantou. Vieram amigos Escoteiros e nada. A família chegou à conclusão que se ele não fosse morreria em poucos dias. Quem sabe tutorado ele poderia ir? Pensou um dos filhos. Um deles médico concordou e assumiu a responsabilidade.

                    Chefe Zezé preparou tudo com calma. Do baú tirou sua mochila, seu uniforme que ele mesmo lavou e passou. Sua manta de Fogo de Conselho, seu chapéu de três bicos e limpou o tope que comprou ainda em 1947. Colocou seu penacho azul. Engraxou sua botina de campanha, olhou seu meião com carinho e deixou de lado a jarreteira. Pediu a esposa para costurar os barretes das medalhas que ganhou, não eram muitas. Sorriu ao pegar sua faca Escoteira, seu facão sua machadinha e sua bússola Silva. Tinha a Prismática, mas achava a Silva melhor. Viu que o couro do cinto estava firme e a fivela brilhando. Não se esqueceu da velha Bandeira do Brasil. Ele sonhava dia e noite com seu último acampamento. Seria mesmo o último? Sua mente voltava ao passado quando da sua promessa Escoteira. Quantos amigos de patrulha, quantos acampamentos, quantas matas adentraram, correram pelas campinas, subiram em serras e montanhas. Ah! Meus velhos tempos ele dizia.

                    Comprou passagens para a Lagoa Dourada com saída a meia noite. Seu filho sorriu. Tinha um amigo lá. Combinou tudo por telefone. Ele seria monitorado todos os dias. Preparou sua matutagem para quatro dias. Levou uma pequena lona para servir de abrigo. Não esqueceu a capa de chuva.  Alguns amigos vieram ver sua partida e viram sua alegria. Seu sorriso valia toda a saga que iria realizar. Seu filho o levou à rodoviária. Seis horas de viagem. Seu filho calculou que ele chegaria lá pelas seis da manhã. Deixou-o no ônibus e foi para casa. Às nove da manhã seu amigo ligou dizendo que ele não chegou no ônibus da capital. Em nenhum dos que chegaram depois tinha sinal dele. Sinal vermelho. Os irmãos se reuniram. Vamos até lá disse um deles. O desespero tomou conta da família. A Polícia foi acionada. Busca em todos os lugares. Bombeiros, elicópteros. Nada. Chefe Zezé sumiu! Não sabiam mais o que fazer. A polícia desistiu. Ninguém quis mais procurar. Seus filhos precisavam voltar à luta. Tinham seus empregos. Esposas, flhos. A vida continua.

           Quase um mês depois a esposa do chefe Zezé parou de chorar. Os olhos vermelhos inchados. No décimo quinto dia receberam um telegrama. Um vaqueiro disse ter visto um homem parecido com ele conforme apareceu na Televisão. Ele estava na serra do Canta Galo. Todos os filhos foram para lá. Bem longe. Mais de nove horas de viagem. Serra desconhecida para eles. A cidade pequena. Alguns tinham visto quando ele chegou quinze dias atrás. Conseguiram um guia, encontraram o vaqueiro. Arrumaram cavalos e subiram a serra. Local ermo e de difícil acesso. Tinham medo do que iriam encontrar. Avistaram ao longe uma fumaça branca subindo aos céus. Pequenas esperanças. Quem sabe está vivo? Chegaram ao local. Viram-no enconstado em uma árvore, como se estivesse desfalecido. Correram até ele. Respirava e parecia dormitar. Abriu os olhos, sorriu. - Como me encontraram disse?
           O filho médico o examinou. Achou estranho. Sua respiração parece ter melhorado. Ele se levantou, olhou para o céu, para as árvores, um pássaro preto em um galho voou. Alguns outros se juntaram a ele. Todos voando em volta do chefe Zezé. Borboletas surgiram. Azuis, vermelhas, verdes e amarelas. E então vamos? – Ele disse. Com sua cabeleira branca e vasta caindo sobre a testa. Começou a cantar a pleno pulmões – Avançam as patrulhas, ao longe, ao longe! Adeus meus amigos, ou melhor, até breve, eu voltarei, disse ele olhando os pássaros, a mata, o riacho e o local onde acampou. Desmanchou o campo com carinho, não pediu ajuda. Arrumou sua mochila, e com ela nas costas gritou! - À frente tropa! Bandeiras ao vento! Marche! Agradeceu a oferta de ir a cavalo. Andava como uma lebre. Incrivel pensavam. Mais acima dois quatís acompanhavam e mais ao longe dois lobos guarás do rabo curto também. Uma passarada foi com eles até a cidade. Dizem que na cidade todos bateram palmas. Os pássaros quando ele entrou no automóvel do filho, chilrearam alto.

                  Quando soube da história fui até lá visita-lo. Recebeu-me com um abraço e um sorriso. O que me contou foi de tirar água na boca. Daria tudo para participar de um acampamento assim. Sabia que os filhos queriam monitorá-lo. Deu um baile neles. Desceu do ônibus logo ao sair da Rodoviária, e esperou o que o levaria a Serra do Canta Galo. Local maravilhoso, linda aguada e um céu incrível para contar estrelas. - Montei um campo de patrulha dos meus velhos tempos. Tinha tudo que pode imaginar. Minha cabana aguentou chuvas e vendavais. Minha ração acabou logo, mas a fartura ali era imensa. Aipim, jabuticabas, bananas, mandioca, taioba, Maracujá, mamões à vontade. Meu amigo, ali era um éden. Resolvi não voltar mais. Se tivesse de ir para outro plano que fosse ali, junto à natureza tão linda e que me dava tudo que precisava para viver. Senti-me revigorado, meu ar voltou. Não senti mais a fraqueza de sempre.

                   Quer saber? Estou aguardando uma oportunidade. Eu irei voltar lá novamente. Irei viver com o Caminheiro e a Midiata os dois lobos Guarás com que fiz amizade. Irei ter ao meu lado os quatis os pássaros que ficamos amigos. À noite irei deitar na grama e ver o melhor céu de estrelas do mundo. Eu voltei para casa triste, mas contente por feito o que fiz. Fiquei triste por Sinhá minha amada esposa. Ela sentiu muito a minha falta. Mas quando voltar ele sabe onde estarei. Os pássaros de lá até hoje me visitam e ficam horas na Castanheira que tem na praça ao lado. Converso com eles, cantamos juntos e acho que nunca mais vou esquecer aquela serra, linda serra que amei e que nunca mais vou esquecer. Não tem jeito. Tenho de voltar. Olhe sei que muitos me acham louco. Risos. Eu não sou meu amigo, não sou. Que pensem assim e não me importo. Não existe um minuto ou segundo que minha mente me transporta para lá. Quando durmo sonho com minha serra querida. Não serei mais um Velho senil, cheio de manias. Vou voltar. Não tem jeito e mesmo que seja minha última viagem ou meu último acampamento não deixarei a velhice chegar e destruir os meus sonhos. Eles estão segundo e não vai fugir das minhas mãos!


                       Fui para casa pensando no Chefe Zezé. Sentei na poltrona e calado meditei por muito tempo. O que ele contou parecia uma fábula daquelas que conto e tento acreditar ser verdade. Ele fez o que é sonho de muitos. Mas lutou pelos seus sonhos e chegou lá. Um dia quem sabe eu faço assim também e parto para meu destino no campo dos meus sonhos? Que Deus me dê forças!